118 anos de rendas congeladas

Foi a Primeira República que iniciou o condicionamento do valor das rendas contratadas por senhorios privados que dura até hoje. As leis incluíram a obrigatoriedade de arrendar imóveis devolutos e a proibição de despejos, mesmo quando o senhorio precisava da casa para si.

O primeiro congelamento de rendas ocorreu logo após a proclamação da República, em novembro de 1910: as rendas foram congeladas por um ano, e o prazo fixado pelo Código Civil de 1867 para o aviso da denúncia do contrato pelo senhorio aumentado. Quatro anos depois, deflagra a Primeira Guerra e todas as rendas, de contratos novos e antigos, são congeladas, excecionando-se apenas "as de montante elevado". Os proprietários de imóveis são obrigados a arrendá-los se devolutos. Em 1917, invocando de novo o "estado de guerra", volta a modificar-se a lei, desta feita proibindo expressamente "aos senhorios ou sublocadores [...] intentarem ações de despejo que se fundem em não convir-lhes a continuação do arrendamento, seja qual for o quantitativo das rendas."

Em 1918 e 1919 a legislação é de novo mexida; sê-lo-á subsequentemente mais de 100 vezes, mantendo-se o congelamento. Em 1922, em atenção à grande desvalorização da moeda, permite-se aumentar as rendas em relação com o valor matricial do locado. Mas a maioria das matrizes está muito desatualizada; faz pouca diferença. Em 1924 mantêm-se restrições nos despejos mas possibilitam-se atualizações dos valores matriciais e das rendas. Esta atualização também não surtirá grande efeito, já que em março de 1928 institui-se uma nova fórmula com base no valor matricial, decretando-se que as rendas de locados que vaguem são livremente decididas (o que até então não sucedia: o valor tinha de ser igual ao do contrato que expirara), assim como as de arrendatários com outra habitação e que subaproveitassem o local; os respetivos contratos podem ser cessados por conveniência do senhorio. Em 1948 descongelam-se as rendas fora de Lisboa e Porto, permitindo-se atualização, escalonadamente, até ao duodécimo do valor matricial. O congelamento nas duas cidades mantém-se no novo Código Civil de 1966, que restringe a denúncia "por conveniência do senhorio" mas permite-lhe fixar livremente a renda de início ou num novo contrato.

Chega o 25 de Abril e ocorre nova vaga de congelamento: é alargada a todo o país, logo em 1974, a suspensão de avaliações fiscais para atualização do valor matricial, que só vigorava em Lisboa e Porto. Sob pena de crime, são fixados valores máximos para rendas de prédios antigos; volta o dever de arrendar. Seguem-se muitos outros decretos, que mudam pouco esta situação, até que em 1985 se permite, de acordo com coeficientes baseados no estado do locado e na data da última atualização, a correção extraordinária de rendas fixadas até 1980, com subsídios para inquilinos sem capacidade. Mas as correções incidem em bases muito baixas e as rendas sobem pouco. 10 anos depois, com a justificação de tornar mais atrativo o arrendamento, o governo Cavaco acaba com a obrigatoriedade de contratos vitalícios, liberalizando o mercado - mas só para os novos arrendamentos. Os anteriores a 1990 mantêm-se com rendas congeladas - até hoje.

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