Ao terceiro dia Teodoro Obiang pode ir a Fátima

Presidente da República e primeiro-ministro falaram, pela primeira vez, abertamente sobre a Guiné Equatorial para dizerem que estão satisfeitos com os progressos feitos.
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Sim, na Guiné Equatorial a pena de morte ainda não faz parte da história. Sim, na Guiné Equatorial ainda não se fala, nem tão pouco se ensina o português desde a primária. E sim, só agora, mais de dois anos depois é que a Guiné Equatorial concluiu a ratificação dos estatutos da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Nada que retire o otimismo ao Presidente da República com os progressos neste país, liderado há 37 anos por Teodoro Obiang. Desta vez foi Marcelo Rebelo de Sousa que puxou o assunto na conferência de imprensa final da XI Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da CPLP.

O Presidente prefere destacar o caminho que foi feito até agora, por curto que possa parecer, e afirma, sem medo, que "ao contrário do que muitos temiam", que se chegasse a esta cimeira sem que a Guiné Equatorial tivesse condições de vir ser membro de pleno direito da CPLP, para Marcelo "foram dados passos para que isso fosse possível" Será que chega? A Guiné Equatorial entrou para a Comunidade de Países de Língua Portuguesa em 2014, na cimeira de Dili. Aos jornalistas Marcelo Rebelo de Sousa faz questão de, por duas vezes, deixar claro que nem ele era Presidente da República na altura (era Cavaco Silva), nem António Costa era primeiro-ministro (era Passos Coelho), o que nas entrelinhas dá a entender que Marcelo nunca concordou com a inclusão da Guiné Equatorial na CPLP.

Seja como for, Obiang recebeu, à época, um caderno de encargos que tinha três condições essenciais: ratificar os estatutos da CPLP, introduzir o português como língua oficial e abolir de vez a pena de morte. Mais de dois anos depois, os avanços, que deixam o Presidente da República otimista, estão bem espelhados na resolução final da cimeira de Brasília. Só agora, muito recentemente é que a Guiné Equatorial ratificou os estatutos da CPLP. A adoção plena do português resume-se a uns programas de rádio e televisão e à introdução da língua em alguns centros educativos. E, quanto à pena de morte, foi criada uma moratória que "impede juridicamente a aplicação desta pena", explica, o também jurista, Marcelo Rebelo de Sousa.

O que falta então? "Converter essa moratória em abolição", reconhece o Presidente. Ou seja, que falta tornar definitivo a abolição da pensa de morte. É isso que explica que Obiang tenha ido ao Brasil pedir aos restantes países da CPLP apoio técnico à harmonização legislativa interna. Desta vez é António Costa quem explica que "quando se elimina uma pena não basta dizer que esta pena desaparece, é preciso encontrar uma nova pena" e é esse o apoio técnico que vai ser prestado à Guiné Equatorial. O primeiro-ministro faz, no entanto, questão de lembrar que "esta é uma questão central. Os valores desta comunidade não consentem a pena de morte".

Otimismos diferentes

O entusiasmo demonstrado pelo Presidente da República e pelo primeiro-ministro na conferência de imprensa, não foi tão óbvio na conversa que o ministro dos Negócios Estrangeiros teve com os jornalistas. Augusto Santos Silva, que também fez questão de dizer que tinha ido confirmar ao acordo de Dili "e não encontrei lá nem a minha assinatura nem a do atual primeiro-ministro", refere-se aos progressos da Guiné Equatorial de forma mais prudente. Santos Silva lembra que a posição de Portugal é clara: "Ninguém pode pertencer à CPLP se não abolir a pena de morte" e isso "tem que ser feito já, sob pena de a presença da Guiné Equatorial nesta comunidade poder ser considerada ilegítima".

Se em relação à pena de morte estamos conversados, em relação à introdução do português, Augusto Santos Silva não parece muito satisfeito com a velocidade a que o Governo de Obiang está a avançar. O ministro diz que Portugal "tem toda a disponibilidade para ajudar a Guiné Equatorial" e que até já ofereceu "ajuda técnica e apresentou propostas. Aguardamos resposta".

Obiang em Fátima?

As declarações do Presidente e do primeiro-ministro no final da cimeira da CPLP podiam ser um suspiro de alívio, não fosse a esquizofrenia de declarações da delegação portuguesa sobre o tema da Guiné Equatorial nos últimos três dias. Houve de tudo: o politicamente correto, o incómodo, o silêncio, a crítica velada, o sacudir de responsabilidades e, finalmente, o otimismo. A cereja no topo do bolo veio no final. António Costa decidiu usar de ironia, na conferência de imprensa, para brincar com o facto de os jornalistas portugueses estarem permanentemente a fazer perguntas sobre a Guiné Equatorial. "Havia uma certa ideia em Portugal que a Guiné era o país da CPLP com quem tínhamos menor proximidade, mas vejo, pelo interesse da comunicação social, que essa proximidade é muito maior do que eu imaginava", brincou o Primeiro-ministro, depois da última pergunta relacionada com a Guiné.

E a última pergunta tinha a ver com Fátima. Se na cimeira Ibero-Americana Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa fizeram vários convites a vários chefes de Estado para visitarem Fátima no próximo ano, a propósito do Centenário das Aparições, a pergunta na cimeira da CPLP fazia igualmente sentido. Convidou Portugal Teodoro Obiang para estar em Fátima em 2017? Sobretudo, sabendo-se que o próprio já demonstrou, várias vezes, interesse em lá ir? Marcelo Rebelo de Sousa assumiu as despesas da resposta, não para responder diretamente à pergunta, mas para garantir que "Portugal não fecha as portas a nenhum chefe de Estado" e que, naturalmente estariam em Fátima todos aqueles que o desejassem, incluindo Obiang.

Livre circulação recebe aplauso

O otimismo do Presidente da República no final desta cimeira da CPLP não teve a ver apenas com os avanços da Guiné Equatorial. Marcelo e António Costa gostaram de ouvir o aplauso geral da sala quando o Primeiro-ministro apresentou a proposta de livre circulação no espaço da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. A ideia é avançar com vistos de residência, uma espécie de vistos Gold, onde a única condição para a atribuição desses vistos é pertencer-se a um dos nove países da CPLP. Implementar o reconhecimento de diplomas em todo o espaço da comunidade e permitir a portabilidade de direitos sociais, nomeadamente dos descontos para a segurança social. António Costa definiu como objetivo que estas três metas estejam em execução nos próximos dois anos e, para isso, vão começar os trabalhos técnicos já a partir de Janeiro. Mas o Ministro dos Negócios Estrangeiros acrescenta que "se em dois anos não for possível implementar estas medidas, Portugal, que é o próximo país a presidir à CPLP, fará disto prioridade". Augusto Santos Silva explica que, no caso dos vistos de residência não há qualquer conflito com o facto de Portugal pertencer ao espaço Shengen, já que cada estado membro tem autonomia para definir as regras que entender, "caso contrário os vistos Gold não poderiam existir". O ministro lembra, no entanto, que estas medidas só fazem sentido "se houver reciprocidade por parte de todos os membros da CPLP".

Em Brasília

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