O PSD e a IL querem que as pequenas empresas e associações de motoristas de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrónica (TVDE) possam criar o seu próprio negócio e operar de forma autónoma, sem depender de plataformas como a Uber e a Bolt. Este é um dos pontos defendidos nos dois projetos de lei que serão discutidos na especialidade nas próximas semanas. Seis anos após ter sido criada, a designada “Lei Uber” volta a estar em cima da mesa. O regime jurídico que regula a atividade deste setor, que entrou em vigor em 2018, previa uma revisão ao fim de três anos de vigência, mas só agora o tema regressou à agenda política. No final de janeiro, o Parlamento deu luz verde às propostas legislativas da IL e do PSD sobre a matéria, que baixam agora à Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação. O objetivo é rever o conjunto de regras dirigidas às plataformas, motoristas e passageiros numa altura em que a atividade continua a crescer exponencialmente. Tanto a IL como o PSD querem revogar o n.º2 do artigo 12º da Lei 45/2018 que estipula que “o operador de plataforma eletrónica não pode ser proprietário de veículos de TVDE, nem financiar ou ser parte interessada em negócio relativo à aquisição, aluguer, leasing ou outra forma de utilização de veículos de TVDE”. Em ambos os documentos, apenas é apontada a intenção de revogação sem qualquer explicação, facto que levou a Associação Portuguesa de Transportadores em Automóveis Descaracterizados (APTAD) a acusar os partidos de estarem a “tentar aprovar legislação à socapa”. A intenção desta alteração é abrir caminho para que as empresas que já tenham frota própria e prestem este serviço a passageiros através da Uber ou da Bolt - a única via possível por serem estas as duas plataformas a operar em Portugal - possam exercer de forma independente. “Não gostamos de monopólios de nenhuma espécie. E, neste momento, obviamente, o mercado está dominado por duas grandes plataformas porque acabaram por entrar e dominar esse mercado. Temos de arranjar mecanismos que permitam a outros players entrar”, defende ao DN Joana Cordeiro. A deputada da IL explica que é preciso ver a questão do avesso. “Uma empresa que é operadora de TVDE e que tem carro se quiser criar uma plataforma para gerir os seus serviços que faça concorrência à Uber e à Bolt, não pode. A IL está a ver o outro lado, ou seja, permitir que quem já faz investimentos e tem veículos possa criar uma plataforma”, aponta. Na sua intervenção no Parlamento sobre a revisão da lei, o deputado social-democrata Marco Claudino corroborou esta premissa. “Que sentido faz que os proprietários de veículos sejam impedidos de se agregarem em cooperativas, estabelecendo redes locais de transporte TVDE com plataformas eletrónicas próprias, aumentando assim a concorrência face às grandes plataformas internacionais?”, questionou. A intenção do PSD, à semelhança da IL, passa por permitir, por exemplo, que pequenas associações de motoristas possam ser mais independentes ao criar um negócio de menor dimensão sem precisarem de recorrer aos gigantes do negócio.A APTAD diz-se “absolutamente estupefacta” com a proposta. “É uma vantagem competitiva inaceitável. A Uber ao ser proprietária de carros irá distribuir o serviço em seu benefício. É concorrência desleal”, refere ao DN o presidente da associação, Ivo Fernandes. Para a deputada liberal, este não será um constrangimento. “Primeiro porque não sabemos se a Uber e a Bolt querem propriamente ter carros, esse não é o negócio deles. Em segundo lugar, existem as leis da concorrência”, refuta..AMT levanta cartão vermelho.A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) também se posicionou contra esta proposta de revogação, num parecer emitido sobre projeto de lei do PSD, publicado a 22 de janeiro. “Discordamos, uma vez que a proibição visa impedir potenciais conflitos de interesse perturbadores do funcionamento do mercado e da existência de uma concorrência não-falseada”. O regulador do setor dos transportes vai mais longe ao recomendar que este artigo não só seja mantido como “eventualmente reforçado”. Mas esta não é a única proposta do PSD que merece nota negativa da entidade liderada por Ana Paula Vitorino.O travão aos limites à tarifa dinâmica de preços em TVDE também não recebe o aval do regulador que considera que “poderá prejudicar os passageiros, permitindo grandes flutuações nos preços, aumentando a incerteza e a imprevisibilidade” quanto às tarifas. Ao DN, o deputado do PSD João Valle e Azevedo relativiza o parecer da AMT. “Há, com certeza, medidas sobre as quais somos sensíveis à argumentação da AMT e há outras em que não somos”, assegura sem, no entanto, detalhar quais são os pontos de discórdia. O deputado assume esta é “uma proposta inicial” e admite que “existe ainda um trabalho a fazer de tentar consensualizar, olhar para os parceiros e ver onde é que se pode fazer um ajustamento e onde é que não se pode”. A matéria das tarifas é comum à proposta da IL, que também rebate a avaliação da AMT ao defender que a possibilidade do aumento dos preços do serviço varie consoante os picos de procura é benéfico para o consumidor. A lei define que a tarifa não pode ser superior ao valor decorrente da aplicação de um fator de majoração de 100 % ao valor médio do preço cobrado pelos serviços prestados nas 72 horas imediatamente anteriores.“Para quem vive fora das grandes cidades ficou muito mais difícil conseguir apanhar um TVDE, exatamente porque quando há momentos de maior procura, não existe um incentivo adicional para o motorista fazer a viagem. Isto foi introduzido com uma lógica de proteger o consumidor, mas a verdade é que é ele que decide se quer ou não aceitar a viagem. O preço justo é aquele que o cliente quiser pagar”, justifica Joana Cordeiro. Por fim, a AMT posiciona-se contra a proposta do PSD que visa que os veículos registados como táxi possam operar TVDE permitindo que o motorista, de forma flexível e dinâmica, possa optar por uma modalidade ou outra, fora dos horários em que esteja afeto à obrigação de serviço público, sem que necessite de ter outra viatura. O regulador dos transportes sublinha que são “duas atividades diferenciadas, com requisitos legais, obrigações e tarifas diversas”. A AMT considera que “permitir que um táxi faça serviços TVDE é, por definição, errado já que o TVDE é efetuado em veículos descaracterizados”. Outro dos argumentos frisados no documento é a dificuldade na fiscalização que se tornará “impossível”. A entidade considera apenas ser viável que os serviços de táxi e TVDE possam ser disponibilizados através de plataformas eletrónicas que ofereçam ambas as modalidades “desde que claramente separados, para efeitos legais, tarifários, contabilísticos e perante os passageiros, cumprindo para cada serviço as respetivas obrigações legais”. .Criada plataforma de dados para impedir ilegalidades nos TVDE.Bolt prevê crescer até 20% este ano e diz que segurança é “tema basilar”.Uber usa retalho para recorde de financiamento