Primeiro resultado das legislativas antecipadas: um impasse nas eleições seguintes
Com todos os partidos e coligações empenhados em fechar o mais depressa possível as listas de candidatos a deputados, bem como os programas eleitorais que levarão a votos nas legislativas antecipadas de 18 de maio, acumulam-se impasses relativos às eleições seguintes, que passaram para segundo plano após o chumbo da moção de confiança do Governo de Luís Montenegro levar à dissolução da Assembleia da República.
Antes da crise política, alimentada pelas dúvidas da oposição quanto às relações do primeiro-ministro com a empresa Spinumviva, por si criada quando se encontrava fora da política ativa, alguns candidatos presidenciais já tinham confirmado a intenção de disputar a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, que será decidida em janeiro de 2026. E os principais partidos apresentaram centenas de candidatos autárquicos, mas a cadência de anúncios de novos nomes desacelerou desde que ficou claro que havia um desafio de mais elevado grau e urgência.
Travão (relativo) do favorito a Belém
Com todas as sondagens realizadas até hoje a indicarem Henrique Gouveia e Melo enquanto favorito a tornar-se o próximo Presidente da República, subsiste o detalhe relevante de que o antigo chefe de Estado-Maior da Armada, popularizado enquanto coordenador da taskforce para a vacinação contra a covid-19, nunca anunciou formalmente o que parece ser garantido.
Gouveia e Melo tem gerido o seu timing desde o final de 2024, quando ficou livre para avançar para o Palácio de Belém, ao deixar claro que não pretendia ser reconduzido e passar à reserva. Mas a interrupção da legislatura, ditada por o Governo de Luís Montenegro só ter garantido votos do PSD, CDS-PP e Iniciativa Liberal na moção de confiança, após sobreviver às moções de censura do PCP e do Chega, implicou uma nova adaptação.
No primeiro evento da associação cívica Honrar Portugal, "formada por cidadãs e cidadãos livres e independentes, unidos pelo compromisso com a cidadania ativa e a defesa dos valores democráticos fundamentais", e que assume existir para promover a sua candidatura presidencial, Gouveia e Melo disse que manterá o pé no travão até às legislativas de 18 de maio.
"Depois das eleições assumirei naturalmente a posição que acho que devo assumir na altura e serei mais claro do que sou agora, porque o meu papel neste momento é esperar pelas eleições legislativas e ver o que vai acontecer", disse o antigo militar, que nesta sexta-feira publicou no Nascer do Sol "Não temos de ser pobres", um artigo de opinião sobre o que considera deverem ser os assuntos prioritários na próxima campanha eleitoral.
Mendes no terreno, com Ventura em suspenso
Ter sido o primeiro dos principais candidatos presidenciais a confirmar a decisão acabou por deixar Marques Mendes quase sozinho na corrida. Logo a 6 de fevereiro, na apresentação oficial, em Fafe, o conselheiro de Estado e antigo líder social-democrata entrou ao ataque sobre o favorito. "Não é tempo de aventuras, experimentalismos ou tiros no escuro", disse então, apontando o Presidente da República como "um construtor de pontes a favor da estabilidade", numa altura em que havia a expectativa de "evitar crises políticas", pois "não podemos passar o tempo em dissoluções e eleições antecipadas".
A realidade acabou por contrariar esse apelo. Mas ter a candidatura em andamento levou a que Mendes decidisse não travar a pré-campanha, mantendo toda a agenda, com deslocações a eventos onde se apresenta a eleitores menos familiarizados com o seu percurso político, como a Futurália. Ao mesmo tempo que deixa "contributos construtivos", como o apelo para que PSD e PS se comprometam a negociarem orçamentos e a não apresentarem moções de censura ou de confiança.
Pelo contrário, André Ventura, que apostava forte na passagem à segunda volta com Gouveia e Melo, antecipando que esquerda e direita se uniriam no voto útil contra si, tem alterado prioridades. No início do ano, anunciou aos deputados do Chega que a apresentação da sua segunda candidatura presidencial teria pompa e circunstância, marcando-a para o Mosteiro dos Jerónimos, a 28 de fevereiro. Perto da data, focado na moção de censura do seu grupo parlamentar, por suspeitas de incompatibilidades de Montenegro com o exercício do cargo de primeiro-ministro, deixou cair a sessão, substituindo-a por um vídeo nas redes sociais, que não foi partilhado na data marcada, mas que elencava, entre as prioridades de campanha, os temas de Segurança, Juventude e Imigração.
Desde então, o processo que culminou na queda do Governo levou a que Ventura tenha alterado o rumo. Na semana passada, numa entrevista à RTP, confirmou estar focado na "missão" de ser primeiro-ministro, admitindo que a candidatura presidencial - entretanto suspensa - poderá não vir a acontecer. De qualquer forma, após Gouveia e Melo reafirmar que dispensa o apoio do Chega, garantiu que o partido terá uma voz na disputa presidencial.
PS no limbo, após 20 anos de Cavaco e Marcelo
Pelo lado do PS, a concentração nas legislativas, que representam uma oportunidade para a liderança de Pedro Nuno Santos reverter a derrota tangencial de 2024, também mantém no limbo qualquer decisão acerca das eleições presidenciais.
Depois de os antigos secretários-gerais do PS, Mário Soares e Jorge Sampaio, terem assumido a chefia de Estado entre 1986 e 2006, as vitórias consecutivas dos ex-líderes sociais-democratas Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa foi uma viragem à direita que os socialistas têm tido dificuldades de reverter, com reduzido ou inexistente empenho no sucesso das candidaturas de Sampaio da Nóvoa ou Ana Gomes.
Para as presidenciais de 2026, nas quais o favoritismo de Gouveia e Melo e as candidaturas de Marques Mendes e, possivelmente, de André Ventura alimentavam receios de o campo socialista ficar de fora da eventual segunda volta - que não sucede desde 1986, quando Mário Soares juntou toda a esquerda para derrotar Freitas do Amaral -, continua a não haver certezas absolutas de que haverá alguém para apoiar. E vontade de o fazer por parte da liderança do partido.
Depois de Mário Centeno se ter autoexcluído da sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, o antigo secretário-geral António José Seguro começou a ir para o terreno. Sucederam-se sessões com centenas de apoiantes, participações em conferências e até um espaço de comentário televisivo, mas sem sinais evidentes do partido e adiando uma candidatura tida por praticamente certa. Por outro lado, entre os dirigentes do PS há quem não esconda a preferência por António Vitorino, mas o antigo comissário europeu protela a decisão. Na tarde desta sexta-feira, à entrada de uma sessão organizada no Largo do Rato, para discutir Relações Internacionais, Europa, Defesa e Segurança Externa, voltou a evitar o tema quando respondeu a perguntas dos jornalistas presentes.
Certa está a candidatura da atual líder parlamentar da Iniciativa Liberal, Mariana Leitão, embora também ela esteja agora empenhada nas eleições legislativas, substituindo Bernardo Blanco como cabeça de lista por Lisboa. E também deverá haver quem entre na corrida a Belém com apoio do Bloco de Esquerda, do PCP, do Livre ou do PAN, com o CDS-PP hesitante entre Gouveia e Melo, Mendes ou uma candidatura própria.
Incerteza nas recandidaturas e apostas autárquicas
Antes das presidenciais, entre o final de setembro e o início de outubro, serão realizadas as eleições autárquicas, que mobilizam muitos milhares de candidatos nos 308 concelhos, e que ficaram "contaminadas" com a marcação de legislativas antecipadas.
Até ao início da crise política tinham sido anunciadas muitos protagonistas de recandidaturas e de tentativas de conquistar autarquias, com o balanço de poder na Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) como pano de fundo. Apesar do domínio socialista nos últimos anos, o PSD de Luís Montenegro assumiu esse objetivo, procurando encontrar algumas soluções "fora da caixa", como o ex-candidato presidencial Paulo de Morais a avançar para Viana do Castelo, enquanto em Castelo Branco e em Setúbal estarão a ser negociadas soluções com movimentos independentes, ainda que à revelia da concelhia social-democrata no caso do apoio a Maria das Dores Meira.
Em sentido contrário, Carlos Moedas ainda não confirmou oficialmente que se recandidata em Lisboa, tal como não há fumo branco quanto à possibilidade de a Iniciativa Liberal se juntar à coligação Novos Tempos, respondendo à aposta do PS na atual líder parlamentar Alexandra Leitão. E no Porto, onde Rui Moreira completa o terceiro mandato e não se poderá voltar a apresentar a votos, o até agora ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, também ainda não foi confirmado como candidato da coligação de centro-direita, que já sabe ter o ex-ministro Manuel Pizarro como candidato do PS.
Também na segunda e terceira autarquias com maior número de habitantes, Sintra e Vila Nova de Gaia, as eleições legislativas antecipadas contribuíram para protelar as decisões. Tido como candidato da AD há vários meses, o antigo vice-presidente da autarquia sintrense Marco Almeida aguarda a oficialização da sua terceira tentativa de vitória, aproveitando a saída de cena de Basílio Horta, enquanto em Vila Nova de Gaia o impasse é ainda maior, mantendo-se entre os sociais-democratas esperança de que Luís Filipe Menezes queira retomar a liderança do município, governado nos últimos 12 anos pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues.
Ana Mendes Godinho (Sintra) e João Paulo Correia (Vila Nova de Gaia) foram confirmados pelo PS como candidatos autárquicos, e André Ventura apontou Rita Matias para a autarquia da Grande Lisboa, estando a aproveitar ações de pré-campanha para as legislativas para aumentar a notoriedade da responsável pela Juventude Chega entre os sintrenses. Mas também o Chega tem protelado o anúncio oficial das suas escolhas para Lisboa e Porto, embora sejam apontados como muito prováveis os nomes do deputado municipal lisboeta Bruno Mascarenhas e do antigo líder da bancada municipal social-democrata, Miguel Corte Real.