Legislativas: Gouveia e Melo quer que se discutam propostas e não qual o político mais imaculado
O almirante na reserva Gouveia e Melo defendeu esta quinta-feia que na campanha das próximas eleições legislativas se deve discutir propostas e não se o político "A" é mais imaculado do que o adversário, e recusou ser antipartidos ou autoritário.
Henrique Gouveia e Melo, ex-chefe do Estado-Maior da Armada e potencial candidato a Presidente da República, falava num almoço debate promovido pelo International Club of Portugal, num hotel de Lisboa.
Nas respostas a perguntas de cidadãos presentes nesse almoço, o almirante começou por abordar a questão do sistema de justiça. Sobre este tema, considerou que "a única tentação em que o poder judicial não pode cair é numa justiça de pelourinho", ou seja, "uma justiça mediatizada, porque isso corrói o próprio sentido de justiça".
Porém, mais do que sobre justiça, o almirante foi sobretudo confrontado com questões relativas sobre ao "comportamento da classe política".
Neste ponto, Gouveia e Melo lamentou que "se ande a discutir o comportamento do político A, do B, do C e parece que não interessa discutir quais são as opções políticas".
"Pelo contrário, enquanto cidadão, gostaria de poder optar entre o programa A, B ou C. Para o fazer, eu gostaria de ter propostas concretas", contrapôs.
Em relação ao atual clima político, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada foi um pouco mais longe nas suas críticas, deixando mesmo advertências sobre a qualidade futura dos políticos.
"Vamos correr o risco de discutir se o fulano A, B ou C é mais imaculado ou menos imaculado do que o outro em vez de discutir o que cada um tem para nos oferecer enquanto governante? ", perguntou, antes de procurar realçar o caráter benéfico da experiência profissional anterior ao exercício de cargos políticos.
"A certa altura, ninguém pode fazer política, a não ser um quadro partidário que nunca fez mais nada, a não ser colar cartazes. Isso seria péssimo para o sistema político. É preciso ter cuidado e não exagerar. É importante que os nossos líderes tenham ética republicana, mas não andarmos à procura de tudo e mais alguma coisa, porque a certa altura podemos querer ficar com os anjos sem capacidade de governação", reforçou.
Depois, o almirante rejeitou que seja autoritário ou contra os partidos.
"Defendo os partidos, mas os partidos não são a pessoa. O partido é o conjunto de ideias que um grupo de pessoas defende. Se nós vamos fulanizar o partido, depois temos problemas", apontou, sem especificar uma situação em concreto.
Neste contexto, fez também questão de distinguir autoridade e autoritarismo e, a propósito de consensos, vida militar e sociedade civil. Gouveia e Melo reconheceu então que na vida militar "a ação prevalece sobre o consenso".
"Na vida militar, não há tempo para consensos. As situações são de tal maneira graves, complexas e urgentes que, se estivéssemos a adotar soluções por consenso, não teríamos uma única vitória. O que não significa que, mudando dessa vida, não perceba que o modelo da sociedade civil é um modelo totalmente distinto e que não esteja habituado, ou que não possa habituar, a viver num modelo diferente", sustentou.
Apesar das diferenças entre vida militar e civil, Gouveia e Melo acrescentou que na Marinha a maior parte das opções é tomada por consenso, "porque é muito difícil levar um grupo de homens forçados a fazer qualquer coisa".
"Uma coisa é estar numa aeronave e tomar as decisões. Outra coisa é estar num navio, que tem lá 200 homens e é muito mais difícil. Portanto, esses consensos, de alguma forma, se estabelecem, só que se estabelecem num sistema mais hierarquizado e mais disciplinado, mas com muita discussão interna", completou.
Almirante quer liderança com ética que olhe para o mundo e não para o umbigo
O almirante Gouveia e Melo afirmou esta quinta-feira que Portugal precisa de uma liderança com ética que olhe para o mundo e não para o umbigo perante uma nova ordem mundial caracterizada pela lei do mais forte.
Esta foi uma das posições defendidas pelo antigo coordenador do processo de vacinação contra a covid-19 e potencial candidato a Presidente da República num almoço debate muito concorrido promovido pelo International Club of Portugal, num hotel de Lisboa.
Durante cerca de uma hora, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada falou principalmente sobre geoestratégia mundial, mas nas suas sucessivas intervenções também procurou negar que tenha uma visão autoritária do sistema político, ou que possua uma cultura antipartidos, assente num ideário messiânico relativamente ao futuro de Portugal.
Gouveia e Melo defendeu a tese de que na nova ordem mundial - dominada pelos Estados Unidos, Rússia e China - impera a lei do mais forte e que estão a esbater-se as regras do direito internacional criadas após a II Guerra Mundial.
"Temos que estar preparados para viver nesse mundo. E quem pensar que não será assim, é só uma questão de tempo para acordar", defendeu, para deixar então alguns recados em relação à questão nacional.
"O que nós precisamos é de lideranças capazes de perceber o mundo em que nós estamos envolvidos, em vez de olharem para o umbigo, para a nossa aldeiazinha. Precisamos de lideranças que olhem para o exterior e desenvolvam um dos pilares da democracia: A prosperidade. Sem prosperidade só podemos distribuir pobreza e não riqueza", advertiu.
Um ponto em que o levou igualmente a sustentar que Portugal precisa de lideranças com visão estratégica para o país alcançar mais prosperidade, mas também de "uma liderança com valores".
"A liderança tem que ter valores. Um dos valores básicos da liderança é a ética - e sobre isto não vou dizer muito mais", disse.
No entanto, mais à frente, já no período de resposta a perguntas da plateia, o almirante voltou ao tema da ética, embora para ressalvar que não quer "anjos imaculados sem capacidade governativa" e que, pelo contrário, deseja que nas próximas eleições os partidos discutam sobretudo propostas.
O ex-chefe de Estado-Maior da Armada deixou ainda um recado crítico, mas sem identificar o destinatário, para agentes que promovem a instabilidade.
"A instabilidade permanente é perigosa para nós. As opções vão passar por nós como um comboio de alta velocidade e se perdermos esse comboio podemos uma mais uma vez perder um comboio do nosso desenvolvimento para a nossa afirmação. Não é nenhuma afirmação nacionalista, mas uma afirmação de um povo que quer ter prosperidade, quer ter equidade, quer ter liberdade e quer ter segurança", declarou.
Neste contexto, Gouveia e Melo pediu aos empresários nacionais para que sejam "os comandantes e os capitães das novas caravelas portuguesas, porque só assim é a nossa sociedade pode ser mais inclusiva, pode diminuir as assimetrias e pode responder ao outro pilar da democracia, que é a equidade".
"A História provou que os povos mais desenvolvidos e que depois desenvolvem uma democracia muito madura são aqueles em que a classe média e média elevada são numericamente a classe mais significativa da população", acrescentou.
No período de perguntas, o presidente do International Club of Portugal questionou-o quando tenciona apresentar a sua candidatura presidencial, mas Gouveia e Melo não se moveu.
"Essa é uma pergunta com o rabo de fora, porque se eu respondesse sobre a data, imediatamente estaria a dizer que me iria candidatar", começou por declarar, provocando risos na plateia.
A seguir, falou de um jovem que, com 18 anos, "prometeu dar a vida pelo país e esteve com essa promessa dentro da cabeça durante 45 anos, mas que agora que saiu e que se libertou dessa promessa poderá fazer uma de duas coisas: ir para casa descansar e estar com o netinho ou fazer outra coisa na vida".
"De facto, tenho estado pouco com o meu netinho", afirmou.