"Autoridades australianas querem conhecer-nos mais e investir aqui"

No final de uma semana em visita à Austrália e à Nova Zelândia, o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro, faz um balanço muito positivo dos projetos em andamento

Quando pensamos em emigração, Austrália e Nova Zelândia não são destinos óbvios, mas há uma comunidade considerável. Porque decidiu ir lá e agora?

Estimamos que sejam cerca de 55 mil na Austrália e mais 1500 na Nova Zelândia. Quis fazer esta visita para cumprir uma série de compromissos estabelecidos quando lá estive pela primeira vez, em julho de 2017, quando percebi o imenso potencial, nomeadamente no reforço de condições institucionais de apoio social e económico à comunidade portuguesa, e por outro lado no desenvolvimento de outras condições relativas à cidadania dos portugueses na Austrália. Foram então feitos contactos com as instituições locais e com o movimento associativo mais tradicional para concretizar objetivos desenhados em 2017. E agora, em que pela primeira vez me desloquei também a Perth - que tem uma dimensão de 11 vezes a Grã-Bretanha -, além de Sidney e Melbourne, foi possível estabelecer uma série de acordos. Gostaria aqui de destacar o imenso trabalho do embaixador Paulo Cunha Alves e do cônsul geral de Sidney, Paulo Domingues, bem como o dos cônsules honorários, com destaque para o de Melbourne, que faz agora 92 anos e tem uma personalidade fantástica e uma belíssima relação com as autoridades dali.

Que áreas foram privilegiadas?

São acordos que se enquadram em vários níveis da administração pública e da iniciativa privada, incluindo dois, com os municípios de Inner West Council e Melbourne, que visam abrir as instalações dos municípios às iniciativas culturais, desportivas, recreativas e sociais das comunidades portuguesas, com o grande objetivo de, valorizando o movimento associativo convencional, fazer que venham mais ao encontro das instituições do país de acolhimento. Porque isso é indutor de uma cidadania mais qualificada e institucionalmente integrada.

Tradicionalmente, as comunidades isolam-se?

Há essa tendência de um relativo fechamento sobre as fronteiras originárias. Nós queremos abrir a esse diálogo e as instituições locais estão de braços abertos para as acolher, nomeadamente promovendo exposições, teatro, cinema, etc.

Qual o perfil das nossas comunidades na Austrália?

Temos já portugueses de segunda e terceira geração e uma percentagem muito alta desta comunidade, por força dos laços que filhos e netos constituíram ali, querem manter-se ligados a Portugal mas em termos sazonais. Muitos deles têm ainda uma relação profunda, até investimentos em Portugal, e admitem fazer períodos aqui e lá, manter-se vinculados a ambas as pátrias. Depois há uma nova geração que partiu nos últimos seis anos, muito ligada às tecnologias da comunicação e informação, à universidade, à investigação, até enquadrados por bolsas, ou jovens até aos 40 anos que já passaram por vários países e agora se sentem profissionalmente realizados ali. Muitos não têm a perspetiva de voltar, mas alguns começam a ver aqui sinais de que podem regressar. E há um fator decisivo para eles: a estabilidade e a durabilidade contratual.

O acordo que estabeleceu com a Nova Zelândia, relacionado com a mobilidade dos jovens, foi recebido com especial entusiasmo. Como funciona?

O Work on Hollidays é um programa de mobilidade juvenil (18-30 anos) que entrará em vigor a 30 de março. Os candidatos têm de estar atentos ao portal das comunidades, onde vão abrir as 50 vagas disponíveis e terão de se candidatar eletronicamente a esta espécie de visto com via verde com duração até um ano, que lhes permite ir estudar ou com propostas de trabalho - e o mesmo acontece com neozelandeses que queiram vir para cá , o programa tem este princípio de reciprocidade. Na Austrália já temos um acordo semelhante, com 200 vagas (desde 2014) e que estão esgotadas pelos portugueses, mas ainda não vão além dos 50 australianos. Agora, caso a procura suba em ambos os países, temos disponibilidade para aumentar as vagas. É um projeto interessante porque permite promover um espírito de maior compreensão do mundo, que já fizemos chegar também ao Chile, à Argentina, ao Japão e à Coreia do Sul.

Nesta visita à Austrália, estabeleceu contactos a vários níveis, incluindo junto dos municípios. O que justifica essa aproximação ao poder local?

Esta filosofia de acordos com municípios estrangeiros assenta muito na experiência que tivemos como autarcas, quer eu quer o primeiro-ministro, que me deixou mesmo essa referência quando fui a França, de que um autarca tem consciência plena de que é pelo poder local que os nossos imigrantes aqui conseguem boas condições de integração cívica, cultural, social, económica e até política. É aí que está a primeira porta de entrada, daí ser este o primeiro nível de acordos, em que foi possível chegar ao compromisso de financiamento de atividades promovidas pelas comunidades portuguesas, nomeadamente relacionadas com o ensino da língua e a proximidade da cultura portuguesa.

Quais foram os outros níveis de contacto?

No segundo nível, entrámos em contacto com os ministros estaduais responsáveis pelas políticas de multiculturalismo e quer em Sidney quer em Melbourne e encontrámos disponibilidade para financiar atividades portuguesas, nomeadamente nas comemorações do Dia de Portugal, bem como em festivais que façam a interação de políticas de juventude com alguns dos ideais do cosmopolitismo aberto ao mundo e integrado nas novas tendências das grandes cidades. São desafios de integração social, sustentabilidade energética e ambiental, qualificação do espaço publico e diálogo intergeracional e interracial, entre outros. E houve grande abertura destes ministros a participar em termos logísticos e de financiamento nas nossas atividades, nomeadamente numa iniciativa que propus, que passa pela realização de uma conferência em Melbourne para pôr em diálogo alguns dos nossos melhores arquitetos com alguns dos melhores australianos de diferentes gerações, para debater os grandes desafios das cidades.

Quando é que acontecerá?

Depende agora do diálogo que vai ser desenvolvido. Mas o Instituto Camões, cujo presidente esteve comigo, disponibilizou-se para participar nesta iniciativa apoiando e sendo parceiro da conferência. E verificamos boa abertura das autoridades estaduais, que também viram com bons olhos a integração no museu das migrações (existe ali um enorme museu dedicado a explicar como se construiu a Austrália do ponto de vista humano) de um espaço para a presença dos portugueses, que acontece sobretudo a seguir à II Guerra Mundial, mas que já tem laços constituídos.

De que género?

Desde o desenvolvimento social ao empreendedorismo nas empresas e na economia. Temos já grandes empresários na construção civil, no setor agroalimentar, na panificação, alguns dos maiores empresários do país. Mas também temos presença no turismo, nas tecnologias de informação e comunicação, nas energias renováveis, nas novas tecnologias. Nesse sentido, pedimos também que o museu abrisse portas a seminários, conferências, diálogos promovidos pelas conselheiras das comunidades portuguesas, duas jovens que muito têm surpreendido pela positiva.

Que outro tipo de iniciativas esteve em foco nesta viagem?

Houve um terceiro nível de trabalho, que passou pelo estabelecimento de um acordo com uma grande associação italiana (uma das maiores comunidades estrangeiras na Austrália, com cerca de 800 mil pessoas), a Comissão de Assistência Italiana. Trata-se de uma associação de desenvolvimento social que nos foi indicada, na minha primeira visita e em diálogo com as autoridades, como interessante para ajudar a dar resposta às nossas solicitações de apoio para as comunidades. Alertaram-me para o interesse em articularmo-nos com os italianos, que já tinham esta estrutura montada, nomeadamente ao nível do apoio domiciliário, da saúde, da enfermagem e medicina, dos cuidados de higiene pessoal e habitacional, mas também na promoção cultural. Ficou aberta essa porta na primeira visita e agora estabelecemos um acordo em que aquela associação e várias associações portuguesas serão parceiras na elaboração de candidaturas aos apoios dos estados australianos, b em como na execução dos projetos. Fundamentalmente, as instituições portuguesas fazem o levantamento das situações de necessidade e integram-nas nas respostas que existem. Estamos positivamente expectantes com resultado deste trabalho.

Houve outros pontos de interesse?

Sim, assistimos por exemplo à emergência de um novo movimento associativo virado para a igualdade de género e os direitos das mulheres, que visará trabalhar em questões de inserção profissional e condições remuneratórias das mulheres portuguesas na Austrália, além da sensibilização para a luta contra todas as formas de discriminação, incluindo a violência doméstica e um apoio mais expressivo no envelhecimento - com particular atenção a mulheres em situação de isolamento que careçam de acompanhamento maior. Também participámos na constituição da rede de investigadores portugueses da Austrália e da Nova Zelândia, que se prende com um conjunto de jovens investigadores ou professores universitários que temos, nomeadamente nas áreas das engenharias (civil, ambiental, mecânicas) mas também na Antrolopologia, na Sociologia, na História, porque temos profissionais integrados na investigação das culturas aborígenes, no modo como se foram adaptando e desenvolvendo.

Pudemos ainda participar e apoiar o surgimento de uma associação dos pais dos alunos de língua portuguesa e dos professores do Português que permitirá a organização de esforços que estavam dispersos, empreendidos por esses dois grupos, para garantir uma maior eficácia e eficiência e sob coordenação da Susana Teixeira Pinto (nossa coordenadora de ensino da Iíngua portuguesa), sob alçada do presidente do Instituto Camões, o embaixador Luís Faro Ramos, que acompanhou toda esta visita e desenvolveu um trabalho de grande proximidade que motivou muitos professores. Por outro lado, conseguimos abrir três espaços de leitura em instituições - e mais uma vez, o Instituto Camões disponibilizou uma série de coleções de infantojuvenil para fomentar a leitura -, fazendo aqui um apelo a pais e avós para que criassem clubes de leitura, de forma a ajudar a manter essa ligação à língua, e mostrando que a leitura é grande fonte de abertura ao mundo e à qualificação da sensibilidade. Por último, conseguimos que a escola de línguas de Victoria abrisse portas a uma experiência-piloto da aplicação Português + Perto (desenvolvida numa parceria do Instituto Camões com a Porto Editora), que permite a autoaprendizagem ou aprender com o acionamento de um tutor à distância, levando todos os conteúdos escolares a miúdos ou adultos que tenham perdido contacto com a língua.

E houve demonstrações de interesse?

Sim, encontrámos muitos australianos(as) casados(as) com portuguesas(es) que estão interessados em adquirir essas competências.

Que balanço faz desta visita?

Regresso com ideia de que temos uma comunidade muito bem integrada e inserida do ponto de vista cívico, económico e empresarial, e que tem a expectativa de lá poder ocorrer um 10 de Junho, com a presença do Presidente e do primeiro-ministro - é um pedido que trago de lá. E também com o sentimento de que as autoridades australianas estão muito bem informadas sobre a recuperação económica em Portugal e as condições de investimento que aqui existem, estão interessadas em conhecer-nos mais e em investir mais aqui.

Houve revelações claras de interesse?

Não quero alongar-me, porque não é minha área, mas sim, isso foi aunciado e muito brevemente haverá visitas de autoridades australianas, está previsto para daqui a semanas, e também de empresários sobretudo de áreas ligadas à regeneração urbana, ao património, ao turismo, às energias e às minas. Esse é um trabalho que tem sido feito pelo embaixador Cunha Alves em coordenação com a AICEP e mostra a atenção que nos dedicam em pontos tão distantes. São 46 mil km, foi a minha maior viagem!

E quais são os próximos desafios para manter a ligação a estas comunidades?

O primeiro passa pelos concursos para reforço de pessoal dos postos consulares neste ano. É prioridade definida pelo MNE, nomeadamente com o reforço em Camberra e Sidney já. Por outro lado, a definição de um novo cônsul honorário em Perth - o que estava pediu exoneração -, e ainda o reforço das permanências consulares, dada a dispersão do território. Participei no arranque da de Perth, que exige mais de 8 mil km (passa pela deslocação de funcionários com máquinas que permitem a recolha de dados para emitir passaportes e outros documentos, em determinados dias) e temos prevista a segunda já em junho, dada a procura nessa região e as necessidades que existem. Desejava ainda no próximo ano visitar outras comunidades na Austrália, a norte, nomeadamente Darwin e Adelaide. Há mais de dez anos que não ia um secretário de Estado das Comunidades a Perth e essa presença é significativa, nomeadamente na resposta das estruturas. Até lá, o objetivo passa sobretudo por garantir a monitorização destes acordos. E procurar continuar a sensibilizar e informar os portugueses para aproveitarem oportunidades abertas pelas autoridades - aqui não podemos ser nós a agir depende do espírito de iniciativa e capacidade dos próprios. Por fim, acompanhar, através do gabinete de apoio ao investidor da diáspora, as intenções muito claras que existem de portugueses empresários que querem investir aqui, acompanhá-los na definição de oportunidades de investimento.

Tem sido uma preocupação visível sua que estas pontes com as comunidades tenham dois sentidos.

Sim. Trabalhar bem esta relação da força das comunidades portuguesas na localidade de acolhimento mas também no religamento à região de origem constitui uma força cultural, económica, empresarial e política que não está devidamen te avaliada. Diariamente tenho conhecimento de investimentos em curso nos municípios portugueses e temos trabalhado nisso em conjunto com a AICEP. Potenciar o investimento da diáspora é uma linha de trabalho concreta também em termos de atração de investimento. Para vir para aqui ou para internacionalizar projetos. Disso são exemplos a Rota do Azeite, de Trás os Montes, que tem várias autarquias e produtores envolvidos e que estamos a apoiar na internacionalização para o Brasil; mas também outro projeto ligado a um elemento identitário nacional que é a Rota da Filigrana, que está a passar pelo gabinete de apoio ao investidor da diáspora na ligação com os emigrantes. E há interessados em levar essas produções para os países de acolhimento, o que mostra o potencial desta rede na internacionalização do país e na ligação do mundo com Portugal.

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