Bom tempo, economia e velocidade explicam mais sinistralidade com motos

A legislação das 125 cc não é um fator determinante para o aumento significativo do número de vítimas, mortes e feridos em acidentes com motociclos, explica João Dias, investigador do Instituto Superior Técnico

Os números são claros a demonstrar que no ano passado registaram-se mais mortes e mais feridos em acidentes com motos. Até outubro, morreram nas estradas nacionais 82 pessoas, quando em igual período de 2016 tinham morrido 37, ou seja, já houve mais 45 vítimas mortais. Este aumento corresponde praticamente ao verificado no número de vítimas na sinistralidade em geral, que nos primeiros dez meses do ano registou mais 48 vítimas mortais (372 e 420, respetivamente em 2016 e 2017). O que explica este aumento da sinistralidade com motociclos, veículos cujas vendas aumentaram significativamente nos últimos anos?

"As condições atmosféricas, com muitos dias de sol em 2017, e logo mais quilómetros percorridos, e a melhoria da situação económica, sempre associada ao aumento de sinistralidade" são fatores que João Dias, investigador do Instituto Superior Técnico (IST), onde integra o Núcleo de Investigação de Acidentes, aponta como prováveis explicações para o aumento das vítimas nos motociclos. Este perito não tem dúvidas sobre outra causa - a velocidade, que surge associada à maioria dos acidentes estudados: "Há casos em que se registam velocidades de autoestrada em acidentes ocorridos em localidades." Por isso, "a fiscalização é um fator fundamental para a redução da sinistralidade com veículos de duas rodas".

Após os números terem sido conhecidos, entidades como o Automóvel Clube de Portugal ou dirigentes de escolas de condução apontaram a lei das 125 cc - que permite a condutores com mais de 25 anos, com carta de ligeiros, conduzir motos até à cilindrada de 125 cc - como o principal motivo. A Prevenção Rodoviária Portuguesa, pela voz do seu presidente, José Miguel Trigoso, mostra-se prudente na avaliação, lembrando que a lei é de 2009 e há um lapso de tempo grande.

João Dias também rejeita esta explicação: "Apesar de as vendas de motociclos com cilindrada inferior a 125 cc ter representado desde 2010 cerca de dois terços das vendas, a gravidade dos acidentes envolvendo este tipo de motociclos é muito inferior aos restantes." Lembra que os motociclos com mais de 125 cc apresentam tipicamente um índice de gravidade (mortes por cada cem acidentes com vítimas) "tipicamente três vezes superior". Além disso, verifica-se que, em 2016, 57 motociclistas morreram e 281 ficaram gravemente feridos, contra 42 mortes e 158 nos ciclomotores. Nos últimos anos, as vendas de motos de maior cilindrada têm registado um crescimento superior às de menor cilindrada até 125 cc. Até novembro venderam-se 9881 motos (+37%) e 13 984 (+24%) nos veículos até 125 cc.

"O grande problema associado à sinistralidade com motociclos chama-se velocidade. O mais importante é que o condutor perceba os riscos e as implicações da velocidade na ocorrência e consequência de um acidente. Particularmente para um tipo de veículo cujo condutor não está protegido por uma célula de sobrevivência como nos automóveis e, como tal, a probabilidade de ocorrência de lesões mais graves é muito mais elevada", aponta João Dias.

A idade dos condutores não é considerado um fator de risco. A média etária, desde 2010, das vítimas é 41 anos. "É um facto que, no passado, os motociclos eram utilizados sobretudo por jovens. Hoje não se verifica isso e cada vez mais condutores em idade mais avançada utilizam o motociclo, particularmente em zonas urbanas. Havendo mais condutores em idades mais avançadas a utilizar motociclos, é expectável um aumento da idade das vítimas. Não tem que ver com os condutores mais velhos correrem mais riscos, ou terem pior comportamento, tem que ver com a resistência do corpo humano ao impacto que vai diminuindo com a idade." Das 82 mortes envolvendo motos, até outubro, em 52 casos as vítimas tinham mais de 35 anos.

O professor do IST aponta uma recente tese de mestrado sobre o tema, de novembro de 2017, como uma boa análise. Kenny Cerejo dos Santos tornou-se mestre em Engenharia Mecânica com a dissertação sobre os acidentes com motos no período 2010-2105. O aumento do número de vítimas pode corresponder apenas a um maior número de viaturas de duas rodas em circulação. Isto porque, ao analisar o índice de gravidade (número de fatalidades num tipo de acidente de viação por cada cem vítimas desse tipo de acidente) para acidentes com vítimas de motociclos, verifica-se que " tem tido uma tendência decrescente", mesmo nos anos 2014 e 2015, em que já se registava um aumento de vítimas.

Mulheres mais seguras

No estudo, concluiu também que as mulheres são melhores a conduzir motos. "Existem estereótipos na nossa sociedade, por exemplo, que as mulheres não sabem conduzir. Se o condutor de um motociclo for uma mulher, existe uma redução de 50% na chance de sofrer lesões mais graves. Isto é o resultado de as mulheres serem mais cuidadosas e conduzirem com velocidades, em média, mais baixas."

Os despistes são o principal tipo de acidente na origem de ferimentos, lesões graves e mortes com motos. Entre 2010 a 2015, os despistes representaram 40,2% das mortes. João Dias nota que "os feridos leves estão subavaliados nas estatísticas, pois quando não existe outro veículo envolvido, as autoridades, por vezes, não têm conhecimento da ocorrência e este não é registado".

Há ainda questões relacionadas com a regulamentação. Na Suécia, por exemplo, uma moto é igual a um carro na estrada. Não pode ir pelo meio de uma fila de carros. Em Portugal isso acontece.

O investigador do IST aponta que é preciso mais formação e fiscalização, dado que "o risco, por quilómetro percorrido, é 12 vezes superior nas motos" em relação aos automóveis. "Os motociclistas têm de fazer um balanço do risco, compensando a inferior proteção do veículo com a circulação a velocidades mais baixas."-

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