De Lisboa até ao Corvo... são 34 hospitais e muitos médicos de distância
Portugal tem 226 hospitais. Do total, 30% estão em apenas três concelhos: Lisboa, Porto e Coimbra
A ilha do Corvo é a mais pequena dos Açores e a menos habitada: 459 pessoas. Residir numa reserva de biosfera, conta Vera Câmara, 37 anos, "é viver em comunhão com a natureza". "As crianças podem brincar na rua sem perigo, é como viver em família: conhecemos toda a gente", conta. Mas viver numa ilha que tem 6,5 quilómetros de comprimento por quatro de largura é também um desafio... pelo menos na saúde. E de Lisboa ao Corvo vão 34 hospitais de distância.
Entre públicos e privados é este o número de hospitais na capital, segundo dados do Municípios Online, uma aplicação da Marktest. Já no Corvo há apenas um posto de saúde com um médico de família, uma enfermeira e, desde o início do ano, um dentista, que vivem na ilha. E, dadas as circunstâncias, será legítimo dizer que estão sempre de serviço. "Se houver uma situação muito grave vem o helicóptero militar e leva o doente para outra ilha. O que assusta é quando o tempo está mau. É isso que nos dá maior sensação de isolamento", diz Vera.
Para consultas da especialidade têm de ir de avião à Terceira ou a São Miguel, encargos do sistema regional de saúde. "No inverno, há voos às segundas, quartas e sextas-feiras, no verão, todos os dias da semana. Sei que em termos monetários não justifica, mas para a população justificava existir mais um médico e mais equipamento. Aqui não podemos fazer transfusões de sangue. Até agora tem corrido tudo bem... Costumamos dizer que é Nossa Senhora dos Milagres que nos protege", conta.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Vera e o marido Joe, que trocou a Califórnia pelo Corvo, adaptaram a casa em alojamento para turistas. Não faz parte dos planos deixarem a ilha, que voltou a estar na moda. "Alguns emigrantes voltaram e no Corvo há mais crianças na creche, umas 20, do que idosos no lar, que são seis ou sete", conta.
Litoral versus interior
Portugal tem 10,3 milhões de habitantes e 226 hospitais, dos quais 119 são públicos e 107 privados. Dividindo a população residente, daria 46 mil pessoas por cada um. Do total de unidades, 30% estão nos concelhos de Lisboa (34), Porto (21) e Coimbra (13). Nos 207 dos 308 concelhos onde não se localiza nenhum hospital residem 3,2 milhões de pessoas. O Municípios Online cruza os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, Ordem dos Médicos e Infarmed (dependendo da entidade, vão de 2013 a 2016).
Na Ordem dos Médicos estão registados 48 487 clínicos. O que dá um médico por cada 200 pessoas. Uma média, pois metade está concentrada em sete concelhos, com Lisboa, Porto e Coimbra à cabeça. E se no Corvo trabalha um médico, só no Hospital de Santa Maria, Lisboa, trabalham 2722 clínicos. "Em termos regionais existem grandes desigualdades. O mapa está dividido em litoral, com população mais jovem, e interior, mais desertificado e envelhecido. A evolução dos indicadores da saúde é um reflexo desta estrutura. A Grande Lisboa (inclui nove concelhos) tem 20% da população e é onde se concentram 19% dos hospitais públicos e 27% dos privados. O Interior Norte também tem 20% da população, mas só 14% dos hospitais. A oferta não é tão proporcional", refere Esperança Afonso, diretora técnica na Marktest Consulting, referindo que os centros de saúde acabam por "compensar" algum desequilíbrio.
Uma porta sempre aberta
O que não falha em todos os concelhos do continente é uma farmácia: 2772 farmácias para uma média de 3743 pessoas por cada. Lisboa tem 267, o Porto 110, Sintra 67, Coimbra tem 49. No concelho da Batalha são três, com uma média de 5263 pessoas por cada uma. Patrícia Rosa é ali farmacêutica há nove anos, na Farmácia Moreira Padrão. "Temos pessoas que já cá vinham em crianças. A farmácia é um ponto de referência e temos uma boa relação. Procuramos dar sempre a melhor informação, esclarecer sobre os genéricos", conta. A maioria dos utentes é sénior e ainda há uma franja sem escolaridade. A farmácia é um amigo e um conselheiro. "Tem sempre a porta aberta, não pede marcação nem pagamento de consulta e responde sempre de forma rápida às situações que surgem, mesmo que seja encaminhar para o centro de saúde quando o utente precisa de outros cuidados."
A evolução tem sido muita: medicamentos mais baratos, receitas eletrónicas e também soluções que a própria farmácia quis oferecer aos utentes, percebendo as necessidades. "Fiz um curso de injetáveis porque nos fins de semana as pessoas não tinham forma de continuar os tratamentos e vinham à nossa procura. Fazemos a dispensa de medicamentos individualizada para os doentes polimedicados, para dar resposta a problemas que observávamos ao balcão. Fazemos workshops para recém-mamãs, em que podem tirar as dúvidas."
Rafael desafiou o destino
"A evolução da taxa de mortalidade infantil é das grandes conquistas de Portugal na última década. Desde 1970 baixou 19 vezes. Naquela altura morriam 55 crianças com menos de um ano de vida por cada mil nascimentos. Agora são três", destaca Esperança Afonso, diretora técnica na Marktest Consulting. Um marco, que tem sido bandeira dentro e fora do país, e números de mortalidade que parecem necessitar de uma eternidade para mudar. Mas passaram apenas 46 anos.
Uma evolução que tem mudado a história de muitas famílias, que tem mostrado muitas crianças guerreiras. Meninos como Rafael, agora com quatro anos, que desafiou as probabilidades ao nascer às 26 semanas de gestação e com apenas 790 gramas. O seu caso é relatado no livro Viver a Prematuridade, lançado hoje no Porto. "Foi um susto e nunca me passou pela cabeça. Para mim não existiam bebés prematuros, nem imagina os meios que existem para manter estas crianças vivas. Tudo era fora do normal", conta Adelina Alves, 37 anos.
Rafael já viu as muitas fotos de quando era pequenino, mesmo muito pequenino. "Nasceu com 33 centímetros, dava para ver tudo. Parecia um ratinho. Era o que lhe chamava. Contei-lhe, ele riu-se. Ainda não percebe muito bem", conta a mãe, que só passado uma semana percebeu realmente o que lhe tinha acontecido. Quando começou em trabalho de parto estava em casa e os bombeiros levaram-na para o Hospital da Póvoa do Varzim. Foi transferida para a Maternidade Júlio Diniz. A primeira morada de Rafael durante 72 longos dias.
"O Rafael nasceu na época certa. Não acredito que com aquele peso tivesse sobrevivido na década de 1970. O equipamento de hoje em dia é muito diferente. Os médicos foram espetaculares. Não considero que tenham sido tanto médicos, foram amigos. Cada vez me convenço mais que fomos para o sítio certo, com as pessoas certas. Estou muito orgulhosa de onde o meu filho nasceu. Ele está aí, sem sequelas. É um guerreiro. É o que lhe chamo", afirma Adelina.
As horas difíceis foram partilhadas com o marido, Álvaro Ambrósio, 48 anos, que passou muito tempo em casa, enquanto a mulher estava na maternidade, a cuidar de Marina. "Foi muito complicado para a família. Ela estava em período de mudança para a escola primária e ia fazer seis anos. Viu o irmão quando nasceu, depois explicar que o irmão tinha de ficar no hospital. Dão-se maravilhosamente, nunca vi dois irmãos darem-se tão bem", conta Adelina.