1637 pediram nacionalidade, mas apenas quatro pessoas a viram reconhecida
O Instituto de Registos e Notariado (IRN) recebeu 1637 pedidos de reconhecimento de cidadania portuguesa originária, a maioria de estrangeiros netos de cidadãos nacionais. Os requerimentos deram entrada nos últimos seis meses, desde que o regulamento para estes processos entrou em vigor, tendo sido até agora deferidos apenas quatro casos, segundo fonte oficial do Ministério da Justiça (MJ). Um deles, conforme o DN já noticiou, é o de Raul Schmidt, perseguido pelas autoridades brasileiras da operação Lava-Jato, que pediram a Portugal a sua extradição.
De acordo com os dados do gabinete da ministra Francisca van Dunem, já foram analisados 248 processos e apenas aqueles quatro (três dos quais brasileiros) "obtiveram decisão favorável".
Dos requerimentos, apenas 25% (cerca de 400) são de pessoas que já têm a nacionalidade portuguesa, por naturalização. Há 1237 que são estrangeiros, sendo a maioria dos pedidos, assinala o MJ, de pessoas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Para este reconhecimento ser averbado na respetiva certidão de nascimento têm de pagar uma taxa de 175 euros, mas este estatuto beneficia também o cônjuge e os filhos.
Segundo a legislação, a nacionalidade portuguesa originária pode ser atribuída a netos de portugueses nascidos no estrangeiro que, entre outros requisitos, tenham "laços de efetiva ligação à comunidade nacional".
Há ainda outras condições cumulativas: declararem que querem ser portugueses; não tenham sido condenados, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos; inscrevam o seu nascimento no registo civil português.
Para provar a "efetiva ligação à comunidade nacional", terão de demonstrar ou que residem em Portugal, ou que aqui se deslocam regularmente, ou até que estão ligados a uma comunidade histórica no estrangeiro e participam na vida cultural e recreativa da comunidade.
A notícia do DN do passado dia 13 de janeiro, segundo a qual o IRN tinha reconhecido a cidadania originária a Raul Schmidt, nascido no Brasil, neto de portugueses e que tinha obtido a cidadania "derivada" (por naturalização) desde 2011, provocou uma onda de protestos entre muitos requerentes que estão a aguardar resposta.
Schmidt tem um processo de extradição pendente, para responder no Brasil pelo crimes de corrupção e branqueamento de capitais e organização criminosa, que a ministra da Justiça tinha autorizado. A sua defesa recorreu e pediu "urgência" na concessão da cidadania originária, para impedir que fosse deportado e fosse julgado em Portugal. Com este reconhecimento, a ministra da Justiça está a reavaliar o processo.
Numa página de Facebook designada Forum Cidadania Portuguesa são inúmeras as reclamações e acusações de "favorecimento" a Raul Schmidt, por ter sido atendido em "tempo recorde".
O advogado Maurício Gonçalves, que está a tratar de muitas destas ocorrências (cerca de duas centenas de clientes brasileiros), admite que está "chocado" com o caso de Raul Schmidt. "Acho estranho que tendo eu centenas de processos pendentes, que nenhum deles tenha sido sequer ainda numerado pelo IRN - o que demonstra a demora - e que não me seja dada qualquer informação", declara.
Contactado pelo DN, o advogado de Raul Schmidt nega qualquer "tratamento especial". "Simplesmente, tendo em conta o risco da extradição, pedimos urgência na resposta. Raul Schmidt já é português desde 2011, é neto de portugueses e cumpre todos os requisitos legais", explica Pedro Delille. O Ministério da Justiça, que analisa os requerimentos por ordem de chegada, confirma que o pedido deu entrada a 11 de julho de 2017 e que foi solicitada "urgência na análise do processo" no dia 13 de outubro. Esse pedido de urgência, afiança o MJ, "foi deferido em 27/11/2017" com "fundamento na circunstância, invocada pelo requerente, de que o tempo da tramitação processual poderia causar prejuízos irreparáveis uma vez que, na perspetiva do requerente, a aquisição da nacionalidade originária afastaria a possibilidade de extradição".