David Justino: "O PSD perdeu eleitorado pela forma como fez oposição"

Admite ainda que a atual liderança tem de conduzir o partido a olhar "pelo retrovisor"
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Vice-presidente do PSD, David Justino afirma que a anterior direção do partido adotou uma "má estratégia" na oposição e que os sociais-democratas perderam eleitorado por causa disso. O também líder do Conselho Estratégico Nacional (CEN), admite que a atual liderança tem de conduzir o partido a olhar "pelo retrovisor" - leia-se com um olho nos críticos - mas acrescenta que agora é tempo de fazer oposição ao governo. O que não é sinónimo de "fazer espalhafato".

É legítimo que os deputados peçam reembolso de despesas que não tiveram?

O problema não tem de ser de legitimidade - isso tem a ver com a lei, se é observada ou não. O problema que coloco é se tem sentido este tipo de práticas, que não geram confiança por parte dos cidadãos, dos contribuintes, e que têm a ver com a forma como as instituições gastam o seu dinheiro. Não quero tirar conclusões apressadas, admito que possa até haver enquadramento legal, mas era bom que ficasse esclarecido. Não custa nada esclarecer, deixar as coisas transparentes perante a opinião pública.

Tem havido sucessivas polémicas com as ajudas de custo dos deputados. Acha que esta matéria exigiria uma revisão geral?

O dr. Rui Rio tem falado na reforma do sistema político, envolvendo não só o sistema eleitoral, ou o funcionamento das instituições, mas o próprio estatuto do político, quer seja deputado, autarca, dirigente nacional. Não quero transformar esta discussão na ideia de que os políticos é que tem que ser sujeitos ao escrutínio todo. Esse escrutínio deve ser extensível a todos aqueles que beneficiam de dinheiros públicos para exercer a sua função, deve saber-se como é que gastam esse dinheiro. Se calhar há outros corpos dentro da administração pública, que não são tão escrutinados como os políticos, e em que a situação, se calhar, é muito pouco transparente.

Como por exemplo?

Nos mais diversos domínios, desde o sistema de ensino, de justiça, a administração. Isto não é um problema dos políticos, é um problema da organização da sociedade portuguesa, que ainda vive de algum... não direi secretismo, mas de alguma opacidade no que diz respeito ao princípio de prestação de contas que é necessário dar quando se envolvem dinheiros públicos.

Foi Rui Rio quem disse que a política precisava de um banho de ética...

Sim, mas vamos lá ver uma coisa: a ética não é uma coisa que se compre numa drogaria. E como não se consegue comprar ética, temos é de criar condições de regulação que incentivem esses princípios éticos. O quadro normativo tem que ser claro e transparente e o principio da prestação de contas também. Por isso é que propomos uma reforma do sistema político e uma reforma de alguns estatutos especiais que existem. Principalmente para que o papel do agente político possa ser valorizado e respeitado. O problema que se põe aqui é um problema de respeito dos cidadãos para com quem faz política. E das duas uma, ou a classe política acorda para este tipo de alterações ou então arrisca-se a ser devorada pelo populismo.

É presidente do CEN. Do lado de Santana Lopes diz-se que não foi respeitado o acordo para a constituição deste órgão.

Não tenho conhecimento da substância do acordo. O que sei é que da parte dos dirigentes atuais existe sempre um principio de boa fé. E devo dizer que o CEN, naquilo que diz respeito à participação dos militantes, é uma coisa o mais alargada possível, não tenho nenhum problema de trabalhar com os companheiros que estiveram com o dr. Santana Lopes. Era o que faltava, após o congresso todos somos do PSD, não há discriminação em função disso. Já tive até a oportunidade de falar com algumas pessoas diretamente ligadas ao Dr. Santana e houve a maior abertura para colaborar. Essas coisas conversam-se, agora não se podem conversar nas páginas dos jornais, tem que se conversar frente a frente.

Não tem havido alguma falta de tato da atual direção em relação às vozes criticas dentro do partido?

Não creio. As instituições têm que funcionar em função das decisões do congresso e daquilo que são os órgãos próprios, nomeadamente o Conselho Nacional, que substitui o congresso. É a partir do debate interno que se deve enriquecer essa interação entre vozes que eventualmente poderão ter alguma discordância. Agora, fazê-lo nos jornais não creio que seja a melhor forma...

Falou no Conselho Nacional. Rui Rio não pode vir a ter um problema nesse órgão?

Não creio....

Não tem maioria.

Nós não andamos a contar votos. Contar espingardas é importante quando há guerra. Neste momento não há guerra, a única guerra que temos é face aos desafios e aos problemas do país.

Como é que descreveria este primeiro mês e meio da atual direção?

O primeiro mês foi conturbado, até por algumas polémicas, mas acho que elas foram resolvidas e superadas. O que temos de fazer agora é concretizar aquilo que muitos - inclusive o dr. Santana Lopes - nos disseram para fazer, que é fazer oposição ao governo. Já era tempo. Estamos a fazê-lo com estratégia e com aquilo que entendemos que deve ser a cultura política do que é fazer oposição. Não é necessariamente fazer espalhafato. É apresentar-se como alternativa, contribuir para que os problemas do país possam ser resolvidos, ou por quem está no governo ou por quem vier a seguir e os possa resolver. Isso é que é fazer oposição.

Mas não tem sentido permanentemente que há areia na engrenagem?

Faz parte da história do PSD. Os líderes mais carismáticos eram os mais contestados. Lembra-se de como Cavaco Silva foi contestado nos primeiros tempos? Lembro-me de Durão Barroso dizer "como posso conduzir o carro se estou sempre a olhar para o retrovisor?". É interessante esta imagem.

E aplica-se agora?

Sim, mas o problema que se põe aqui é que, ou reagimos na mesma medida, o que não é bom, ou tentamos ter a capacidade de absorver esses impactos e melhorar.

Rui Rio elegeu como grandes temas da oposição os incêndios, o caso Montepio e a saúde. O PSD não tem que ir mais vezes a jogo e de forma mais abrangente?

O PSD não vai a jogo, está no jogo. Agora, é necessário ter uma estratégia, saber quais são os nossos objetivos e saber como é que vamos dosear a forma como queremos ganhar o jogo. Utilizo muito a imagem de que, se nós vamos atrás de tudo o que mexe, acabamos por perder o norte. Portanto, as coisas vão-se fazendo, há planeamento, capacidade de previsão. Não confundam isso com paralisia, não há paralisia nenhuma. Mas não vale a pena estar sempre a bater... Se não apresentarmos alternativas, soluções, as pessoas não nos reconhecem autoridade. Isso para nós é fundamental. Perdemos uma parte da nossa base eleitoral por decorrência da governação, mas também dos dois anos na oposição e da forma como foi feita oposição.

Porquê?

Se calhar adotámos uma má estratégia. Os dois primeiros anos da oposição ao governo foram anos que não trouxeram ganhos, pelo contrário, perdemos uma parte das franjas do eleitorado. Para recuperarmos temos de demonstrar que somos credíveis, que somos uma alternativa.

Rui Rio defendeu o aumento dos salários da função pública. Isto não é uma viragem de 180 graus no discurso do PSD?

Porquê?

A anterior direção não defendia aumentos para a função pública...

O contexto é completamente diferente. Estamos num contexto de saldos primários positivos, de crescimento das receitas decorrente do crescimento económico, em que o défice tem uma trajetória aparentemente positiva. Face a estas condições não vejo que um ligeiro aconchegar dos salários relativamente à inflação possa ser irrealizável.

O PSD tem sido muito cauteloso com os aumentos estruturais da despesa...

Quando o dr. Rui Rio propõe a hipótese de um ajustamento da evolução dos salários da função pública relativamente à inflação está a ser cauteloso, muito cauteloso até...

Quer dizer que podia ser menos?

Se quiséssemos ser irresponsáveis proporíamos, como fazem outras forças, um aumento do 2%, 3% ou 4%, mas nós sabemos qual é a situação das contas públicas e é por isso que a proposta é moderada, concretizável.

O PSD assinou esta semana dois acordos - sobre fundos europeus e descentralização - com o governo. Não há o risco de estes acordos se tornarem mais evidentes do que a oposição do PSD ao governo?

Nós temos de fazer duas coisas: ser oposição ao governo e ao mesmo tempo constituirmo-nos como alternativa. Quando há iniciativas que são de interesse nacional, as pessoas dificilmente compreenderiam que o PSD deixasse passar esta oportunidade para contribuir para reformas fundamentais para o país. Quer a descentralização, quer o próximo quadro comunitário, são dois pilares fundamentais para o desenvolvimento do país. Se estivéssemos no poder, também era isso o que faríamos, não vamos tratar as coisas de uma forma diferente só pelo facto de estarmos na oposição.

Admite outros acordos com o governo?

Esses dois eram fundamentais. Há outros que precisam, eventualmente, de ser trabalhados, mas não sei até que ponto é que isso pode acontecer a curto prazo. É natural que no aproximar das eleições haja necessidade de uma demarcação, nomeadamente por parte do governo em relação ao PSD, nem que seja para manter a coesão da coligação que suporta o atual governo. Nós admitimos e estamos disponíveis para outros acordos. Agora, reconhecemos que o ambiente não é o mais favorável.

Como é que vê a estabilidade da atual solução governativa?

Não creio que caia, digamos que os parceiros da dita frente radical da esquerda têm um medo enorme de perder o poder. E nesse sentido, em situações extremas acabam - depois de muito barulho - por viabilizar a continuidade da solução. Se algum dos partidos se começar a comportar de forma relativamente diferente em relação àquilo que temos observado, então é um elemento novo que temos de ponderar.

E o PSD estaria preparado para um cenário de eleições antecipadas?

Nós estamos preparados para eleições. E para as ganhar.

E para governar com o CDS?

Mesmo que o PSD, e esta é uma opinião pessoal, tivesse condições para ter uma maioria absoluta, com certeza que iria envolver, ou pelo menos convidar o CDS para colaborar. O CDS é um parceiro estratégico, há uma história que existe e que é preciso respeitar. Isto não quer dizer que na competição eleitoral não sejamos adversários ou concorrentes, somos.

O CDS não esconde a ambição de querer suplantar o PSD.

Cada um toma a ambição que necessita, o PSD não precisa de ter essa ambição porque já tem a sua posição na sociedade portuguesa bem definida, bem identificada, e portanto não precisa de fazer esse tipo de exercícios.

Mas há relativamente pouco tempo aconteceu um coisa antes impensável, em Lisboa, com o CDS a suplantar o PSD.

Felizmente que o país não é Lisboa.

Rui Rio já admitiu que a escala do êxito do CEN pode não ir para além do 40%, 50%, 60% . Não é um objetivo modesto?

Esta solução é muito ambiciosa. Se conseguirmos daqui a um ano, um ano e pouco, atingir 40% ou 50% é muito bom. O CEN não é uma solução apenas para o período eleitoral, é para se manter na vida do partido, é uma alteração estrutural da organização do próprio partido. Se atingirmos 40% ou 50% num ano, então daqui a dois anos podemos estar nos 60/70%, e daqui a três anos nos 100%. Se atingirmos isso será muito bom.

Quando é que vai apresentar o programa eleitoral?

O que temos em mente é ter o programa pronto imediatamente a seguir às eleições europeias.

Final de Maio?

Primeira quinzena de Junho. Outra coisa é saber quando é que vai ser divulgado, isso é outra coisa.

O presidente do CEN admite voltar ao governo?

Não está nos meus planos. A minha grande preocupação é contribuir, com a minha experiência, para formar futuros dirigentes e futuros políticos para que não haja buracos negros. Dentro do próprio partido há este problema geracional. É uma obrigação que tenho, partilhar o conhecimento e a experiência para formar gente nova.

Além de presidente do CEN é coordenador para a área da educação. Como é que avalia o atual ministro?

Não existe politicamente, não posso apreciar o que não conheço. Sei qual o trabalho dos secretários de Estado, do ministro não percebo. Não me lembro de nenhum ministro que tivesse assumido esta figura de que só sai quando tem coisas boas para anunciar. Quando as coisas correm mal, ninguém sabe dele. Numa greve de professores, fui levar o meu filho e passei por uma outra escola onde estava um monte de pais à porta sem saber se ia haver escola ou não. Isto afetou a vida das famílias. No mesmo dia, o ministro veio falar sobre a paz no futebol. E eu disse: " Bom, se calhar temos um ministro do futebol e não da educação".

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