O painel Tecnologias Emergentes. Da esquerda para a dta: Margarida Vaqueiro Lopes (DN), João Gabriel Silva (professor na Universidade de Coimbra e presidente do Instituto Pedro Nunes), Nuno Dias (managing partner da Timestamp), Valery Krasowsky (CEO da Sigma Software Group), Gregory Flippes, diretor comercial da EID).
O painel Tecnologias Emergentes. Da esquerda para a dta: Margarida Vaqueiro Lopes (DN), João Gabriel Silva (professor na Universidade de Coimbra e presidente do Instituto Pedro Nunes), Nuno Dias (managing partner da Timestamp), Valery Krasowsky (CEO da Sigma Software Group), Gregory Flippes, diretor comercial da EID).Leonardo Negrão

"Temos empresas capaz de moldar a guerra do futuro". Mas há que criar condições de maior colaboração

Painel Tecnologias Emergentes na Defesa, na Conferência Defesa Nacional - Nova Ordem Mundial, do DN, debateu como Forças Armadas, startups e universidades se podem e devem coordenar.
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Numa altura em que a indústria da Defesa na Europa foi capaz de levantar 5,2 mil milhões de Euros de investimento para startups, como lembrou na conferência Defesa Nacional - Nova Ordem Mundial, a editora executiva do DN Margarida Vaqueiro Lopes, está Portugal em condições de aproveitar este interesse e necessidade industrial?

O tema esteve em debate no painel Tecnologias Emergentes na Defesa e a resposta dos intervenientes foi unânime: sim. Aliás, já o está a ser feito. No entanto, é necessário maior coordenação entre Forças Armadas, empresas (grandes, pequenas, startups...) e universidades para potenciar as capacidades já implementadas.

Até porque, ao contrário do que "acontecia há alguns anos, a dissociação entre as Universidades e o tecido económico já não existe hoje em dia", garantiu João Gabriel Silva, professor na Universidade de Coimbra e presidente do Instituto Pedro Nunes, instituição privada sem fins lucrativos criada naquela universidade para promover promover a inovação e a transferência de tecnologia entre o meio científico e tecnológico e o tecido empresarial.

"Há pessoas que se dedicam a investigação, mas são muitas as que se dedicam a investigação aplicada, e a Defesa é um setor que é um exemplo perfeito disso", afirmou na sua intervenção no debate que decorre na Academia Militar, na Amadora.

Isto porque, lembra este especialista, a inovação por norma "tem aplicabilidade na Defesa". Como o demonstrou a guerra na Ucrânia.

"A guerra na Ucrânia fez alterar a tecnologia da guerra. A tecnologia que se utiliza atualmente é muito diferente daquela que se usava antes do início da guerra", lembra. "Os drones não se utilizavam antes do início daquela guerra e hoje são completamente dominantes."

Isto leva inclusivamente que as empresas que colaboram nestes cenários tiveram mesmo de se adaptar a ciclos de atualização que eram impensáveis, "de cerca de duas semanas". É que "se não o drone já não funciona, porque entretanto já há sistemas anti-drone do outro lado."

"Todo o sistema de aprovisionamento tem de ser alterado". Mas nada que as empresas portuguesas não tenham sido capazes de se adaptar.

E como "estamos felizmente mais longe dos russos, temos mais tempo para desenvolver outros sistemas. "Nós temos um conjunto pequeno de empresas capaz de moldar a guerra do futuro", diz João Gabriel Silva.

Até porque os sistemas de guerra estão "a evoluir no sentido dos sistemas autónomos, drones com capacidade de navegação, capazes de fazer a identificação do alvo de para fazer o ataque...".

Então o que falta? "As Forças Armadas têm a responsabilidade de criar o ambiente industrial que as complemente. Uma das coisas que devem começar a fazer é encontrar no país nichos industriais que tenham uma contribuição relevante na guerra da Ucrânia", complementa este especialista.

Esta ideia de as Forças Armadas tomarem as rédeas do que necessitam do ponto de vista industrial é refletida por Nuno Dias, managing partner da Timestamp.

"Da parte política tem de existir agilização da parte da contratação pública", diz este responsável da empresa portuguesa multinacional da área de cibersegurança. "Num mundo muito aberto existe a possibilidade de entrar no mercado coisas que não são desejadas... E se há coisas que o mundo nos últimos tempos demonstram é que os aliados, com o tempo mudam. Por uma questão de proteção de soberania deve-se voltar um bocado às bases e fazer no país."

De resto, Nuno Dias concorda que Portugal tem a expertise para inovar o que necessita, à partida. Só teme que nos falte escala.

"As academias portuguesas forma, um número relativamente reduzido de pessoas... A Índia forma milhares de pessoas por ano. Isto é um problema histórico nosso", lembra, reconhecendo no entanto que "para as nossas dimensões reduzidas, fazemos muito".

Mas, por outro lado, diz, "temos uma característica portuguesa, que nos acompanha há muito tempo: somos muito bem aceites em quase todas as geografias". Pelo que "o que nos pode faltar em escala -- e continua a haver uma grande percentagem das pessoas que formamos que vão para fora, porque vão ganhar mais na Suíça ou na Alemanha -- podemos trazer dessas geografias."

Quanto às várias ameaças que a nível digital que o mundo atualmente atravessa, Nuno Dias dá o exemplo do harvesting dos cabos submarinos, em que agentes maliciosos interceptam dados "em bruto", mesmo encriptados, que irão depois tentar descodificar depois, nomeadamente esperando pelas emergentes tecnologias da computação quântica.

"Ora nós hoje já estamos a conseguir encriptar ao nível quântico de forma a que quem intercepte só capta ruído", garante.

Outro das tecnologias a apostar e "o verdadeiro dual", diz. Ou seja: "Um chip que dê para uma aplicação civil mas que também dê para um carro de combate". A que nível? De segurança de informação. Porque, afinal, "Para eu garantir a soberania tenho de garantir aquilo que é também o espaço virtual, aquilo que é a informação".

Pela colaboração e criação de hubs

Quem colocou todo o enfoque na troca de informações foi o ucraniano Valery Krasowsky, CEO Sigma Software Group, que hoje emprega cerca "de duas mil pessoas, em empresas em Portugal, no Brasil, na Ucrânia", entre outras.

No painel de debate, este responsável sublinhou a sua abertura para a troca de informações e para o estabelecimento de parcerias com empresas portuguesas. tendo em conta todo o know-how entretanto adquirido com a guerra na Ucrânia.

"Sempre que inovação é criada, vai diretamente para a frente de guerra", lembra este Valery Krasowsky. "Nada é guardado". Desde sistemas automáticos de mira a novos processos de troca de dados de fibra ótica (que são imunes a guerra eletrónica), "tudo isto são tecnologias que salvam vidas", diz.

"Criar um cluster operacional e funcional"

Quem há 40 anos desenvolve tecnologia de comunicações para as Forças Armadas é a empresa portuguesa EID. Gregory Flippes, o diretor Comercial da empresa, reconhece que hoje em dia "o principal desafio é desenvolver sistemas em parceria com startups e universidades".

E por isso desafia também poder político e Forças Armadas a "criar um cluster operacional e funcional de Defesa, que envolva Forças Armadas e Universidades".

Até porque, lembra, estamos a competir com empresas gigantes internacionais".

Este responsável pede assim "uma política industrial de defesa". Para que se saiba "quais são as áreas em que Portugal deve investir, investir dinheiro privado, para poder exportar, para o país poder crescer."

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