Centeno rejeita reestruturação da dívida. Não é por aqui que a geringonça cai

Ministro das Finanças quer cumprir objetivos inscritos nos dois documentos que a esquerda aprovou no Parlamento
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Meio ano depois, em que cada partido entrou à vez na Sala Tejo, no edifício novo do Parlamento, para serem despachadas as assinaturas das "posições conjuntas" entre PS, BE, PCP e PEV, os quatro partidos parecem apostados em garantir a vida da geringonça que nasceu periclitante, assinada de pé e em 20 minutos. "Sim, sim, é geringonça, mas funciona", atirou António Costa, no último debate quinzenal.

O ministro das Finanças, Mário Centeno, veio ontem afirmar que Portugal não acompanha a Grécia se esta pedir a reestruturação da dívida. "É altura de nos concentrarmos nas nossas obrigações, no contexto nacional - no Parlamento e com os portugueses e também na Europa", disse no final de uma reunião do Eurogrupo (ver pág. 28). E remeteu a sua posição para os dois documentos que foram aprovados pela esquerda no Parlamento.

"Temos um Programa de Estabilidade apresentado, que queremos cumprir, que vem na sequência daquilo que foram os objetivos que estabelecemos no Orçamento do Estado de 2016. O governo português sabe bem o rigor e a exigência do que tem de pôr na sua ação e é nesse caminho que queremos trilhar."

BE sem "traçar linhas vermelhas"

Este pode ser um pau na engrenagem da geringonça, mas poucos se atrevem a antecipar prognósticos sobre o tempo que esta solução se vai aguentar no trilho. O BE disse que já prepara o Orçamento do Estado para 2017 e Pedro Filipe Soares antecipou ontem pistas sobre as prioridades: criação de emprego, reforço de apoios sociais e "tirar a troika das relações laborais", nomeadamente atacando a precariedade, e defesa dos serviços públicos. E este é um tema, o da precariedade, que o PS discute hoje, na sua sede.

"Já estamos a pensar com esse horizonte de trabalho (OE 2017) para chegarmos lá, por um lado, com o trabalho de casa feito e, por outro lado, conseguindo ajudar o governo a aprofundar essa recuperação de rendimentos que é necessária", afirmou, sem estreitar o caminho para entendimentos com o executivo de António Costa.

"Traçar linhas vermelhas é algo que não queremos fazer. Não estamos num momento em que o Bloco ande a fazer ultimatos ao governo. Estamos disponíveis para fazer todo o aprofundamento das políticas que defendam os direitos das pessoas, dos seus rendimentos e da sua qualidade de vida. Não andamos num ultimato permanente, essa não é a nossa forma de estar", garantiu o líder da bancada do BE.

Solução "limitada e insuficiente"

Os comunistas apontam outras cautelas. Antecipando um debate sobre a saída do euro (texto ao lado), Vasco Cardoso, da comissão política do PCP, explicou que, "embora haja uma posição conjunta [com o PS] que trouxe medidas positivas para os portugueses", o acordo de esquerda "não substitui a necessidade de uma política alternativa".

O dirigente comunista admitiu que os debates promovidos pelo partido têm por objetivo "sublinhar" que a atual solução é ainda "limitada e insuficiente". O PCP quer mais e não se coíbe de pressionar o governo nesse sentido, acreditando que é possível convencê-lo. Vasco Cardoso disse que, nos três temas debatidos (nacionalização da banca, renegociação da dívida e saída do euro), o PCP "já esteve mais sozinho, em termos de outros partidos, mas também da própria sociedade".

Para o líder do PS, António Costa, trata-se de "uma solução governativa capaz de concretizar uma profunda mudança de política na perspetiva da legislatura, que termina em 2019". As reuniões entre socialistas e os outros partidos parlamentares que apoiam o governo têm-se concentrado nos "pontos de convergência" e não "de divergência". E estas divergências são assumidas: "A maioria de esquerda na Assembleia da República reconhece[-se] abertamente como plural e não ignora, não ilude e muito menos esconde as suas diferenças", admite Costa na sua moção ao Congresso.

É aqui que se colocam desafios ao governo, que põem toda a pressão nas esquerdas, defendeu ao DN o politólogo Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro, porque, "mais cedo ou mais tarde", "a pressão europeia colide com as linhas vermelhas que estão nos acordos".

"Há esse risco", notou Jalali, mas dependerá muito de que posições assumirão os próprios partidos "num cenário desses", nomeadamente se "aceitam algumas cedências à Europa perante o risco de queda do governo, de novas eleições e o regresso da austeridade" por outros partidos.

Como apontou o politólogo, "a dita geringonça tem provado ser mais resiliente do que se esperava quando os acordos foram assinados". Até nas obrigações que Mário Centeno subscreve.

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