"Não é despesa, é investimento". Montenegro quer cluster da indústria de Defesa em Portugal
Em vez de aumento de despesa, reforço de investimento. O primeiro-ministro quer olhar para a indústria de Defesa como uma oportunidade de revitalizar o setor industrial português, aproveitando o contexto geopolítico que estimula o aumento de investimento dentro da União Europeia, e aponta mesmo à criação de um cluster de indústrias de defesa no País.
Em intervenção na abertura da conferência organizada pelo Exército sobre Indústria de Defesa, no quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, Montenegro defendeu que Portugal "tem hoje condições excelentes para albergar investimentos na área da defesa porque tem excelentes recursos humanos, porque tem uma economia dinâmica, das mais dinâmicas da Europa, porque tem estabilidade financeira, porque tem capacidade de financiamento, porque tem um Estado que está a trabalhar, uma Administração Central que está a trabalhar, porque tem incentivos que estão dirigidos diretamente a este setor de atividade, porque tem um know-how técnico e tecnológico, quer na área da aeronáutica, da robótica, da metalomecânica... Nós temos, efetivamente, tudo para ter um cluster das indústrias de defesa que seja competitivo e que se possa integrar numa estratégia europeia onde, e eu tenho defendido isso no Conselho Europeu, possamos ser complementares uns aos outros à escala europeia".
Para o primeiro-ministro, tão importante quanto reconhecer a oportunidade histórica neste setor é fazer passar a mensagem correta aos portugueses em relação às necessidades de fazer aumentar o orçamento de Defesa nos próximos anos. Por isso, defende, não se trata de olhar para esse reforço como uma mera obrigatoriedade de honrar os compromissos internacionais - os 2% do PIB até 2029 já assumidos perante a NATO -, mas sim encará-lo como oportunidade de investimento para valorizar a economia nacional e aumentar a capacidade de produção própria neste setor, reduzindo a dependência do exterior.
"Falo em investimento na área da Defesa e uso propositadamente a palavra investimento. Bem sei que nos últimos tempos se criou uma onda noticiosa à volta da despesa da Defesa, do aumento da despesa na Defesa. Pois eu creio que é possível contextualizar melhor o que é que se quer dizer com essa expressão e sobretudo o que é que a política deste governo português pretende quando fala em investimento e não em despesa. Faz toda a diferença se olharmos para isso não na ótica apenas de fazer despesa, mas numa ótica de promover investimento. Para ser mais direto e claro nós podemos aumentar os recursos financeiros alocados à Defesa apenas comprando material a quem produz ou podemos nós próprios produzir toda a panóplia de equipamentos que são necessários para ter uma base bem apetrechada", descreveu o chefe do Governo, na sua primeira intervenção pública após o episódio de saúde que o obrigou a internamento na última sexta-feira.
Montenegro defendeu uma lógica europeia de complementaridade entre os estados-membros da UE para apetrechar as capacidade de defesa do projeto europeu face às ameaças do contexto geopolítico atual, em que o velho aliado EUA está mais afastado, sem que os 27 andem a competir entre si neste setor: "O que defendo é que não andemos todos a produzir as mesmas coisas, mas possamos todos produzir equipamentos que sejam complementares e que no final deem à Europa mais autonomia, menos dependência de outras geografias. Porque quando a Europa acorda em tempos de crise, normalmente e infelizmente só nesses tempos é que acorda, e conclui que está muito dependente, que tem pouca autonomia, é porque não pensou antes como é que coletivamente podia ter agido e podia ter coordenado todos os seus investimentos de maneira a ter uma capacidade que não a colocasse nas mãos de outras forças internacionais."
Legislativas antecipadas não afetam "estabilidade política"
Portugal, defendeu, "é hoje parte desta estratégia e pode efetivamente ser uma parte muito ativa". E nem a crise que provocou nova ida a eleições legislativas antecipadas deve assustar potenciais investidores externos, acrescentou, assegurando que Portugal "é um país com estabilidade política". "Eu bem sei que estamos agora num momento pré-eleitoral, mas isto é uma coisa que se resolve com o tempo, daqui a sete semanas está resolvido e já estamos com um novo impulso, qualquer que seja o resultado, com um governo a formar-se e a dar sequência a um período de estabilidade económica, de estabilidade financeira, de arrojo do ponto de vista do conhecimento e da competitividade. Portugal é um país e um parceiro fiável. É dos melhores destinos para colocar financiamento. Há mesmo poucos destinos tão fiáveis no mundo neste momento", acrescentou o atual chefe do Governo.
De resto, Montenegro aproveitou para defender a valorização que, disse, o seu Governo conseguiu fazer do papel das Forças Armadas, invertendo um ciclo de "definhamento". "Nós assistimos nos últimos anos a um definhamento da capacidade de recrutamento e retenção de recursos humanos nas nossas Forças Armadas. Esse definhamento é incompatível com as responsabilidades que nós temos. Felizmente essa inversão começa já a dar frutos e hoje temos níveis de procura para as nossas Forças Armadas que superam em larga margem aquilo que acontecia no passado recente."
Chefe do Estado-Maior do Exército pede que sejam repensadas regras de contratação pública
A abrir esta conferência, ainda antes da intervenção do primeiro-ministro, o chefe de Estado-Maior do Exército, general Eduardo Mendes Ferrão, começou por salientar que "o contexto em que vivemos é uma oportunidade única para a nossa geração".
Por isso, acrescentou "o Exército está num processo de modernização acelerada, estruturada e necessária", num caminho que "foi pensado para garantir o alinhamento com os nossos aliados, respeitando a nossa dimensão e os compromissos que o país assumiu."
Mendes Ferrão sublinhou a mensagem de que "só um Exército moderno é capaz de conseguir garantir a defesa do espaço e o Atlântico, lado a lado, com os nossos aliados."
"Num contexto em que a guerra convencional entre Estados voltou ao quotidiano europeu, assistimos a uma mudança significativa na forma como a segurança e a defesa são projetadas", lembrou o CEME. "A Europa já não é um espaço de resolução pacífica de conflitos e o recurso aos instrumentos militares é hoje uma opção cada vez mais comparavelmente."
Mendes Ferrão lembrou ainda que "apesar da sua localização geográfica, distante dos focos de tensão, Portugal está profundamente imerso nesta realidade política e geoestratégica". E, por isso, "a adaptação da nossa economia e da nossa Defesa a esta conjuntura não é apenas desejável, é essencial".
O chefe de Estado-Maior do Exército pediu que sejam "repensadas as regras de contratação pública, permitindo o acesso mais célere e eficaz aos meios e recursos essenciais ao cumprimento da nossa missão."
E terminou com um aviso: "Estamos a correr contra o tempo."