Chapéus. De São João da Madeira para a cabeça do Papa, de Indiana Jones e de Pessoa

A empresa são-joanense Fepsa é líder mundial na produção de feltros de pelo. Há encomendas de todo o mundo. Este adereço de vestuário também seguiu no dia 7 para Madrid para o Museu Rainha Sofia
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De Hollywood ao Vaticano, das passerelles das capitais da moda às cabeças de rabinos, de cowboys ou de membros de diferentes comunidades muçulmanas: de São João da Madeira saem chapéus para todo o mundo. Por estes dias, o adereço de vestuário tornou-se igualmente um embaixador de Portugal no Museu Rainha Sofia, em Madrid, onde desde o dia 7 deste mês até 7 de maio está patente a exposição dedicada a Fernando Pessoa.

Numa cooperação entre o Turismo de Portugal e a autarquia são-joanense, foram oferecidos ao museu da capital espanhola meia centena de réplicas dos chapéus de feltro usados pelo poeta. O fabrico ficou a cargo da Fepsa, empresa são-joanense que é líder mundial na produção de chapéus de feltro de pelo. A iniciativa teve sucesso e mais chapéus foram encomendados entretanto para satisfazer a procura dos visitantes do museu, refere ao DN Alexandra Alves, responsável pela unidade de Turismo da Câmara de São João da Madeira.

"O Turismo de Portugal propôs-nos uma oferta de 50 chapéus, réplicas dos de Fernando Pessoa, que foram oferecidos no dia da exposição. Suscitou tanto interesse que agora o museu encomendou mais e vai tê-los à venda para os seus visitantes", salienta a responsável pelo município, que em 2012 criou o Turismo Industrial, um projeto pioneiro.

"Não temos castelos nem praias, pelo que em 2012 a câmara criou um projeto-piloto, único no mundo, que permite visitas a nove fábricas do concelho, de diversos setores, e também aos museus da chapelaria, do calçado, bem como ao Núcleo de Arte da Oliva, com coleções de arte contemporânea", detalha Alexandra Alves.

"Temos o Welcome Center na Torre da Oliva, onde fazemos uma gestão centralizada de visitas a fábricas com monitores próprios. Desenvolvemos um projeto de turismo criativo, em que o visitante pode ter experiências únicas, como, por exemplo, confecionar um sapato. Na área do turismo, temos de associar o produto ao território e aqui temos vários produtos que são identitários para São João da Madeira: o chapéu, o calçado, os lápis, a colchoaria...", destaca.

Chapéus há muitos...

A Fepsa, que fabricou os feltros para os chapéus de Fernando Pessoa para a exposição do Museu Rainha Sofia, em Madrid, é uma das empresas que fazem parte deste roteiro do Turismo Industrial e um dos gigantes do setor secundário no concelho mais pequeno do país - São João da Madeira tem apenas oito quilómetros quadrados.

Criada em 1969 por um grupo de seis industriais, que decidiram juntar forças numa altura em que o setor da chapelaria estava em declínio, a empresa emprega hoje 300 pessoas, exporta 99% da sua produção e é líder mundial no setor de feltros de pelo para chapéus: produz 650 mil por ano, um terço da produção mundial.

"Nos feltros de lã, que produzimos cerca de 200 mil por ano, há fabricantes maiores do que nós, na China e na América Latina, porém, essa é uma matéria-prima de média gama. Os chapéus de alta gama são produzidos com pelo; têm um toque mais fino e propriedades melhores", refere ao DN Ricardo Figueiredo, administrador da Fepsa, explicando que são utilizados o pelo de coelho, da Europa, e de lebre, da Patagónia, aproveitando a pele destas espécies que são abatidas para alimentação humana, e também de castor, do Canadá.

Com mais de 29 mil produtos registados, a empresa produz matéria-prima para chapéus de cowboys norte-americanos ou do outback australiano ou camponeses andinos; faz modelos alternativos, como o kufi, branco, para o qual têm grandes encomendas anuais da Nigéria, o fez, vermelho, típico de Marrocos, ou até o típico adorno de rabinos ortodoxos. Fornece marcas de alta-costura como a Chanel, a Hermès ou a Prada, e também companhias aéreas como a Qatar Airways.

Os feltros da Fepsa já cobriram a cabeça de heróis de Hollywood, como a icónica personagem Indiana Jones, mas na lista de clientes ilustres há um recente que saltou para o topo.

"Um dos últimos pedidos especiais que tivemos foi de um cliente nosso, em Itália, que nos pediu um feltro de uma cor especial: um vermelho-romã exuberante. Era para oferecer ao Papa Francisco. Acho que não há cliente mais ilustre [risos]", revela Ricardo Figueiredo.

Todo este sucesso mundial decorre da visão estratégica daquela meia dúzia de industriais, que há quase meio século, com o mercado em retração no setor, se uniu e dotou a empresa de uma grande capacidade exportadora.

"Essa cooperação garantiu a sobrevivência da indústria aqui, tal como aconteceu em Espanha. Noutros países europeus (Inglaterra, Alemanha, França, Itália...), a consolidação deu-se pelo encerramento de fábricas e a indústria foi desaparecendo. Hoje, os nossos clientes são chapeleiros que deixaram de fabricar o seu próprio feltro: compram-nos a matéria-prima de que precisam e dedicam-se a fazer o acabamento e a venda dos chapéus", explica o administrador, salientando que "a Fepsa produz hoje mais unidades do que todas as empresas de São João da Madeira juntas na década de 1940".

Tudo começou em 1969, pela mão de seis empresários que, tal como escreveu Pessoa, tinham em si "todos os sonhos do mundo".

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