Tendo em conta que Enide Menezes Seixas, a candidata a líder da Juventude Popular que aceitou subscrever a moção de que era o primeiro subscritor, não foi eleita presidente, é um dos perdedores do Congresso?Lançámos uma moção com um conjunto de ideias, e estaríamos dispostos a integrar uma equipa em que tivéssemos garantias de que o nosso pensamento seria ouvido e poderíamos ser consequentes com aquilo em que acreditamos. Por isso é que colocámos a condição de subscreverem a moção. Fico também contente por a nossa atual presidente, Catarina Marinho, ser alguém que leva aquilo em que acredita até ao fim. Não se identificava com as nossas ideias, mas também não estava disponível para negociar uma vitória, numa altura em que não se sabia qual o resultado final de um Congresso renhido, em troca de abdicar daquilo em que acredita. Fico muito contente por saber que temos uma pessoa com coluna vertebral a liderar os destinos da Juventude Popular. A vossa moção diz que está em curso "um ataque ao eixo Atenas-Roma-Jerusalém, que constituiu o Ocidente, protagonizado pela esquerda, mas muitas vezes também com a complexidade do centro". Considera que o próprio CDS está totalmente isento de culpas? Dentro do panorama atual da política portuguesa, o CDS é quem tem feito mais neste combate pela civilização ocidental. A direcção do partido, tanto a atual como a anterior, tentou ter um discurso mais consensual no sentido de chegar a mais gente. Não estou a dizer se é uma estratégia boa ou má, estou a dizer o que entendo ter sido a postura. Por exemplo, quando houve a discussão do aborto na Assembleia da República, no grupo que estava a preparar esta moção defendíamos que o partido devia ser ir mais longe e passar para as 10 semanas o limite de aborto, que neste momento é de 24 semanas, para os fetos com viabilidade que tenham malformações, porque entendemos que estamos a ter portugueses de primeira, que são os saudáveis, com um limite mais restrito, e os que não são saudáveis, que têm um limite maior para poderem ser mortos. A atual direção decidiu ir por outro caminho, alargando a objeção de consciência dos médicos. Houve algum motivo para não falarem da interrupção voluntária da gravidez na vossa moção? Defendemos a vida desde a conceção até à morte natural, e não valia a pena insistir no assunto. Somos contra o aborto, por princípio, e entendemos que o ideal seria não haver. Mas as mudanças legislativas devem ter respaldo social, e ser paulatinas, para acabar com o aborto. O que nos deve entristecer como sociedade é ver mulheres que gostariam de levar a gravidez ao fim, mas não o fazem por motivos sociais ou económicos.Acredita que o fim do casamento das pessoas de mesmo sexo teria esse apoio social? Entendo que duas pessoas homossexuais, que querem viver juntas, queiram ter proteção jurídica, no arrendamento e na herança, que o casamento prevê no Código Civil, e acho tais expectativas justas e legítimas. O meu ponto quanto à atribuição da instituição do casamento a pessoas do mesmo sexo é que o casamento é uma instituição multissecular, anterior ao próprio Estado. Portanto, só cabe ao Estado reconhecer o casamento, e não cabe ao Estado decidir o que é ou não é um casamento. Vivemos em democracia, infelizmente cada vez mais frágil, e é muito mais fácil transformar-se numa ditadura quando o Estado faz e desfaz instituições, com o seu poder burocrático e administrativo.Se essa reversão legislativa fosse feita, como defende, o que sucederia às pessoas do mesmo sexo que já se casaram? Só poderia haver alteração no futuro, tal como a proposta que fizemos em relação ao divórcio.No que toca à reversão do protocolo adicional à Concordata, impossibilitando o divórcio no casamento católico, a não ser que as pessoas voltem a casar-se, compreende quem veja nisso um retrocesso na liberdade? Hoje em dia, fala-se da liberdade no sentido de cada um fazer o que quer, mas a liberdade é uma coisa boa se estiver orientada para o bem. Vivemos numa sociedade em que bem e mal são relativos, mas não acompanho essa visão. Existe a opção de casamento civil, na qual não pretendemos mexer, e o regime jurídico do casamento canónico, a que as pessoas são livres de aderir ou não. Mas se um casal escolher esseregime, deve poder aderir na totalidade.Porque não deve haver também exceções que acautelem modelos de família de outras religiões existentes em Portugal? Já há abertura para tal, a meu ver, no nosso quadro constitucional. Existe casamento civil, casamento religioso na primeira modalidade, que admite a forma de casamentos de várias religiões que não a católica, mas adota o regime material civil, e o casamento religioso na segunda modalidade, que adota o regime material do casamento católico, com as limitações que queremos reverter. Se houver alguma religião que proponha o seu regime material para ser adotado, faz sentido, desde que não viole os direitos humanos, como algumas tendências do islamismo. Diria que não faria sentido reconhecer um casamento poligâmico em Portugal, mas noutros tipos de regimes materiais próprios não vejo problema nenhum.Qual seria o limite? Até já existe jurisprudência nesse sentido, quando falamos do direito internacional privado. Por exemplo, uma família poligâmica de um país muçulmano, se quiser ver o seu casamento reconhecido em Portugal, não pode, mas outros tipos de casamentos, por exemplo, entre menores, que se calhar não seriam reconhecidos em Portugal, se são reconhecidos no país de origem dessas pessoas, também são reconhecidos em Portugal.Sobre política externa, lia-se na vossa moção que recusar dialogar com ditaduras é “uma postura insustentável”. Sente que Donald Trump veio dar-vos razão? Seria uma falta de humildade dizer que Donald Trump veio dar-nos razão. Mas ele está mais próximo daquilo em que acreditamos e do que apresentámos na moção. Olhando para o conflito da Ucrânia, quem queira procurar a paz, quem queira servir de plataforma para encontrar soluções, não pode hostilizar por completo uma das partes. Só se hostiliza por completo uma das partes, em situações, como na Segunda Guerra Mundial, em que só se quer encontrar uma rendição incondicional, que era o que os Aliados procuravam do Eixo. No caso da Venezuela, a Europa sozinha reconheceu Juan Guaidó como presidente, mas acabou por não ter respaldo real. O Guaidó nunca exerceu a presidência e ficámos com relações muito fragilizadas com a Venezuela, inclusive com prejuízo para os nossos imigrantes.No que toca à Ucrânia, deve ser reconhecido pela Europa que há conquistas territoriais da Rússia que não serão devolvidas? No mundo ideal, a Rússia nem sequer teria invadido a Ucrânia. Temos de reconhecer que o direito internacional só existe na medida em que os Estados com poder, como é o caso da Rússia, tiverem interesse em que exista. Naturalmente que a Rússia tinha, antes da invasão, legítimas expectativas em não querer que a NATO e a União Europeia se continuassem a alargar para o território que esteve nas últimas décadas na sua esfera de influência. Mas naturalmente que não podemos normalizar a invasão de outros Estados. Na mesa de negociações tem de se encontrar um meio termo, e tanto a Ucrânia como a Rússia vão ter de ceder em certos pontos. Por exemplo, se a Ucrânia quiser aderir à União Europeia, vai ter de ceder noutras coisas. Numa mesa de negociações funciona sempre assim. Há pontos sem ceder. Creio, por exemplo, que o reconhecimento internacional da Crimeia como território russo poderá ser necessário para haver paz na Ucrânia.Defende que, sendo agora a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) nada mais do que um espaço de afirmação de amizade e união simbólica, passe a existir um espaço económico lusófono. Como é que se consegue isso? Consegue-se, antes de mais, se todos os Estados tiverem vontade de levar o projeto da CPLP mais avante. Gostávamos que o português fosse reconhecido como língua oficial das Nações Unidas. O Brasil é uma potência regional muito forte, e portanto faria sentido ter assento permanente no Conselho de Segurança, se não for a CPLP como instituição a ter esse assento. E a verdade é que, apesar de Portugal ser um ponto de ligação entre a Europa e o Brasil, a Europa tem muito medo do que Portugal pode fazer com o Brasil. Por causa do Brasil, consegue pôr a Europa a tremer um bocadinho nas pernas. Tanto que a Europa quis que os brasileiros que vinham para Portugal, e os estudantes e professores dos países da CPLP que vinham para Portugal, não excedessem o território português porque isso violaria o acordo Schengen. Até que ponto é que o fortalecimento da lusofonia é compatível com a vossa ideia de reverter o Acordo Ortográfico? Não somos contra a existência de um Acordo Ortográfico, somos é que contra este Acordo Ortográfico. Inclusive, houve palavras que antes do Acordo Ortográfico eram uniformes entre o português de Portugal e o português do Brasil, e passaram a ser escritas de forma diferente. Faz todo o sentido uma aproximação da escrita portuguesa com a escrita brasileira e a dos países africanos, que nem sequer estão a aplicar, mas o Acordo Ortográfico tem de ser revisto.Na vossa moção defendem que "o mundo académico, a comunicação social e a escola pública são utilizados como veículos de transmissão ideológica das agendas progressistas de esquerda". Pode dar exemplos concretos de como isso se manifesta? Ao longo do século XX começou um movimento académico ligado ao que atualmente se fala de cultura woke, e das novas vagas de feminismo, que deixaram as feministas das primeiras vagas muito tristes. Cada pessoa olha para a realidade do seu ponto de vista e vê-o como uma realidade, sem olhar à realidade objetiva conforme é. Estas visões começaram a ter destaque no mundo académico e a verdade é que as primeiras perguntas que me fez também foram em relação a esses temas. Não tem problema nenhum, porque realmente são coisas que chamam a atenção, e que esses temas acabam por promover esta guerra social, que deixa as pessoas muito abaladas. O principal erro da direita nos últimos anos foi não ter visto isto como uma prioridade, como nós estamos a ver. Os conservadores perderam guerras culturais por falta de comparência?Completamente. Os conservadores no Reino Unido colocam bandeiras arco-íris todos os anos, no mês de junho, e agora isso também se viu nos resultados eleitoreis do Partido Conservador. Não nos podemos estar a enganar a nós próprios: não é o homem que define o que é um homem e uma mulher, a realidade é anterior à perspetiva subjetiva de cada um, e isso é verdade, embora dentro da liberdade de expressão e da liberdade de consciência cada um possa acreditar no que quiser. Agora foi muito bem revertido o guia do "Direito a Ser" nas escolas, no qual era previsto que se um aluno se identificasse com determinado género, sem fazer qualquer tipo de operação, um aluno com barba, podia dizer que se chamava Jéssica, por exemplo, e toda a gente o tinha de tratar assim. Caso contrário, estaríamos a incorrer em crimes de ódio e essas novas constituições que, na verdade, apenas visam a censura e o fim da liberdade de expressão. Calculo que não deve ter gostado nada de este Governo ter feito referência a "pessoas que menstruam".Claro que não. Estive na anterior Comissão Política Nacional da Juventude Popular e veio da nossa parte o mote para as primeiras reações a essas declarações, que existiram da parte do CDS.A vossa moção fala de cibersegurança, de inteligência artificial, mas também contrapõe o mundo rural como "bastião dos valores e tradições que definem a cultura nacional". Quais são esses valores e tradições? Em primeiro lugar, acho que olhar para a cibersegurança e para o mundo rural é muito positivo. Nasci numa aldeia nos arredores de Vila Nova de Gaia, e tenho muitos amigos que vieram das periferias rurais do Porto. Os meus avós foram lavradores na terra onde ainda moro, que fica a 20 minutos de carro do Porto. Vemos muito pessoas que gostam de morar nas suas terras, e estão a ver empurradas para as cidades, também por termos um mau sistema de mobilidade, porque não estão dispostas a morar a três ou quatro horas do seu local de trabalho ou de estudo. Agora, com os novos meios digitais, torna-se cada vez mais possível uma pessoa continuar ligada às terras, continuar ligada ao interior, trabalhando à distância. Conheço famílias que vivem no distrito de Santarém, estão em teletrabalho a maior parte da semana, uma ou duas vezes por semana, fazem o esforço de ir de carro até Lisboa, mas no resto da semana… Quanto às tradições, temos uma postura muito subsidiária. Vemos o país de baixo para cima e não de cima para baixo. Portanto, as minhas tradições em Gaia são muito diferentes das tradições de alguém de Coruche, que também serão diferentes de alguém de Penedono. Por exemplo, gosto de comer papas de Sarrabulho e ver ranchos folclóricos. Alguém de Coruche certamente aprecia mais uma corrida de touros. Vivemos numa sociedade cada vez mais uniformizada e padronizada, e uma pessoa acaba por também não ver grande alternativa. Se quer formar família, se lhe quer dar condições de educação e de saúde, acaba por ser empurrada para este mundo em que somos formigas, em que moramos num T2 ou num T3 num prédio com 10 andares, não conhecemos o vizinho da frente, e acabamos por perder os valores da comunidade. Tenho o luxo de poder ter conhecido todos os meus avós, que graças a Deus estão vivos, e vejo que se tenho uma oportunidade de trabalho, que já me surgiu no estrangeiro, e se me mudar para ter um salário que não iria conseguir em Portugal, terei de abandonar a minha família.Falando de valores e tradições, admite que é possível alguém rever-se na cultura nacional e não, por exemplo, na tauromaquia e na caça? Perfeitamente. Aqui no Norte não faltam pessoas profundamente patriotas e agarradas às suas tradições e às suas terras, mas a tauromaquia não é uma tradição no seu todo.Os círculos uninominais que defendem numa revisão constitucional seriam ou não um suicídio para a manutenção de representação parlamentar do CDS? Acho que não. Basta ver que o CDS tem seis câmaras sozinho, o que é mais do que uma prova de que se houvesse círculos uninominais até estaria melhor representado. Mas não faço esta proposta a pensar no interesse do Partido Popular, faço-a a pensar no interesse do país. A verdade é que as grandes instituições que temos, entre o homem e o Estado, são os partidos políticos, que são máquinas que querem governar o próprio Estado. Acho que o grande flagelo da política nacional são sobretudo os partidos. Queremos que um deputado, mais do que representar um partido, represente um conjunto de pessoas a quem presta contas do que anda a fazer e das decisões que toma. Quem é que sabe o nome do terceiro ou do quarto eleitos do PS ou do PSD no círculo do Porto? Ou de Lisboa, ou de Braga? Se perguntar aos meus vizinhos, eles não sabem. Sabem o nome dos líderes dos partidos.Tendo em conta a proposta de que deixe de haver possibilidade de reeleição do Presidente da República, pode-se inferir que não acredita que Marcelo Rebelo de Sousa esteja a ter um segundo mandato positivo? Marcelo Rebelo de Sousa foi o primeiro a dizer que era contra a existência de segundos mandatos. Podia ter dado o exemplo e aberto um precedente para o futuro. A verdade é que, tendo dois mandatos, o Presidente da República passa o primeiro a tentar ter popularidade suficiente para ter o melhor resultado de sempre depois num segundo mandato. Notou-se que no primeiro mandato Marcelo estava em busca da popularidade e agora neste segundo mandato está muito desgastado, ao ponto de Luís Marques Mendes, que está a tentar seguir as suas pegadas, dar uma imagem de que os portugueses já estão um bocadinho cansados, que é a do Presidente simpático e popular. Popular no mau sentido, digamos assim. Alguém sorridente, que faz os comentários, acerta sempre nas previsões, porque dá todas as possibilidades que existem. É alguém em quem as pessoas se reviam com facilidade, mas está a candidatar-se para um Portugal de 2015, e não se está a candidatar para um Portugal de 2026. Acredita que haveria espaço para o CDS ter um candidato a Belém na sua área política?Tenho a certeza de que há espaço para o CDS ter um candidato na sua área política. Paulo Portas tem capital político para o fazer, mas quem eu gostava que se candidatasse, e certamente teria o apoio de grande parte do partido seria o professor Manuel Monteiro. Mas qualquer candidato da área do CDS-PP vai fazer muita falta ao debate político e acho que tem grandes hipóteses, inclusive, de ficar à frente de Luís Marques Mendes.