Nas eleições autárquicas de 2021 houve 19 vitórias de movimentos de cidadãos, incluindo capitais de distrito como Porto e Guarda, e noutros 23 concelhos ficaram a liderar a oposição. Em setembro ou outubro, quando os portugueses elegerem quem os representa no poder local, alguns dos nomes mais emblemáticos que têm desafiado a lógica partidária deixarão de estar na lista, por razões diferentes, mas outros estão a colocar-se em campo, como a ex-comunista Maria das Dores Meira, de regresso à Setúbal, pelo que se poderá manter o peso dos independentes no mapa autárquico.Garantida está a saída de Rui Moreira, que termina o terceiro mandato no Porto, prevendo-se que o movimento que o elegeu - mesmo que candidate o vice-presidente da autarquia, Filipe Araújo - não tenha hipóteses de se intrometer na disputa entre o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, que deve avançar pela Aliança Democrática, e o antigo ministro e eurodeputado socialista Manuel Pizarro. Por outro lado, na Figueira da Foz a recandidatura de Pedro Santana Lopes terá desta vez apoio do PSD, permitindo englobar a previsível vitória na ofensiva social-democrata para reconquistar a Associação Nacional de Municípios Portugueses. No mesmo sentido, embora menos provável, iria a associação do PSD à recandidatura de Isaltino Morais em Oeiras.Entre os outros presidentes de câmara eleitos por movimentos de cidadãos não falta quem pretenda manter-se sem depender de partidos, ainda que parte deles tenham percurso partidário. Assim sucede com Rondão Almeida, decano dos autarcas, que aos 81 anos quer continuar à frente da Câmara de Elvas, que governou de 1994 a 2013 pelo PS. De igual forma, João Campolargo recandidata-se em Ílhavo, António Jorge Franco na Mealhada, Flávio Massano em Manteigas e Manuel Cordeiro em São João da Pesqueira, com apoio das estruturas do PS e do CDS no concelho da Beira Alta.Mais incerto é o cenário noutros concelhos. Outro veterano, Raul Castro, presidente da Câmara da Batalha entre 1989 e 1997, como independente eleito pelo CDS, antes de transitar para a Câmara de Leiria, que liderou por três mandatos, mas nas listas do PS, voltou à Batalha nas autárquicas de 2021, sendo o mais votado, à frente de um movimento de cidadãos. A cerca de meio ano das eleições, Castro disse ao DN que irá decidir nas próximas semanas se volta a entrar na corrida.A Guarda é outra capital de distrito que nos últimos quatro anos escapou aos partidos, sendo governada pelo movimento do dissidente social-democrata Sérgio Costa, mas PSD e PS têm esperanças de a recuperar. De igual forma, em Aguiar da Beira, onde o independente Virgílio Cunha se recandidata, o PSD aposta na vitória, tal como na Anadia, onde o líder concelhio Pedro Esteves, diretor de comunicação do Governo, recrutou o atual vice-presidente Jorge Sampaio, eleito pelo movimento de cidadãos liderado por Teresa Cardoso, que não se pode recandidatar..Mais a Sul, Vítor Marques recandidata-se nas Caldas da Rainha, onde pôs termo a décadas de governação do PSD, enquanto em Peniche Henrique Bertino tem enfrentado dificuldades no segundo mandato, com o fim do acordo entre o seu movimento e o PS. Já na Marinha Grande, Aurélio Ferreira terá forte concorrência do socialista Paulo Vicente, antigo presidente da câmara. E na Golegã, liderada desde 2021 por António Camilo, que antes de ser candidato independente foi presidente da Junta de Freguesia da Golegã pelo PS, haverá recandidatura, embora o movimento passe de “2021 é o Ano” para “2025 por Todos”. Por último, António Anselmo está no terceiro mandato na Câmara de Borba, pelo que não se pode recandidatar. E o mesmo sucede na Ribeira Brava (Madeira) e na Calheta (Açores).Novos e velhos protagonistasEm sentido contrário, dissidentes de partidos podem suplantar todos os partidos. Sobretudo Dores Meira, que lançou no ano passado um movimento independente para retomar a Câmara de Setúbal, que deixou em 2021, por limitação de mandatos, tentando então recuperar Almada para a CDU. Agora, já desfiliada do PCP, espera não só impedir a reeleição do sucessor, André Martins, como também evitar que PS, AD ou Chega fiquem a presidir esta capital de distrito.Também na Península de Setúbal, Fernando Caria, atual presidente da Junta de Freguesia do Montijo e Afonsoeiro, que se afastou do PS ao não ser escolhido pelo partido, e poderá intrometer-se na renhida luta pela autarquia. Tal como em Braga, o presidente da Junta de Freguesia de São Victor, Ricardo Silva, até agora eleito pela coligação de centro-direita, ameaça baralhar contas.Entre os movimentos de cidadãos que lideram a oposição há alguns mais orgânicos, como o Mais, que candidata o vereador Gonçalo Naves (ver entrevista ao lado), mas também dissidentes de partidos. O Ponte de Lima, Minha Terra teve 28% em 2021, sem que o centrista Abel Baptista retirasse a autarquia ao CDS. Tal como o Movimento Mais Mesão Frio, com 32,55%, não permitiu ao ex-socialista Mário Sousa Pinto, que foi candidato do Bloco de Esquerda, derrotar o PS no concelho transmontano. Em Castelo Branco, o Sempre, movimento do ex-presidente da autarquia socialista Luís Correia, que ficou perto de derrotar o PS em 2021, chegou a acordo para uma candidatura conjunta com a AD. Vários outros antigos presidentes apostam forte, incluindo os ex-socialistas Elisa Ferraz (Vila do Conde) e Rogério Abrantes (Carregal do Sal), ou Luís Mourinho (Estremoz) e António Recto (Redondo), mas o caso mais emblemático é Manuel Marreiros, eleito presidente da Câmara de Aljezur pela CDU e pelo PS, sempre enquanto independente, e que em 2021 ficou a 79 votos da vitória pelo Movimento Independente Renascer.“Só entrei no jogo na segunda parte e, mesmo assim, fui aos penáltis”, disse ao DN, confirmando a recandidatura como independente, sem ver nisso vantagem ou desvantagem. “Nunca houve um governo do PCP, mas quando fui eleito pelo PS havia governos socialistas”, recorda o produtor agrícola da Costa Vicentina, que diz nunca ter sentido “qualquer pressão”. Difícil, para si, é a falta de eleitores, que retira peso a concelhos mais pequenos.Entrevista ao candidato à Câmara de Sines pelo Mais, Gonçalo NavesQuais são as vantagens e desvantagens de uma candidatura autárquica independente?Falando do caso de Sines, ninguém além de nós determina como serão tomadas as decisões. Sabemos que as candidaturas partidárias, além de obedecerem à estrutura local, têm de prestar contas a estruturas distritais e nacionais que, muitas vezes, têm pouco conhecimento daquilo que acontece e pode existir conflito de interesses entre vontades de um lado e de outro. Connosco, quem vai governar Sines somos nós, juntamente com os sinenses e os portocovenses.Integrando um executivo camarário com vereadores do PS e do PCP, o Mais representa alguma área ideológica?A política autárquica é muito menos ideológica, sobretudo numa terra pequena, do que a política nacional. Procuramos soluções moderadas e vamos beber boas ideias a todos, ou a alguns, setores do espetro ideológico, mas somos sobretudo pragmáticos e procuramos as melhores soluções para cada problema com que nos defrontamos em Sines.Há uma conjugação de fatores interessante nas autárquicas em Sines, pois o incumbente está no terceiro mandato, e não voltará a ir a votos, e existe todo o manto que a Operação Influencer lançou sobre a cidade e a gestão autárquica. Qual será o fator mais decisivo? Penso que o fator mais decisivo será a circunstância de o atual presidente não se poder recandidatar. Olhando historicamente para as autarquias, é nesses momentos que o eleitorado decide trocar de liderança política. A Operação Influencer é um processo judicial que creio estar ainda na fase de inquérito e não nos preocupa, nem queremos que seja fundamental na campanha. Poder relacionar-se bem com qualquer Governo tem potencial de vos distinguir da candidatura do PS? Creio que sim, porque vamos procurar sempre as melhores soluções, ser pragmáticos e relacionarmo-nos com quem tivermos de nos relacionar, sempre com atitude de abertura. Sabemos que entre os grandes partidos existem determinadas tensões, mas para nós esse tipo de problemas não existem. Tenho a certeza absoluta de que nos vamos relacionar bem com quem estiver a governar Portugal. Até porque será um mandato de quatro anos e não é certo que seja o mesmo Governo que teremos ao longo desse tempo caso ganhemos a Câmara de Sines..Autárquicas. Entre renovação e continuidade, PS já tem 90% dos nomes fechados.Autárquicas. PSD "não vai permitir" candidatos “acusados” pela Justiça