"A reavaliação do Sistema de Segurança Interna é uma necessidade"

Nelson Lourenço, catedrático da Universidade Nova, presidente do Grupo de Reflexão Estratégica de Segurança (GRES), defende mudanças na organização do Sistema de Segurança Interna

Este ano o atual Sistema de Segurança Interna (SSI ) completa 10 anos. Que aspetos positivos destaca?

Saliento quatro aspetos positivos importantes: foi adotada uma abordagem sistémica da Segurança Interna, onde as partes não podem ser dissociadas do todo; foi criado o cargo do Secretário-geral do SSI, como órgão de coordenação das Forças e Serviços de Segurança (FSS); foram clarificadas competências, criadas novas capacidades e autonomizadas outras, com um impacto positivo na racionalização de recursos e adequação às exigências de segurança, tendo em vista melhorar a eficácia e eficiência das FSS; criaram-se condições para uma melhor interoperabilidade entre as FSS, através e mecanismos de cooperação importantes, como a Plataforma para o Intercâmbio de Informação Criminal (PIIC), o Ponto Único de Contacto para a Cooperação Policial Internacional e a melhoria da operacionalização da Unidade de Coordenação Antiterrorismo (UCAT), entre outros.

Há críticas à real falta de autoridade do chamado "superpolícia"...

Há que ter presente que a reforma de 2008 foi decorrente de uma vontade política de melhoria do sistema e não resultante de uma qualquer situação de exceção que a tenha motivado. Foi, por isso, necessário ultrapassar naturais resistências de ordem corporativa, ou cimentadas nas fortes culturas organizacionais das FSS, para operacionalizar o modelo então proposto. O nível de ambição foi aqui mais ousado. Não obstante as alterações produzidas terem sido importantes não abrangeram os paradigmas em que assenta o nosso SSI, nomeadamente em domínios que perpetuam uma eficácia que continua discutível. Refiro-me a questões como a das dependências de várias tutelas políticas, das competências reservadas, da sacralização do princípio da responsabilidade territorial, da duplicação de competências, que no seu conjunto produzem rivalidades e constituem fatores de entropia para o SSI.

O que deve ser alterado e melhorado?

O ambiente de segurança nestes 10 anos tem vindo a sofrer mudanças, ressaltando para o primeiro plano as questões da ameaça terrorista e do tráfico de migrantes, a que acresce o crescimento exponencial das questões da cibersegurança, abrindo novos capítulos para os quais os instrumentos existentes parecem já não dar uma resposta adequada. Consequentemente, há que ter presente que a transformação do SSI deverá ser um processo contínuo, devendo manter-se um permanente exercício de reequacionar e reavaliar a sua adequação ao atual ambiente de segurança, cuja natureza é global e em que a incerteza e as mudanças são muito rápidas e intensas. Já em 2015 o GRESI propôs a tutela política única das FSS, o conferir autoridade efetiva ao Secretário Geral da Segurança Interna e a revisão dos processos que reconhecidamente criam entropias no SSI, acompanhado da eliminação de duplicações e redundância de competências entre as FSS.

Mas Portugal, com o atual Sistema, é o terceiro país mais seguro do planeta (segundo os últimos dados do Índice de Paz Global)...Não é um risco mudar uma coisa que aparentemente funciona?

Portugal já era um país seguro aquando das alterações em análise e não parece ser boa prática fazer alterações ao sistema apenas na sequência de fatores disruptivos, ou pela pressão dos acontecimentos.
Note-se que as tensões a que o sistema tem sido submetido se têm circunscrito a emergências de natureza ambiental, onde a questão dos fogos florestais é exemplo paradigmático. Aliás, o subsistema de proteção civil está presentemente em processo de transformação e mesmo de alteração de paradigmas, na sequência dos trágicos eventos ocorridos na região centro durante o ano transato. Considero, assim, que não parece sensato condicionar as reformas do SSI à ocorrência de eventos traumáticos, pelo contrário, impõe-se, neste mundo de incertezas, uma visão prospectiva que prepare o Sistema para o futuro imediato. Com o ritmo de mudança que se tem verificado no ambiente de segurança, a reavaliação do SSI, não apenas nos domínios da eficácia, mas sobretudo nos da eficiência é hoje, mais do que uma recomendação, uma necessidade. Aliás, tal como o GRES propôs fundamentadamente em 2015.

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