“Aqui são os Passos Perdidos. Quando, às vezes, vês entrevistas a serem dadas, estão a ser filmadas aqui.” A declaração, feita num dos intervalos do plenário, é paradigmática: esta terça-feira foi o primeiro dia na Assembleia da República para muitos dos 230 deputados. E como manda a ‘praxe’ parlamentar, coube aos veteranos guiar os rookies pelos muitos corredores do Parlamento.Ainda assim, houve ajudas e os próprios serviços parlamentares acabaram por colocar várias placas a sinalizar o caminho para o acolhimento dos estreantes, cujo processo decorre até sexta-feira. O centro de operações é a Biblioteca Passos Manuel, onde os 230 parlamentares que assumem funções se deslocam para ser fotografados, receberem um kit de boas-vindas e criam a ficha de deputado. A afluência no primeiro dia foi tanta que, depois da primeira parte da sessão plenária ter terminado (pelas 10h21), até havia fila para entrar na biblioteca.Pelos corredores, deputados e convidados andaram de um lado para outro. De um lado do hemiciclo (Chega), o clima era de festa. Afinal, o partido de André Ventura ultrapassou o PS e tornou-se a segunda força política. Do outro, junto ao grupo parlamentar socialista, tudo estava mais soturno e cabisbaixo, e nem sinal do ex-secretário-geral Pedro Nuno Santos, que assumiu “para já” o mandato de deputado..Nomes propostos pelo Chega não foram eleitos para a Mesa da AR. Ventura fala em "traição pelas costas".Durante a tarde, o ex-secretário-geral do PS acabaria por ser visto no plenário, sentado na última fila e apenas no momento da votação para eleger o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco. Apesar da votação expressiva (202 votos a favor em 230 possíveis), a dúvida não foi desfeita até à última hora, não obstante a garantia dada pelo Chega de que não bloquearia a reeleição do ex-ministro da Defesa. “Não podiam voltar atrás”, disse fonte parlamentar ao DN. “Agora é que se vai ver o que vale a palavra deles”, acrescentou outra. Apesar das dúvidas, a reeleição acabaria mesmo por acontecer.Quem continuava a ter dúvidas eram, no entanto, os deputados estreantes. Junto aos Passos Perdidos, havia quem perguntasse “onde é o elevador 11” e quem comparasse o dia “ao primeiro dia de escola”. Já Filipe Sousa, deputado único do Juntos Pelo Povo (JPP), calcorreou sempre sozinho os corredores — ora dando entrevistas, ora ao telefone — e assim foi conhecendo os cantos à casa. Da parte da tarde, o deputado madeirense seria, aliás, o primeiro a intervir em plenário, prometendo ser a “voz das ilhas” na Assembleia da República.CDS volta a ter uma sala na zona mais movimentada do ParlamentoQuem já está familiarizado com o Parlamento é Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS-PP (reeleito esta terça-feira). E foi o próprio que anunciou que o partido voltará a estar presente na zona nobre do Parlamento, bem junto ao hemiciclo, onde terá novamente uma sala para a liderança parlamentar.Isto fará com que os centristas passem a ter um gabinete entre o PS e o Livre, a quem ‘pertencia’ a sala e que, fruto da redução do BE a apenas uma deputada (a líder Mariana Mortágua), passará para a sala do lado.Mas as novidades não se ficaram pelo lado de fora do plenário. Lá dentro, e sobretudo na bancada do PSD, as substituições de deputados foram consideráveis, uma vez que todos os ministros em funções que estavam nas listas acabaram por não assumir o mandato. Nuno Melo, presidente do CDS, fez o mesmo e acabou por dar o lugar a João Almeida, que se mantém ao lado de Paulo Núncio.Na bancada do PS, há um apontamento curioso: a ex-secretária de Estado da Saúde, Jamila Madeira, não assumiu o mandato e acabou por dar a 'vaga' a Luís Graça, seu marido.Com o crescimento do Chega, também a disposição das bancadas acabou por mudar, levando a que o PSD passe agora a estar praticamente ao centro do hemiciclo, com o Livre a sentar-se o mais à esquerda possível. O tema não tem reunido consenso devido à forma como os assentos têm sido distribuídos e será discutido esta quarta-feira em conferência de líderes.Aguiar-Branco alerta quanto à "exigência" da legislatura e Ventura diz que pode ser a "última" da III RepúblicaPondo discórdias à parte, o "consenso" pedido pelo presidente da Assembleia da República no seu discurso acabou por chegar com a eleição do seu nome para segunda figura do Estado.Ao contrário do que aconteceu há um ano, em que foi eleito à quarta tentativa, José Pedro Aguiar-Branco conseguiu, desta feita, reunir a aprovação da esmagadora maioria dos deputados.Com um Parlamento — como o próprio frisou — em que há "dez partidos representados", Aguiar-Branco pediu que se coloquem de lado as diferenças para que se alcancem "consensos". Usando o exemplo da Assembleia Constituinte (assinalam-se esta terça-feira 50 anos desde a sua posse), o presidente do Parlamento relembrou que, tal como agora, também aí "havia polarização". Mesmo assim, disse, "conseguiram pôr-se de lado" as diferenças e chegou-se ao consenso que levou à criação da Constituição. Algo parecido deve acontecer agora, no seu entender. Sobretudo por se tratar de uma "legislatura exigente", com desafios "da economia à saúde" e "um conjunto de geometrias variáveis que desafiou tudo o que se julgava saber". Prometendo tratar "todos por igual", apesar das suas visões políticas, Aguiar-Branco quis ainda expressar duas das suas prioridades que entende ser tempo de abordar: "O regime das incompatibilidades ou o estatuto remuneratório dos titulares de cargos públicos."Depois do discurso — aplaudido praticamente por todos os deputados, à exceção das bancadas mais à esquerda —, foi a vez dos vários líderes parlamentares intervirem de forma breve.Inês de Sousa Real, deputada única do PAN, foi no mesmo sentido do presidente do Parlamento e pediu que se aproximem as "diferenças ideológicas" em prol do país. Já Mariana Mortágua, passou em revista quantos votos valem cada um dos deputados do Chega e da AD (e foi interrompida com diversos apartes da bancada do partido de André Ventura), para de seguida abordar algumas das bandeiras do partido (Palestina e salários, neste caso) e terminar garantido que será "uma voz entre muitas" para se opor às "diferentes direitas" que existem no Parlamento.Com várias intervenções num tom mais calmo (Isabel Mendes Lopes, do Livre, expressou a "discordância" com Aguiar-Branco, mas prometeu-lhe "lealdade", e Mariana Leitão, da IL, pediu "resultados" aos deputados na resolução de problema), foi André Ventura a exaltar os ânimos no plenário.Insistindo na revisão constitucional, visto que "pela primeira vez se pode "mudar a Constituição" sem o partido "que mais representa o sistema, o PS", o líder do Chega disse estar convicto de que esta legislatura será "a última da 3.ª República". Porque, remata, "a partir de agora será para cortar e ir atrás de quem se tiver de ir, ou não terão valido a pena estas eleições". "Quem nos roubou 50 anos, terá de devolver", atirou..Mulheres ainda são apenas um terço do Parlamento, mas se não houvesse lei da paridade “seria muito pior”.Pedro Nuno Santos assume “para já” mandato de deputado no Parlamento