Decorreu na tarde desta quarta-feira a última reunião plenária desta legislatura.
Decorreu na tarde desta quarta-feira a última reunião plenária desta legislatura.Foto: Gerardo Santos

“Prelúdio” ou “nota de rodapé”? O que fica dos 352 dias de Governo

Investigadores analisam as marcas da governação de Montenegro que a 18 de maio vai a votos. A principal? “Uma crise de ética”.
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"Agora é o tempo do povo falar. Veremos o que decide”. A frase de Rodrigo Saraiva, deputado liberal e vice-presidente da Assembleia da República, fechou um ciclo de 352 dias de uma legislatura que aconselhava, disse Marcelo na comunicação ao país, “a estabilidade, ou seja, não haver crises nem sobressaltos que atrasem o que é urgente fazer e fazer bem”.

O Governo, que já elegeu as dez marcas da sua governação - elencadas no texto da moção de confiança - , diz ter conquistado “a estabilidade política”, promovido “a estabilidade social” e consolidado a “estabilidade económica e financeira” que [e aqui surge o mais forte autoelogio] permitiram “iniciar um rumo virtuoso focado na resolução dos problemas das pessoas e na transformação do País.

Marcelo Rebelo de Sousa, porém, alarga esse “rumo virtuoso” da AD aos “últimos anos” da governação socialista de António Costa, com quem dizia ter uma “cooperação institucional e de solidariedade estratégica”, elogiando o equilíbrio das “contas do Estado”, a redução “da dívida externa”, o crescimento a “economia”, a redução do “desemprego”, a subida “nas classificações das agências financeiras” e até a atração de “grandes projetos” como “o novo da Autoeuropa”.

E isto, “apesar” das “questões que a todos preocupam”: “não desperdiçar fundos que vêm lá de fora e são únicos, gerir melhor a Saúde e a Educação, acelerar na Habitação” - “questões” que a oposição questiona na AD.

Os dez autoelogios do Governo são, por isso, contraditados pelo PS que aponta falhas, nomeadamente, em cinco áreas: saúde, gestão das urgências, educação, habitação e fiscalidade.

A visão do Governo não é a que os investigadores de ciência política traçam analisando as marcas deixadas - aproximam-se mais do que é verbalizado por Marcelo e, em particular, pelo PS.

Pedro Silveira, professor de ciência política na Universidade da Beira Interior e investigador no Instituto Português de Relações Internacionais, identifica “fundamentalmente” três marcas.

A “pacificação social” tendo o Governo conseguido “chegar a acordo com vários sindicatos, pacificando vários sectores em contestação”; os “problemas na saúde e habitação” sendo que aqui a AD “elevou demasiado as expectativas sobre a capacidade de resolver (ou de permitir que se vislumbrem mudanças efetivas) em sectores vitais e foi vítima dessa soberba eleitoral”, e, por fim, a “falta de exigência ética”.

E “tal como o Governo anterior”, também o de Montenegro “não compreendeu que a exigência ética requerida aos titulares de cargos políticos é hoje muito superior”.

Conclusão: “Foi um governo que conseguiu resolver contestações corporativas herdadas do governo anterior, mas que não conseguiu lidar eficazmente com problemas fundamentais (principalmente face às expectativas criadas) e que sai manchado com um caso de ética do primeiro-ministro”.

Paula Espírito Santo, professora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, considera que “a principal marca política” foi “a tentativa e o desencadear da concretização de acordos setoriais em áreas criticas e com grande exposição e capacidade de mobilização organizacional, em especial, nos domínios da segurança, educação, justiça e parcialmente na saúde”.

Ora, explica, “apesar de se tratar de acordos, na sua maioria com aplicação faseada e extendida no tempo, e não imediata nos seus efeitos, a visibilidade pública de uma aparente pacificação setorial, ainda que não consensual e inacabada nos seus termos” pode criar um cenário “trazer vantagens eleitorais” a Luís Montenegro e “permitir ao Governo sair com um capital político para início de campanha”.

“Inevitavelmente”, diz Pedro Silveira, “será o resultado das próximas eleições a ditar se este Governo vai ser recordado como um prelúdio (se o PSD conseguir assegurar condições de estabilidade governativa) ou como uma nota de rodapé (se o PSD não conseguir assegurar essas condições ou o PS vencer)”.

“Em qualquer caso, será sempre um Governo de entretempo, de passagem, de transição”, conclui.

Paula Espírito Santo, por seu lado, sublinha que como a “memória coletiva pode ser frágil e tende a observar sobretudo os passos dados e menos o caminho percorrido” a “folga financeira deixada pelo Governo” de António Costa “foi secundarizada no discurso político” do atual Governo.

“Contudo, as ‘contas certas’ deixadas pelo Executivo do PS contribuíram para proporcionar as bases e a alavanca financeira para os acordos dados”, acentua.

Luís Sousa, investigador no Instituto de Ciências Sociais, identifica aquela que é a grande “incapacidade” deste e de outros governos: “são eleitos para governar, mas quando a crise política se chama crise de ética revelam-se incapazes”.

“É surpreendente que após 30 anos, é o tempo da primeira lei sobre estas incompatibilidades, um líder, como um primeiro-ministro, não saiba das regras e da expetativa que é criada junto dos cidadãos”, afirma.

“Hoje é mais alta que nunca e nos partidos, em particular no CDS e PSD, ficou evidente a dificuldade em gerir uma crise sobre conflitos de interesse. Não perceberam que nestes casos, a regra da lei não está isolada das percepções dos eleitores e das expetativas”, considera.

Para o investigador ficou “claro” neste processo, que levou a eleições antecipadas, que “o papel das entidades de regulação, como a da Transparência, é nulo” e “revela uma completa incapacidade de intervenção”.

Para a direção de Pedro Nuno Santos, as marcas do Governo da AD são inequívocas e não oferecem dúvidas: “Uma gestão errática, assente em anúncios vazios, promessas incumpridas e na mera distribuição do excedente orçamental que herdou”.

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