O PS está há 22 anos sem a presidência da Câmara do Porto. Como é que se explica se afastamento do Partido Socialista numa cidade onde sempre teve tradição autárquica? Provavelmente, porque o PS não conseguiu, em nenhum desses momentos, apresentar propostas políticas que convencessem a maior parte dos portuenses. Reajo a isso com normalidade democrática, sendo que fui protagonista em dois dos casos. 2013 e 2017.O que é que falhou? A maior parte dos portuenses achou que havia um projeto político com mais valor do que o nosso. Nas autarquias também conta muito o protagonista. O que significa, no meu caso particular, que os eleitores consideraram que o candidato independente tinha mais valor para a cidade. Repito: é uma coisa normal. Devo dizer que não me sinto nada diminuído pelo facto de ter perdido eleições. É normal em democracia. Não me vou comparar às personalidades que vou citar, seria até uma falta de modéstia, mas o presidente Mitterrand, em França, só ganhou à terceira. Uma coisa garanto: estou hoje melhor preparado do que estava em 2013 e 2017. O que o fez avançar, depois de duas derrotas? O meu amor ao Porto. Esse é um ponto consensual. Mesmo os que não têm especial apreço pelo meu percurso político, sabem que fui sempre como sou: do Porto, sem nunca o esquecer. Até no sotaque. Pedro Duarte tem menos sotaque? Tem menos. Em todos os lugares que exerci nunca ninguém teve dúvidas que eu era do Porto. Tive um papel absolutamente decisivo para que se construísse a ala pediátrica do Hospital de São João e, quando ministro da Saúde, coloquei no Porto a direção executiva do Serviço Nacional de Saúde, numa ação a favor da descentralização. Não há momento do meu percurso político em que o Porto tenha ficado para trás. Isso faz a diferença. .O facto das duas últimas eleições terem sido vencidas por um independente e das atuais candidaturas se autodenominarem, sem exceção, agregadoras, revela que o Porto, em particular, está cansado de partidos?.Em todos os sistemas democráticos há um certo cansaço com os partidos. Nas autárquicas, essa fadiga nota-se mais. Mas também devo dizer que não há democracia sem partidos e convém olhar bem para o que é que cada um está a propor. Há candidatos como eu, que têm um partido, mas muitos independentes, reconhecidos e reconhecíveis, a apoiar. E há candidatos que são absolutamente enfeudados aos partidos, mas que tentam fazer-se passar por independentes.. Por exemplo?Por exemplo, o candidato do governo, o delegado do governo nas eleições no Porto. É um candidato completamente partidário a tentar fingir que é independente. E isso é algo que não consigo compreender. Na minha candidatura estão vereadores e a maioria de presidentes de junta eleitos por Rui Moreira. A grande parte do moreirismo está comigo. Por isso, considero-me no mesmo direito de dizer que a minha candidatura, sendo do PS, é uma candidatura que vai muito para além do PS. Qual será a interferência das legislativas nestas autárquicas à vida dos autarcas do PS nestas eleições? Há sempre uma certa influência da situação política nacional, sobretudo no caso vertente. Essa influência no Porto revela-se ao contrário. O Porto precisa é de um candidato que dialogue em plano de igualdade com o governo central. Vou dar-lhe dois exemplos. A semana passada foi publicado um estudo que mostra que os salários médios das pessoas que moram na Área Metropolitana do Porto são 30% inferiores ao das pessoas que moram na Área Metropolitana de Lisboa. Isto acontece porquê? Porque o centralismo doentio do país coloca as sedes das empresas, as sedes dos institutos públicos e uma grande administração pública do Estado na mesma região do país. Não há nenhuma razão para que seja assim. Precisamos de alguém que, a partir do Porto, faça uma reivindicação séria sobre descentralização. E, manifestamente, quem quer fazer o papel de delegado do Governo no Porto não está em condições de fazer esse diálogo. Mas dou-lhe outro exemplo. Todos reconhecem a importância gigantesca do Aeroporto Sá Carneiro para a economia e para a vida das pessoas do Norte. Ora, o que se está a preparar com o processo de construção do novo aeroporto em Lisboa é a alocação das receitas das taxas aeroportuárias de todos os aeroportos do país. Não é aceitável. É preciso alguém que, a partir da região, faça essa reivindicação e esse diálogo em tom de voz que seja audível. Não me candidato para me confrontar com o governo central, mas para, em nome do Porto e do Norte, reivindicar junto do governo central um tratamento equitativo entre as regiões. . O independente Rui Moreira não fez isso bem? Fez em alguns momentos e saúdo esses momentos. Mas, agora, é preciso que isso seja feito com outra consistência. Está a tratar-se da privatização da TAP, por exemplo. Nada a opor, mas é preciso ver como é que no caderno de encargos fica protegida a operação aeroportuária da TAP no Aeroporto Sá Carneiro. Não vejo, para além de mim, mais ninguém que tenha condições para fazer esse debate. Apresentou o programa Habitar no Porto. A habitação é uma área que conhece bem porque foi vereador do pelouro no primeiro mandato de Moreira. O que é que vai mudar? Nos últimos sete anos, deu-se uma enorme mudança na situação da habitação. Na altura, ainda estávamos muito concentrados no tema do acesso à habitação pelas pessoas com menos recursos económicos. O que aconteceu, entretanto, foi que a crise da habitação, que se instalou um pouco por toda a Europa, teve um impacto brutal em Portugal, e no Porto. Vivemos uma verdadeira situação de emergência. O que muda? Desde logo, o problema foi identificado. E esse problema está a oferta. Não serve de nada dizer que há 20.000 casas devolutas no Porto, uma grande parte delas a necessitarem de reabilitação, porque essas não estão no mercado de oferta. Portanto, estruturei um programa que visa, em quatro anos, construir 5000 casas no Porto. E a reabilitação urbana? Não desvalorizo. Mas sabemos que essa resposta vai demorar mais tempo enquanto que as novas podem ser feitas. Já identifiquei um conjunto de terrenos camarários, ou do Estado, que serão disponibilizados para a construção destes 5000 fogos. São fogos para arrendar, mas não no conceito de renda acessível. A renda acessível é renda cara demais. O novo conceito é renda moderada à moda do Porto. As rendas andarão entre os 300 e os 800 euros. Essas casas vão ficar disponíveis quando? No limite, dentro de quatro anos. A maioria delas, reconheço, será disponibilizada em 2029, mas penso ter algumas dentro de três anos, três anos e pouco. A notícia é que vai haver 5000 casas de arrendamento moderada num mandato de quatro anos. A que custo? Será remunerado de duas formas. Um modelo de parceria público privada, em que o privado vai ser remunerado durante 30 anos, entre o quarto ano e o trigésimo, com as rendas das pessoas que moram nessas casas. Isso renderá cerca de 31 milhões de euros por ano. Precisarei de cerca de outros 30 milhões anuais, que espero negociar com o Governo, uma vez que compete ao Estado central assegurar constitucionalmente o acesso dos cidadãos à habitação. Falarei suficientemente alto e claro para o conseguir. Sendo certo que ao fim de 30 anos as casas ficam propriedade plena da Câmara do Porto. Se não for ouvido? Se o governo for insensível a esta necessidade das pessoas do Porto, a Câmara está em condições de pagar esses 60 milhões de euros, utilizando para isso metade da receita da taxa turística, cerca de 15 milhões por ano, e 20% da receita do IMT, cerca de 18 milhões. Isso terá a vantagem de as pessoas compreenderem que, afinal, os impostos resultantes do turismo e os impostos resultantes do imobiliário também nos ajudam a pagar habitação a custo moderado para as pessoas que dela necessitam. Já tem parceiros privados? Não tenho nenhuma dúvida que vou ter parceiros privados. Tive o cuidado de construir este programa com o envolvimento de todos: arquitetos, engenheiros, urbanistas, economistas, com as empresas de construção civil, com as empresas imobiliárias, com a universidade. Porque de outra forma, não vamos lá. Sou pragmático. .O Porto é uma cidade segura?.De acordo com os índices que medem a criminalidade, o Porto é uma cidade segura como, aliás, Portugal é seguro. O que não significa ausência de problemas. Assisto espantado à absoluta tolerância com o tráfico de droga e com a criminalidade contra as pessoas na zona da Movida do Porto. Não consigo compreender por que é que isto é tolerado, como também não consigo compreender que não se faça muito mais a combater o tráfico e a ajudar os toxicodependentes numa parte do Porto, hoje profundamente afetada.. O que muda, consigo? Precisamos mesmo de colaboração das diferentes forças policiais. No caso da Movida, o que é mais necessário é policiamento de proximidade. É urgente concentrar policiamento naquelas horas e, evidentemente, reprimir a criminalidade. É preciso falar de criminalidade, usar os termos certos, e contribuir para que todos nós nos possamos sentir mais seguros. A Polícia Municipal pode ter uma ação mais interventiva, mais punitiva. É essencial. Se para isso é necessário promover alterações legislativas, promovam-se essas alterações, porque a Polícia Municipal do Porto e de Lisboa são muito diferentes das outras polícias municipais. Temos de colaborar todos neste objetivo e uma das minhas ideias é colocar a Polícia Municipal no policiamento de proximidade e nas intervenções necessárias para reprimir a criminalidade. O turismo ainda é um problema para a cidade. O professor Hélder Pacheco diz que no Porto não há turismo a mais. Por vezes, o que há é Porto a menos. Compete-nos implementar uma política pública que faça com que não haja Porto a menos. Queremos um Porto adequado aos portuenses. Como é que isso se faz? Investindo também na reabilitação de casas no centro da cidade, nomeadamente no centro histórico, para que os portuenses possam nelas habitar. É preciso desenvolver planos integrados de promoção do comércio local nessas ruas. E é preciso que, em relação a essas ruas, a Câmara tenha maior capacidade de licenciamento. O que seria o Porto com uma redução de 50% do turismo? Seria uma desgraça do ponto de vista económico e social. Não estou perturbado com o turismo a mais. Há uma coisa que posso garantir: basta que o licenciamento comercial nessa ruas passe para a câmara, em vez de funcionar o regime de licenciamento zero, para que a nossa capacidade de intervenção possa fazer a diferença. O aumento do número de imigrantes tem reflexos na cidade que exijam medidas? Há zonas em que se sente um peso crescente significativo. Mas o Porto tem de ser o que sempre foi: uma cidade onde todas as pessoas são acolhidas de braços abertos. Isso significa que temos de ter um braço aberto para acolher bem e para ajudar integração social dos imigrantes. Partindo do pressuposto de que as regras de civilidade têm de ser cumpridas por todos. Há problemas de integração, no Porto? Há alguns problemas já. Por exemplo, há queixas, legítimas, de jovens raparigas, que são importunadas em algumas zonas. Este tema precisa de ser olhado. E é sempre bom intervir quando os problemas são escassos porque aí são de mais fácil controle. Tem de haver uma enorme capacidade de diálogo, e essa enorme capacidade de diálogo deve resultar de um espírito de tolerância mútua. Como olha para as recentes políticas do governo, nesta matéria, mais restritivas, até como médico, sabendo-se que a imigração tem também impacto no SNS? Se os imigrantes vieram para Portugal é porque são necessários. Não nos esqueçamos disso em momento nenhum. Dito isto, a ideia de haver uma imigração mais controlada parece-me razoável. Mas depende de como é feita. Por exemplo, medidas de restrição do acesso ao SNS: para além de ser um imperativo humanitário tratar quem está doente, são pouco inteligentes. Em muitos casos, é socialmente muito importante que sejam tratados. Estou a pensar, evidentemente, nas doenças infecciosas que, quando não tratadas precocemente, acabam por ter consequências na sociedade. Qual o impacto no SNS? Ninguém ignora que estes últimos anos foram anos de fluxo migratório muito significativo e, por isso, repito, consigo concordar com a ideia de que fluxo migratório deve ser um pouco mais controlado. Calibrar o que está a acontecer, e a dimensão do que está a acontecer, com a capacidade do país fazer este acolhimento de forma razoável. .O PS geriu mal esta matéria?.Não tivemos a perceção da dimensão deste impacto. Demorámos tempo a ler os sinais. Os imigrantes têm que ser acolhidos com dignidade. E o comportamento das comunidades migrantes tem de estar de acordo com as disposições da Constituição da República sobre a liberdade, sobre tolerância, sobre respeito entre pessoas de géneros diferentes. E isto não pode ser confundido com qualquer ideia de xenofobia ou de racismo..Há pouco falou, em relação à criminalidade, em repressão e disse não ter medo dessa palavra. Porque? Espera-se à esquerda outro discurso? É preciso usar as palavras certas e disso não tenho medo nenhum. Por vezes, parece que a esquerda se sente tolhida em falar deste assunto. A ideia de segurança é uma ideia que está ligada a autoritarismo. Nada disso. Encontro até um racional para que quem é de esquerda trate o tema da segurança como prioritário. Porque, evidentemente, a insegurança afeta mais as pessoas de condição social desfavorecida, as que moram em zonas mais afluentes. A esquerda cedeu esses temas à direita? Não cedi nunca. E não vou ceder nunca. O Bolhão tem sido um ponto de discórdia entre uma associação comercial e o executivo de Rui Moreira. Uma das acusações feitas ao atual presidente – e que ele tem desmentido - é a de que teria como objetivo transformar o mercado de frescos numa praça de alimentação. Pode garantir que consigo isso nunca acontecerá? Foi muito positivo que se tenha reabilitado Mercado do Bolhão. E que essa reabilitação tenha sido feita em torno de um programa que pretendia manter um mercado de frescos. Nem tudo o que tem sido feito na gestão quotidiana do Mercado do Bolhão tem sido consentâneo com isso. Em todo o caso, garanto: quando for presidente da Câmara do Porto não haverá privatização do Mercado do Bolhão. Pelo contrário: pretendo envolver mais os comerciantes na gestão no Mercado do Bolhão. E quanto à praça de alimentação? De maneira nenhuma. Tudo o que faremos será promover a função do mercado de frescos no Bolhão. Mobilidade. Como se corrigem os problemas de sobrecarga de tráfego do Intermodal de Campanhã? E quanto vão custar? O Intermodal de Campanhã é vítima do seu sucesso. Como foi possível não prever que teria esse ‘sucesso’? Houve, evidentemente, falhas de planeamento que devem servir de ensinamento. Agora, há que corrigir e, felizmente, também há possibilidades de corrigir. Quanto vão custar essas correções? Vão custar alguns recursos. Por um lado, é necessário o redimensionamento do terminal, por outro, é preciso proceder à modificação das condições de operação do terminal, nas ruas e nos acessos, e essas são relativamente pouco onerosas e que rapidamente melhoram a eficiência do terminal. O que não se pode fazer é fechar os olhos ao problema que existe. O Metrobus vai funcionar a partir de quando? Aparentemente, um dos atrasos da entrada em funcionamento foi o erro de construção das viaturas próprias para o Metro, porque a porta abre do lado contrário do que é normal no mundo. Roça o anedótico. É preciso olhar para o lado bom. Trata-se de uma obra pública que terminou praticamente no prazo previsto. Agora, isto traz uma questão mais delicado e que é esta: a Câmara do Porto tem de ser o pivô do diálogo das diferentes instituições que intervêm na cidade, neste caso na mobilidade. Não me imagino em combate público contra a Metro do Porto ou contra este ou contra aquele, como já aconteceu. Imagino-me o pivô que estabelece diálogo para encontrar as soluções. Tenho algumas dúvidas sobre o projeto, mas agora, feito o Metrobus, o que temos é de ser pragmáticos, pô-lo em funcionamento. No início desta conversa dizia que Pedro Duarte fala pouco "à Porto". Que mais os distingue? Pedro Duarte é uma pessoa que nasceu no Porto, viveu uma grande parte da sua vida no Porto, disso não há nenhuma dúvida. Agora, neste momento, tem aparecido em todos os registos da campanha eleitoral mais como um delegado do governo do que como um representante dos portuenses. Recordo só que se apresentou candidato ainda como ministro e anunciou a candidatura no meio de um Conselho de Ministros. Essa escolha diz tudo sobre um programa político. .Há quem diga que Filipe Araujo, vice-presidente de Rui Moreira, é a sua lebre..Não posso resolver os problemas dos conflitos na direita portuense. No espaço político da direita o conflito é total. Há um candidato oficial. Depois, há um candidato independente que na verdade é da mesma família política. Depois, o do Chega, alguém que há um ano era líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal. Ainda há o Dr. António Araújo, meu colega e amigo, também ligado ao PSD. Isso só revela o estado em que está essa família política no Porto. Para os portuenses torna-se relativamente fácil avaliar que há uma candidatura que aglutina e há outras que dividem.. Com Sérgio Sousa Pinto e Francisco Assis na direção de um PS liderado por José Luís Carneiro, como vê a entrada em força da ala direita do partido? Antes de mais, é de saudar a coragem do José Luís Carneiro em ter-se candidatado. Aliás, manifestei apoio desde o início desse processo. No PS, ao longo de 50 anos de existência, coincidiram sempre visões diversas sobre a tática da intervenção do partido na sociedade portuguesa. Mas sempre com os mesmos valores, porque os valores é que contam para a formação de um partido. Sob esse ponto de vista, não há nenhuma dúvida - o PS é o partido da liberdade. É o partido da tolerância democrática. É o partido que valoriza o Estado Social como fator que fornece efetiva igualdade de oportunidades às pessoas. Isso é que é essencial. As pequenas diferenças de tática política são normais. Tem a ver muitas vezes com personalidades diferentes. Não há mal nenhum nisso. O que noto é um grande esforço de abertura às várias pessoas. Umas ficaram nuns órgãos, outros noutros. Em nenhum caso vejo que estejam a colocar-se fora do combate político em nome do PS. O que é que acontece se o partido tiver um desaire autárquico? Vai me permitir que diga que estou concentrado no combate na nação portuense. E estou neste combate com muita confiança. A minha confiança não é contrária à humildade. Confio que vamos ser bem sucedidos no Porto. Neste contexto o que seria um bom resultado autárquico? No meu caso, é ganhar as eleições na cidade do Porto e para isso trabalho de manhã, à tarde e à noite. No plano nacional, já foi expresso: manter a maioria das câmaras e a maioria das freguesias das Juntas de freguesia, e, em consequência disso, a presidência da Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias. Presidenciais: vai apoiar o António José Seguro? É um tema que eu tratarei depois as eleições autárquicas.