Cuidadores são hoje ouvidos no Parlamento
Em Portugal, estima-se que sejam mais de 800 mil. Na Europa, mais de 100 milhões. São considerados essenciais, pilares dos sistemas de saúde e social. Sem eles, os familiares teriam menos qualidade de vida, mais do que aquela que a doença ou dependência de que sofrem já lhes dá. Falamos de cuidadores, de todos aqueles que assumem a responsabilidade de cuidar de alguém, de forma informal, sem formação e apenas em nome do afeto. O trabalho que fazem é invisível, silencioso para qualquer Estado, quer tenha uma boa rede de cuidados continuados ou não. Por isso querem o estatuto que ainda não têm. A Assembleia da República decidiu ouvi-los. Ao fim de dois anos, esta é a última audição pública para se chegar a um documento que enquadre o seu papel.
O documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo governo de António Costa, que juntou técnicos da saúde e da segurança social, e que tinha como missão definir orientações e criar um suporte técnico para apoio à decisão política de um estatuto para o cuidador informal, considera que o cuidador é "um dos fatores de sustentabilidade dos sistemas sociais e de saúde" e que "a continuação do papel de cuidador é fundamental tendo em consideração os desafios no futuro demográfico de Portugal e os custos associados com os cuidados continuados." Mais. "A promoção de medidas de apoio e de suporte ao cuidado informal, e de políticas orientadas para os cuidadores é potenciadora de uma abordagem com múltiplos benefícios para todos: a pessoa foco dos cuidados, os cuidadores e os sistemas políticos", defende ainda.
Cuidadores "são todos os cidadãos que que tomaram sobre si o dever de cuidar de outra pessoa", principalmente mulheres entre os 45 e os 75 anos. O retrato é idêntico em toda a Europa, onde se estima que 80% dos cuidados continuados prestados a outros são feitos por cuidadores informais não remunerados, e "frequentemente com custos para estes a nível da saúde, bem-estar social e económico", sublinha o documento do Grupo de Trabalho, citando estudos oficiais europeus.
Em 2016, a Associação Cuidadores de Portugal estimou o valor do trabalho realizado pelos cuidadores, tendo por referência o salário mínimo mensal, em aproximadamente quatro biliões de euros anuais (mais precisamente 3,9 mil milhões por ano, 329 milhões por mês, mais de 82 milhões de euros por semana).
No Reino Unido, por exemplo, os cuidadores informais poupam ao Estado 132 biliões de euros por ano. São imprescindíveis, e, ao fim de tantos anos de silêncio, alertam para a necessidade de uma rede de apoio para os cuidados, de condições para se manterem no mercado de trabalho, ou até para que estas suas funções sejam valorizadas e reforçadas em subsídio de apoio ou com remuneração.
São estes homens e mulheres cansados de viver uma situação não reconhecida que, em 2016, lançaram uma petição para que seja criado o Estatuto do Cuidador Informal. Reuniram milhares de assinaturas, que entregaram na Assembleia da República, onde em maio do mesmo ano se discutiu e aprovou em sessão plenária medidas de apoio, que incluíam a criação de um estatuto.
O PCP e o BE apresentaram depois projetos de lei, enquanto o PAN e o CDS avançaram com propostas de resolução. Dois anos depois desta primeira discussão, os deputados terminam hoje a audição pública de todas as entidades envolvidas no processo, desde ministérios, patrões, sindicatos, técnicos e associações de cuidadores, que hoje serão ouvidas em Comissão de Especialidade. Numa única tarde - a de hoje -, os representantes de 20 associações vão dizer aos deputados o que pensam e o que pretendem. Antes disso, prometem manifestar-se à porta do Parlamento, como já fizeram em março, para alertarem para o problema.
O objetivo é conseguir que até ao final desta sessão legislativa os deputados se entendam quanto a um documento único, ou não, para ser votado.