Contribuição energética dividiu governo até ao mais alto nível
O caso do chumbo pelo PS de uma proposta do BE criando uma contribuição para empresas de energias renováveis gerou um conflito entre os dois partidos. E, mais do que isso, expõe divergências dentro da bancada socialista e até dentro do governo.
O DN sabe que o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, era favorável à medida proposta pelo BE, bem como o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, e, além disso, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, e até o ministro das Finanças, Mário Centeno. Ou seja: quem se revelou decisivo a inverter o sentido de voto do PS - primeiro a favor, na sexta-feira, e depois contra, anteontem - foi o primeiro-ministro.
Todos estavam a favor, o Bloco acordou a medida com os dois ministérios (Economia e Finanças), e essas conversas integraram uma análise da solidez jurídica da proposta, já prevenindo eventuais processos que as empresas viessem a mover contra o Estado. Ponto importante na luz verde das Finanças foi, por exemplo, o facto de a proposta bloquista de criação de uma "Contribuição solidária para a extinção da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional" não ter nenhum impacto nas contas do Estado (na receita ou na despesa), abrangendo apenas exclusivamente a relação direta entre as empresas e os consumidores, baixando a receita às primeiras e a tarifa de eletricidade aos segundos.
Da parte da tutela governamental da energia, a proposta inseria-se num processo de redução da fatura da luz iniciado no começo da legislatura - e que já tinha incluído a adoção de outras ideias do Bloco de Esquerda, como a da tarifa social da eletricidade, que fez que aumentasse em dez vezes (de 80 mil para 800 mil) o número de consumidores com tarifa reduzida em um terço.
Narrativa evolui
As explicações socialistas para o facto de terem invertido o seu sentido de voto de sexta-feira para segunda-feira - inversão que levou ao chumbo da proposta bloquista - conheceram ontem uma segunda versão. Na segunda-feira, a versão oficial assentava numa narrativa de "erro de coordenação". Ou seja: houve um erro que levou a bancada do PS a aprovar a medida na sexta-feira, erro imediatamente detetado e que levou o partido a avocar a norma para uma segunda votação, agora no plenário da AR, antes da votação final global do OE 2018, segunda-feira. Ontem, Carlos César adiantou uma outra história. Falando na SIC, o líder parlamentar dos socialistas disse que o voto a favor na sexta-feira, em comissão, foi apenas "condicional", na perspetiva de uma análise mais detalhada, que seria feita durante o fim de semana - e acabaria por conduzir à inversão do sentido de voto e chumbo da proposta.
Seja como for, o mal-estar está instalado entre o PS e o Bloco de Esquerda. As consequências para já não se antecipam - Catarina Martins ainda não disse nada publicamente. As despesas dos ataques aos socialistas ficaram por conta, na segunda-feira, da líder parlamentar em exercício do BE, Mariana Mortágua (Pedro Filipe Soares está de licença parental). Há no Bloco quem antecipe grandes problemas dentro da maioria de esquerda (BE+PCP de um lado, PS+governo do outro) caso o Bloco avance com um processo de revisão da lei de bases do Serviço Nacional de Saúde seguindo as sugestões estatizantes de João Semedo e do histórico socialista António Arnaut (pai do SNS).
Em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa vai observando. "Não me preocupa", disse ontem o Presidente da República, que voltou a manifestar-se convicto de que a legislatura chegará ao fim.