Aumentos de salários dos reguladores não podem ser retroativos
A lei é clara: a administração de uma entidade reguladora não pode ter retroativos nos seus salários. E foi isso que aconteceu com o conselho de administração da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), cujos administradores viram o seu salário aumentado em mais de 150%, em outubro último, com efeitos retroativos a julho de 2015.
O vencimento, determina a lei, é fixado pela Comissão de Vencimentos, mas essa fixação "não tem efeitos retroativos nem deve ser alterada no curso do mandato". Do governo, a reação foi minimalista. Ao DN, fonte do Ministério do Planeamento e Infraestruturas disse que o gabinete de Pedro Marques foi apanhado de surpresa com a notícia do JN. "Fomos surpreendidos com isto e estamos a analisar" a matéria, explicou João Fernandes.
Ao que o DN apurou, a Comissão de Vencimentos não autorizou que fossem pagos retroativos. Apenas se limitou, no âmbito das suas competências, a definir os salários dos administradores, numa reunião realizada em final de outubro, depois das eleições legislativas.
A iniciativa de serem pagos os retroativos a julho (quatro meses de salários) terá partido da administração, como se infere da resposta que a ANAC enviou ao DN: "Até à tomada de decisão da Comissão de Vencimentos não foram processados os vencimentos do conselho de administração. A partir do momento em que as mesmas foram conhecidas, a situação foi regularizada."
Regularizar "a situação" significou aumentar os salários de 6 030,20 euros de Luís Miguel Ribeiro (o presidente) para 16 075,55; de 5 498,65 euros para 14 468,20 no caso de Seruca Salgado (vice-presidente); e de 5141,70 euros para 12 860,62 na folha de vencimentos de Lígia Fonseca, vogal da administração.
A explicação dada pela ANAC parece querer contornar a proibição legal de serem pagos retroativos, uma vez que os seus administradores estiveram sem receber até à decisão da Comissão de Vencimento.
Mas o ato pode ser considerado nulo, segundo o Código de Processo Administrativo, que define (no seu artigo 161.º) que são nulos "os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei".
A ANAC tem estatuto de entidade reguladora, facto que lhe atribui um estatuto de independência reforçado em relação ao antigo INAC (Instituto Nacional de Aviação Civil). "Uma delas é os administradores nomeados por seis anos, findo os quais têm de sair obrigatoriamente, serem quase inamovíveis", explicou fonte que acompanhou o processo, "e terem de passar pelo crivo da Assembleia da República, embora sem parecer vinculativo". Estão previstas, no entanto, na lei algumas situações, que podem ser exonerados antes do final de mandato, como a existência de "condenações", "renúncia", "dissolução do conselho de administração" por resolução do Conselho de Ministros, entre outros.
Os nomes indicados pelo anterior governo mereceram muitas reservas da Assembleia da República, mais precisamente da Comissão de Economia e Obras Públicas, que apreciou os currículos. A principal inquietação tinha que ver com o facto de Luís Ribeiro e Seruca Salgado serem quadros da ANA - Aeroportos de Portugal, organismo que é fiscalizado pela ANAC. E Ribeiro também pertencia aos quadros da Portway e foi nomeado num momento em que a ANAC seria chamada a pronunciar-se sobre a venda da TAP ao consórcio Gateway.
Já a vogal Lígia Fonseca transitou do gabinete do ex-secretário de Estado dos Transportes Sérgio Monteiro para o ainda INAC, em 2014, e foi reconduzida por este governante para a ANAC sem passar pelo crivo da Comissão de Recrutamento (Cresap).
Em relação a Luís Ribeiro e a Seruca Salgado, a ANAC alega que só receberam os salários com retroativos a julho desde outubro. No caso da vogal, diz o gabinete de imprensa da autoridade que "não foram processados vencimentos" nestas novas funções.
O PS quer ouvir no Parlamento, com carácter de urgência, os "principais agentes que tiveram um papel ativo em todo o processo que conduziu à nomeação do atual conselho de administração da ANAC". Também o CDS manifestou idêntica intenção.