Costa lança reforma da Proteção civil e aguenta ministra. Marcelo vigilante
Uma nova reforma, a somar à que já se discutia no Parlamento, a da floresta. Depois desta, o governo, segundo anunciou ontem o primeiro-ministro, vai lançar um processo legislativo para "reformular o modelo" da Proteção Civil. Enquanto isso, a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, mantém-se em funções, por mais volumoso que seja o clamor público pedindo que se afaste: "Este não é um tempo de demissões, é um tempo de soluções", disse António Costa.
No próximo sábado, segundo revelou, haverá uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros para discutir a reforma da Proteção Civil. A ideia do governo é, de acordo com Costa, colar-se às conclusões do relatório da comissão técnica independente nomeada pelo Parlamento (após proposta do PSD). "A nossa responsabilidade é não fingirmos que não olhamos para a realidade", afirmou, acrescentando ainda a necessidade de "passar das palavras aos atos". "Depois deste ano, nada poderá ficar como dantes", sublinhou ainda, elogiando várias vezes o trabalho produzido pela comissão técnica independente (cuja análise do incêndio de Pedrógão concluiu pela responsabilidade central da tragédia em deficiências de coordenação do combate ao fogo). "Temos de respeitar o trabalho científico que foi elaborado", as conclusões não poderão "cair em saco roto" e agora o "trabalho político" passa por "concretizar em medidas as conclusões que foram apresentadas". Porque "a reforma da floresta não esgota as consequências a retirar deste verão dramático".
António Costa disse que o tempo é de "soluções" mas resistiu à tentação de prometer ao país que haverá resultados no imediato: "O país exige-nos resultados em contrarrelógio mas não podemos iludir os portugueses sobre a produção imediata de resultados."
Dizendo que este é um "momento de luto", manifestou condolências "às famílias das vítimas" e prestou "solidariedade às populações" que desde domingo tentam "proteger vidas" e "bens e empresas". Como "compromisso do governo" deixou a ideia de, uma vez "apagadas as chamas", "a solidariedade desta hora terá continuidade no momento da construção e da reparação dos danos sofridos por todos".
Outro aspeto da conferência de imprensa foi a relativa às indemnizações às vítimas. O governo - disse - assumirá "todas as responsabilidades que tiver de assumir", remetendo para a solução aprovada no Parlamento. Amanhã o primeiro-ministro receberá em São Bento a Associação dos Familiares das Vítimas de Pedrógão Grande, querendo ouvi-la sobre "um mecanismo ágil no sentido de que o Estado assuma as responsabilidades que deva assumir".
Marcelo pede urgência
O Presidente da República deve ter sido dos mais atentos portugueses à mensagem do primeiro-ministro. Ao contrário do que aconteceu em junho - em que foi o primeiro a chegar junto das populações afetadas pelos incêndios -, Marcelo Rebelo de Sousa manteve-se vigilante, mas longe dos concelhos atingidos no domingo.
O Presidente só tenciona deslocar-se para o terreno a partir de quinta-feira, prova de que aceitou as críticas do relatório independente sobre Pedrógão ao excesso de políticos junto dos meios de combate nos dias que se seguiram à catástrofe.
Mas Marcelo não deixou de marcar o dia. Primeiro com declarações à SIC Notícias e depois com uma nota oficial no site da Presidência em que voltou a pedir ação urgente face aos incêndios. Prometeu também falar ao país após a estabilização dos fogos que se registam em todo o continente e do balanço das vítimas. De qualquer modo deverá fazê-lo antes do Conselho de Ministros do próximo sábado.
Na nota de ontem, o Chefe do Estado fez apelo às palavras que proferiu no sábado em Pedrógão, em que manifestou expectativas sobre "as consequências que o governo irá retirar" dos incêndios de junho na região centro e que causaram 64 mortos.
As férias da ministra
Marcelo pediu "rigorosa avaliação dos contornos jurídicos" relativamente à responsabilidade civil da Administração Pública. No final dessa mensagem lida em Pedrógão Grande, o Presidente da República pediu que haja a coragem de se aproveitar "uma tragédia coletiva" para mudar de vida, com urgência: "Não há tempo a perder, ou melhor, já perdemos todos tempo de mais."
Enquanto isto, a ministra da Administração Interna insiste em manter-se em funções - aparentemente mais por pressão do primeiro-ministro do que por vontade própria.
Ontem Constança Urbano de Sousa explicou a decisão de ficar no posto com uma frase que provocou inúmeras manifestações de indignação, visíveis, por exemplo, nas mais variantes políticas das redes sociais. Primeiro afirmou: "Acho que este não é o momento para a demissão, é o momento para a ação." Mas depois acrescentou a nota que incendiou o debate público: "Ir-me embora seria o caminho mais fácil, ia ter as férias que não tive." Na madrugada de domingo para segunda-feira já o primeiro-ministro tinha dito, numa visita à sede nacional da Proteção Civil - e tendo Constança Urbano de Sousa a seu lado - ser "um bocado infantil essa ideia de que as consequências políticas são a demissão de ministros".
No PS e à esquerda do PS já se nota o embaraço com a manutenção da ministra em funções. A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defendeu a necessidade de mudar a estrutura governamental para juntar a prevenção ao combate aos incêndios, esperando que o governo "tire responsabilidades" no Conselho de Ministros de sábado.
"Eu julgo que é difícil alterarmos o paradigma de proteção civil e de defesa da floresta sem mexermos na estrutura governativa", disse a líder bloquista, numa conferência de imprensa na sede do partido, em Lisboa, e depois de uma reunião com Joaquim Sande Silva, especialista independente nomeado pela Assembleia da República por indicação do Bloco de Esquerda para a comissão técnica independente.
Perante a insistência dos jornalistas sobre quem é responsável por incêndios desta dimensão, afirmou que "tem responsabilidade política todo o Parlamento, este governo e governos anteriores" porque "quando há um sistema que falha assim há uma responsabilidade alargada". "Se não alterarmos a estrutura, não será por alterarmos um ou outro responsável que vamos ter o problema resolvido", respondeu, quando questionada sobre as condições para Constança Urbano de Sousa continuar no cargo.
Já o PCP foi fiel ao ser argumentário de sempre, quando há ministros debaixo de fogo: o que interessa são as políticas, não os políticos: "Como é sabido, não é da prática do PCP reclamar a demissão deste ou daquele governante avulso até porque, como a situação da floresta portuguesa bem evidencia, o problema não é de protagonistas", disse João Frazão, membro da comissão política do PCP. "Pela nossa parte, consideramos que é necessário que o governo apure todas as responsabilidades e daí retire todas as consequências devidas", acrescentou.
MP abre inquérito
À direita, o CDS continua a cavalgar no apelo, que fez já há muito tempo, para que a ministra se demita. Foi pedida uma audiência urgente ao Presidente da República. Ao fim da tarde, em comunicado, a direção do partido de Assunção Cristas exigiu um "esclarecimento sério, cabal e consequente" a António Costa. O primeiro-ministro, acrescentaram os centristas, errou também ao não substituir a ministra da Administração Interna, cuja "equipa há muito deixou de ser o garante da proteção e da segurança dos portugueses".
Já o PSD afirmou, através de uma conferência de imprensa do seu líder parlamentar depois da intervenção à noite do primeiro-ministro, que este "perdeu uma oportunidade para assumir responsa- bilidade política e para pedir desculpa". "Falhou também o primeiro-ministro", disse Hugo Soares.
Entretanto, o Ministério Público anunciou ter aberto vários inquéritos, na sequência das várias mortes ocorridas no domingo e na segunda-feira. O MP será coadjuvado pela Política Judiciária.