Autarquias. Novas competências só com autonomia para contratar
Os municípios exigem que a transferência de competências para as autarquias seja acompanhada de uma recuperação "em absoluto" da autonomia em termos de contratação de pessoal. A exigência consta do parecer que a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) leva hoje à aprovação do Conselho Geral - o órgão máximo entre congressos do organismo - e que avalia a proposta de lei sobre descentralização que o governo pôs em cima da mesa.
O documento, a que o DN teve acesso, foi aprovado no Conselho Diretivo da ANMP - estrutura que reúne autarcas do PS, do PSD e do PCP - e levanta várias dúvidas à proposta do executivo. Mais do que contestar o que está no diploma do governo, os autarcas querem resposta para o que lá não está .
A análise da ANMP é, por isso, não conclusiva, apontando para a necessidade de o executivo esclarecer várias questões que estão em aberto. Por exemplo, os recursos humanos que acompanharão o aumento de competências das autarquias. A garantia do governo de que serão transferidos os meios "necessários e suficientes" está longe de contentar os autarcas. "Torna-se essencial que os municípios recuperem a sua autonomia neste domínio", refere o parecer da ANMP. "Apesar da disponibilidade em receber os trabalhadores da administração central do Estado, até pelo conhecimento que possuem das áreas envolvidas, é determinante que se aproveite o ensejo para renovar os mapas de pessoal das autarquias locais em face das novas necessidades a prover", defende a Associação Nacional de Municípios.
A recuperação da liberdade de contratação de pessoal é uma exigência dos municípios que já leva anos. Há pouco mais de um mês, Manuel Machado, presidente da ANMP, dizia em entrevista ao DN que as autarquias precisam "rapidamente, urgentemente, de renovar os recursos humanos". "Para desempenhar novas funções precisamos de novos especialistas, de novos profissionais, e observamos que os que estão quer na administração pública central quer na local estão envelhecidos", disse então o também presidente da Câmara de Coimbra. Agora, a exigência fica expressa no parecer da ANMP como condição para a descentralização de competências: as autarquias não querem apenas receber os trabalhadores transferidos da administração central, querem também poder contratar novos funcionários. Os municípios vivem, atualmente, sob vários condicionalismos na contratação de novos quadros, nomeadamente sob a condicionante de não poderem aumentar as despesas com pessoal.
Transferência mais rápida
Sobre o documento em concreto apresentado pelo governo, há um outro ponto em que a posição da ANMP é taxativa - os autarcas não querem que a implementação das medidas de descentralização se prolongue até 2021, como pretende o executivo - é um "prazo muito dilatado", que "deve ser encurtado", conclui o documento.
Nas várias áreas setoriais a posição assumida pela Associação de Municípios é, em geral, a de que é necessária mais informação. Mas há uma em particular que os municípios dizem estar muito aquém do que seria desejável - a ação social. "Sendo uma área muito importante para as pessoas, e daí a sua relevância também para os municípios, as competências a transferir deveriam ter outra amplitude", reclama a ANMP.
As propostas do governo
A proposta de lei que o governo levou às negociações com a ANMP define a transferência de competências ainda de uma forma geral, remetendo para futuros diplomas setoriais a concretização das medidas - e a respetiva transferência de recursos e de dinheiro. Por agora o executivo fala apenas nos "meios necessários e suficientes" para o cumprimento das competências transferidas, estabelecendo que para o "período de 2018 a 2021 serão previstas normas específicas no Orçamento do Estado sobre o financiamento das novas competências a descentralizar". Ao que o DN apurou esta foi uma das questões que levantou mais reservas aos autarcas, que querem ver alterada a Lei das Finanças Locais, recusando transferências casuísticas em cada Orçamento do Estado. O que fica, aliás, expresso no parecer, com a ANMP a pedir "regras mais consolidadas, desde logo em sede do regime financeiro das autarquias locais".
Entre as áreas que terão competências diferidas para as autarquias conta-se a educação, a saúde, ação social, transportes, cultura, habitação, proteção civil, segurança pública e gestão de áreas portuárias e marítimas (gestão das praias e da náutica de recreio), assim como a fiscalização do estacionamento. O preâmbulo do diploma também fala na transferência de competências ao nível das finanças, mas sem qualquer tradução no articulado da proposta de lei.
A defesa do consumidor, a saúde animal ou os jogos de fortuna e azar são outras matérias que deverão passar para a alçada da autarquia. O diploma diz, por exemplo, que "é da competência dos órgãos municipais o exercício de poderes de autoridade na área da segurança alimentar". Também passa a ser responsabilidade municipal o exercício de "poderes de autoridade na área da saúde animal".
O diploma prevê que passe para as autarquias a gestão dos bens móveis e imóveis afetos a áreas cujas competências sejam transferidas para os municípios - que, por sua vez, perguntam no parecer porque razão não passa para as autarquias a propriedade plena desses bens. Sob gestão autárquica ficará também o património devoluto do Estado. Ainda neste capítulo são transferidas competências em matéria de avaliação e reavaliação de imóveis, embora o diploma não explicite em que termos. Na habitação, passam para a esfera municipal os imóveis que integram o parque habitacional do Estado.
CCDR gerem fundos europeus
Outro diploma do governo que foi posto à consideração dos autarcas foi o das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, que passarão a ter um presidente eleito pelas câmaras e assembleias municipais da região. A estes organismos caberá a aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento, "nomeadamente o Acordo de Parceria Portugal 2020" - a grande fonte de fundos europeus que chegarão a Portugal nos próximos anos. Ou seja, grande parte dos fundos europeus. Este é outro foco de acesas críticas por parte dos autarcas já que , apesar de ser eleito a nível municipal, o presidente das CCDR continuará a responder ao governo.