Foi na Gare Marítima de Alcântara, um dos edifícios lisboetas que melhor espelham a ideia de Portugal ser onde a terra acaba e o mar começa, que Henrique Gouveia e Melo defendeu que “agora, mais do que nunca, precisamos de um Presidente da República diferente”. Num discurso sem direito a perguntas, no início da noite desta quinta-feira, o almirante que já foi chefe do Estado-Maior da Armada e coordenador da taskforce para a vacinação contra a covid-19 apresentou a sua candidatura ao Palácio de Belém enumerando qualidades como ser “capaz de unir, motivar e dar sentido à esperança”, mas também prometeu ser “estável, confiável e atento, acima de disputas partidárias e fiel ao povo que o elegeu”.No que aparentou ser uma crítica implícita a Marcelo Rebelo de Sousa, titular do cargo que irá disputar nas urnas em janeiro de 2026, Gouveia e Melo comprometeu-se a ser “um Presidente que não seja um mero espectador da vida política” e garantiu que usará a palavra “com contenção, substância e propriedade”.“Serei um Presidente que respeitará os partido políticos, pilares fundamentais da democracia, tendo sempre em mente que o Presidente da República não governa”, disse ainda o candidato presidencial que tem aparecido à frente em todas as sondagens relativas às eleições presidenciais, não obstante só ter confirmado oficialmente essa intenção nesta quinta-feira.Gouveia e Melo justificou a entrada na corrida à sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo que nos últimos três anos sentiu “de forma crescente” o apoio para que se candidatasse. Descreveu-o como “espontâneo, genuíno e persistente”. E disse que teve dois efeitos: “Muito me honra, mas também muito me responsabiliza”.Sobre o que sucedeu nesses últimos três anos, começou por dizer que “o Mundo também mudou muito”. E sublinhou que não para melhor pois vê “nuvens carregadas de incerteza e de perigo no horizonte”. Por a guerra ter voltado à Europa, “destruindo a ilusão de uma paz garantida”, enquanto o Ocidente “vacila, divide-se e perde o rumo”. Não se coibiu de criticar Donald Trump, que a partir de 2026 talvez o venha a receber na Casa Branca, dizendo que os Estados Unidos “já não garantem segurança e lançam incerteza”. E também advertiu para a economia global, que se retrai e que vai “esmorecer a esperança”.Na panorâmica pouco animadora que o terá motivado a avançar com a candidatura presidencial também houve um reparo para a situação política nacional. Após advertir que “as democracias são atacadas por fora e corroídas por dentro”, Gouveia e Melo sublinhou que “Portugal não está imune nem isolado numa redoma protetora” - reforçando os sinais de que não será complacente com o que considere serem extremismos.“Estou aqui porque não consegui ficar de braços cruzados”, disse Gouveia e Melo, prometendo a mesma entrega com que serviu Portugal durante 45 anos e a coragem com que jurou “dar a vida pela pátria se fosse necessário”. Sempre realçando a “experiência de quem liderou em momento difíceis” e a “confiança de quem acredita que juntos conseguimos ultrapassar grandes desafios”.Entre outras referências ao seu percurso, destacou ter estado “no meio das cinzas e da dor”, após os incêndios que devastaram Pedrógão Grande, e o seu papel durante a pandemia de covid-19, “quando Portugal mais precisava de organização e de liderança”..O pensamento político de Gouveia e Melo. Almirante centrista alia preocupações económicas e sociais.Também falou dos problemas de Portugal, detendo-se na Saúde, Educação e Habitação, sem esquecer “fragilidades” como a “pobreza estrutural”, a “economia frágil”, a “justiça lenta, desigual e distante” ou a “imigração sem integração”. Reiterando que o pior perigo que o país enfrenta é a “falta de coragem para fazer o que tem de ser feito”, uma nota dominante do seu discurso foi a necessidade de existir reformismo e, em simultâneo, a estabilidade política que tem faltado nos últimos anos. “Não estamos condenados a uma lógica de ciclos curtos quando o país pede transformação e quando os portugueses exigem ação”, disse.O início do discurso de Gouveia e Melo começara com uma declaração pouco surpreendente, mas nem assim pouco aplaudida pelos apoiantes que encheram a Gare Marítima de Alcântara. “Portugueses, apresento-me diante de vós como candidato à Presidência da República”, disse.A todos eles acabou por dirigir uma série de desafios com que terminou a sua intervenção, intercalada apenas pelos aplausos das centenas que o escutavam e por duas pausas para beber água, convocando todos “para um futuro com esperança, para um país que não se resigna, para um país com vontade e ambição, e para uma democracia que não fraqueja”. Aquilo que disse ser a chave para um “país livre, justo, próspero e solidário”, que aposte na inovação,Apresentando o futuro de Portugal como “causa comum”, num discurso que terminou com três vivas (à esperança, à democracia e a Portugal), o agora candidato presidencial garantiu contar sobretudo com os jovens, pela sua “energia, irreverência e vontade de mudar o mundo”. No final foi rodeado por alguns, que subiram ao palanque, enquanto o almirante, de 64 anos, levava a mão ao coração antes de cantar o hino nacional. Agora, aquele que promete “Unir Portugal”, tem pela frente uma longa campanha. .Candidatura junta apoios na área da AD.O apartidarismo da candidatura de Gouveia e Melo não impede que o almirante tenha entre os apoiantes muitas figuras ligadas aos partidos da AD. É o caso do antigo presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim; dos ex-ministros Ângelo Correia, Martins da Cruz e Rui Gomes da Silva; ou do ex-líder parlamentar do PSD, Adão Silva, tal como o ex-presidente da Câmara de Sintra, Fernando Seara. O mesmo sucede com o ainda presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, e, entre outros membros do CDS, o antigo líder centrista Francisco Rodrigues dos Santos, e o atual vice-presidente do Governo Regional dos Açores, Artur Lima. A lista inclui ainda o presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Morais, a quem Marques Mendes, então líder do PSD, retirou apoio nas autárquicas de 2005.