Cristas: "É bom para ele e é bom para o CDS que o Paulo Portas saia do Parlamento"

Almoço com Assunção Cristas

A mesa estava marcada para a uma da tarde no restaurante do Chapitô. "Tem uma vista magnífica sobre Lisboa", diz, depois de se desculpar pela meia hora de atraso. "A minha vida nos últimos tempos é ouvir pessoas." Se há demarcação que Assunção Cristas quer fazer em relação a Paulo Portas é, justamente, ser capaz de respeitar o relógio. Mas a verdade é que, pela amostra, o fuso horário do Caldas ainda não mudou no pulso de Assunção. "Já disse ao Luís Queiró, o nosso presidente do congresso, que ele gere os trabalhos como entender. Mas a sessão de encerramento no domingo tem de começar à hora prevista. É aí que nós mostramos que já estamos a mudar", confidencia em modo bem-disposto.

Mas as diferenças para o homem que lidera o CDS há quase 20 anos e que "ficará certamente a marcar a nossa atualidade política e a nossa história durante muito tempo" vão para além dos ponteiros. "Desde logo, o nosso percurso de vida é muito diferente. Ele vinha do jornalismo e eu venho da academia. Eu sou casada e mãe de quatro filhos e ele é solteiro. Isto determina, obviamente, uma vivência muito diferente. Eu não sou capaz de fazer as coisas sozinha, tento partilhar tudo porque não tenho vida para fazer as coisas sozinha e centralizando. E certamente aí vai haver uma diferença significativa." Ou seja, com Assunção não haverá centralismo democrático à moda de Paulo Portas. "E não haverá por uma questão de feitio e de necessidade. Eu tenho de partilhar tarefas, tenho de delegar coisas e tenho de acreditar e confiar nas pessoas. O Paulo tinha uma coisa: delegava, mas depois estava sempre em cima a verificar que tudo era cumprido. E isso acabava por lhe retirar margem para outras coisas e também acaba por limitar um bocadinho as pessoas no seu espaço de autonomia. Alguns viviam bem com isso, outros porventura, viveriam menos bem, e comigo se calhar podem florescer de outra maneira."

Ao mesmo tempo que espreitamos a ementa, Assunção Cristas faz voo picado sobre o pão quente e as azeitonas marinadas. "Não resisto a isto", confessa entre sorrisos. Coincidimos na escolha: arroz integral com espargos e castanhas. E a conversa entra em velocidade de cruzeiro.

Uma das críticas que tem sofrido é a moção que leva ao congresso do partido no próximo fim de semana ser omissa em matéria europeia. "É uma discussão importante mas vou ser muito franca: sou extraordinariamente pragmática. A discussão sobre a Europa depende de 28 países, onde temos de estar e temos de ter posição. Há muitas coisas que vão acontecer que não dependem nem passam por nós. E a nossa grande questão em relação à Europa é se queremos estar dentro ou se queremos estar fora. E aqui a resposta é evidente, queremos estar dentro. E estando dentro como é que vemos a Europa? Certamente como um espaço antes de mais económico, que descomplica a vida das pessoas e não burocratiza em excesso. Por outro lado é uma Europa que precisa certamente de evoluir em muitas matérias, e esta crise dos refugiados é só um exemplo daquilo que precisa de ser feito. É uma Europa que só com muito esforço é que consegue acertar algumas políticas, mas não consegue depois dar execução eficaz a essas mesmas políticas." O europeísmo de Assunção tem, porém, um limite: foi, é e será sempre contra o federalismo. "A riqueza da Europa está na diversidade das nações que comporta. O que não quer dizer que em determinados pontos não possa haver dimensões com mais relevância e com mais aprofundamento. Mas isso são dimensões, dentro da lógica intergovernamental, que os Estados aceitam pôr em comum."

Esta é uma das nuances que a distinguem do pensamento maioritário do PSD. Desde que assumiu a candidatura à sucessão de Paulo Portas que se tem esforçado por acentuar diferenças para o ex-parceiro de coligação. A começar, desde logo, pela estratégia de abordagem ao debate do Orçamento do Estado. Enquanto Pedro Passos Coelho optou por recusar a apresentação de propostas de alteração ao plano socialista, preferindo esperar sentado pelo "desastre da governação" de António Costa, Assunção Cristas seguiu outro caminho.

"Achamos que o Orçamento é mau. Entendo que temos o dever de apresentar alternativas e acho que é positivo as pessoas poderem perceber que se nós não gostamos, onde é que faríamos diferente. Acho que isso é positivo e é pedagógico. É importante para esclarecer os eleitores, é importante para o debate político, é importante para que se perceba como é que nos posicionamos, e o CDS não declina essa linha e essa responsabilidade. Temos de nos afirmar como uma oposição firme, vigorosa, sólida, bem sustentada, mas uma oposição construtiva, que mostra e que constrói uma alternativa."

Sobre o prazo de validade do governo do PS "encostado às esquerdas radicais" não tem "palpites nem expectativas" e não desperdiça a oportunidade para, mais uma vez, recordar que este nasce de um "engano ao povo" que nunca contou com esta solução. Mas é assunto com o qual não quer perder grande tempo, porque isso é passado. A única coisa que lhe interessa é que aquilo que se passou depois de 4 de outubro de 2015 sirva de referência aos eleitores no futuro. "As maiorias absolutas de um só partido não voltarão tão cedo. É uma oportunidade para o CDS se afirmar. Ouvi muitas vezes em campanha eleitoral dizerem-nos que gostam muito de nós e das nossas ideias, mas que nós nunca lá chegamos. O nunca lá chegamos era ter de votar em alguém que inequivocamente derrote quem lá está, que fique em primeiro lugar. E neste momento percebeu-se que alguém pode não ficar em primeiro lugar e ainda assim ser primeiro-ministro. Ou seja, num certo sentido é um voto mais livre." É por isso que não hesita em repetir que é bom para os dois partidos, PSD e CDS, fazerem cada um o seu caminho e de forma autónoma.

Se houver uma crise política, isto é, se ao PS faltar o apoio das "esquerdas radicais", Assunção demarca-se mais uma vez de Pedro Passos Coelho - que já disse estar pronto para governar em qualquer altura, mesmo que seja dentro do atual quadro parlamentar. Tudo depende da vontade do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Uma saída que a futura líder do CDS antecipa como muito improvável. "O natural é termos eleições. Das duas, uma: ou há uma solução do PS com as esquerdas radicais feita de outra forma, que seja mais eficaz - não sei qual é -, ou haverá uma mudança na liderança do PS que abra espaço a que o Partido Socialista apoie os partidos que formaram a coligação que foi a votos em conjunto. E isso também acho altamente improvável. Quem chega ao governo desta forma não sairá tão cedo, e não vejo António Costa a largar para já a liderança do seu partido. E, portanto, com António Costa, para mim é claríssimo que não há possibilidade nenhuma sequer de ele apoiar este bloco. Não vejo nenhuma hipótese de esta coligação PAF poder governar no atual quadro parlamentar." Acha que o debate sobre a política de alianças vai ser central em campanhas eleitorais futuras e não tem dúvidas de que "o parceiro natural do CDS é o PSD" no espaço do centro-direita, mas só depois de eleições. E que um PS que se encosta às esquerdas radicais "é o nosso adversário natural".

Assunção Cristas não sabe se os eleitores já perdoaram ao CDS pela ultrapassagem das linhas vermelhas dos aumentos de impostos ou dos cortes nas pensões. Reconhece que parte do eleitorado do CDS possa ter ficado zangado. Mas tem uma explicação: o memorando estava errado. "O memorando tinha menos do que era necessário, em termos de dinheiro [78 mil milhões de euros], e menos do que era necessário em termos de medidas para atingir aquelas metas que estavam acordadas. O que significa que deviam de ter sido acordadas outras." Reconhece erros na governação, desde logo o episódio da TSU, mas também muitas falhas ao nível da comunicação: não se explicou devidamente o significado da expressão "ir além da troika", o que criou uma "perceção errada" das palavras do primeiro-ministro, e não se responsabilizou devidamente "o anterior governo do PS" pela bancarrota de 2011.

Já adoçados pelas sobremesas - leite--creme queimado e pão-de-ló de Ovar com sorvete de tangerina - regressamos ao presente e aos dias de brasa para Maria Luís Albuquerque. Assunção Cristas não quer fazer juízos sobre a contratação da ex-ministra das Finanças por uma empresa britânica que opera no setor financeiro. "Tenho muito respeito por Maria Luís Albuquerque, acho que fez um trabalho muito relevante e o país tem de lhe estar grato." O debate que é preciso travar é que políticos queremos ter. "Temos de discutir se queremos ter políticos que têm vida profissional, que trabalham e têm um antes e um depois da política - a política entendida como serviço público - ou se queremos ter profissionais da política. Quanto mais apertada for a malha das incompatibilidades menos gente de fora conseguirá aceder à política. Não acho que seja negativo, mas acho que é preciso discutir aquilo que se quer. E é preciso que não se desvie o foco e não se alinhe em populismos." O mesmo se aplica aos ordenados da classe política. Sobre os swaps e a condenação de Portugal por um tribunal inglês ao pagamento de 1,8 mil milhões ao Santander, limita-se a repetir a acusação de que foram os socialistas a contratar esses produtos de risco nas "habilidades para diluir custos e dívida" das empresas de transportes. Sobre o Banif, garante que sabe muito pouco porque "no governo anterior havia um entendimento, que eu respeito, de que à regulação e ao setor financeiro aquilo que lhes compete. E por isso as questões do Banif e do Novo Banco não foram discutidas em detalhe no Conselho de Ministros. Logo, não tenho informação específica sobre essa matéria".

Os cafés já estão na mesa e falta falar da família e do que espera de Paulo Portas no futuro. A uma semana de assumir a liderança do CDS, Assunção Cristas garante que "tudo foi discutido em família". "A minha filha mais velha é contra desde que eu fui para o Parlamento. Acha que essas coisas são para quem não tem filhos e que eu devia estar mais tempo em casa [risos]. Os dois rapazes são adeptos fervorosos e muito apoiantes. A mais pequena ainda não opina. É muito pequenina."

Sem receio do legado do seu antecessor, Assunção deseja continuar a contar com ele no futuro. "Espero que esteja atento e presente quando for necessário. Que me possa telefonar a perguntar alguma coisa, ou que me mande um SMS a sinalizar algum aspeto que considere necessário." Mas, porque o tempo é de mudança, "acho que é bom para ele e é bom para o CDS que o Paulo Portas saia do Parlamento. Por uma razão muito simples, as razões que invocou para sair da liderança do CDS foi querer encetar um novo ciclo de vida. Ora se quer encetar um novo ciclo de vida então tem de ter total liberdade para o fazer." Ainda assim, e porque é muito novo, Assunção espera que Paulo Portas possa voltar um dia à política ativa, quem sabe como candidato a Presidente da República.

Já à porta do Chapitô, na Costa do Castelo, Assunção Cristas olha para o relógio. São 15.10. "Ainda é cedo. Vou aproveitar para ir a pé para o Parlamento. Trouxe estes sapatos rasos para ir a caminhar que me faz bem." E lá foi, discreta, rua fora, agarrada ao telemóvel. As mensagens nunca pararam de cair.

Chapitô

› 1 couvert

› 1 água

› 2 arroz integral com espargos e castanhas

› 1 pão-de-ló de Ovar com sorvete de tangerina

› 1 leite-creme queimado

› 2 cafés

Total: 46 euros

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG