Filipe Sousa (JPP). “Palavra sem ação é tiro sem bala”
Há dez anos disse que “todos são bem-vindos, não discriminamos ninguém”. Ainda defende essa ideia?
Com certeza que sim. Continuamos abertos a todos os que praticam os valores da democracia, da liberdade, da tolerância e da justiça. Que se preocupam com o sentido de comunidade e queiram contribuir, com as suas experiências, saberes e disponibilidade, para ajudar o JPP a fortalecer a sua ação política focada no primado do ser humano e no alívio das suas dificuldades.
O JPP ainda continua a ser “difícil de definir”, como na altura disse, por ter nascido “de um movimento criado por necessidade da população”?
O JPP e os seus fundadores sempre souberam quem eram, de onde vinham e para onde queriam ir. Há mais de uma década, a questão ideológica era ainda muito presente na política, mas o facto de o movimento brotar de um conjunto de homens e mulheres livres, oriundos de uma comunidade local, que conheciam as dificuldades do dia-a-dia das pessoas e o que queriam era ser agentes de mudança e melhorar a vida das pessoas, essa questão não se colocou porque os próprios fundadores, pessoas do Povo, tinham diferentes geografias políticas.
Mas isso não quer dizer que, mesmo nessa fase, ainda embrionária do JPP, nós não tivéssemos consciência de que o exercício do poder em democracia obriga a respeitar um conjunto de princípios orientadores.
Por isso é que o JPP elaborou a sua “Declaração de Princípios” com as principais bases orientadoras, uma espécie de guia-luz, onde se postula o princípio da liberdade individual e da propriedade privada; o princípio da vida e dignidade da pessoa humana; o princípio do respeito pelos costumes sociais; o princípio da desconcentração e descentralização do poder; a defesa de uma sociedade liberal, assente num espaço público neutro (livre das hegemonias religiosas ou doutrinárias); princípio da solidariedade e da universalidade.
Os princípios fundacionais do JPP não se alteraram. Somos um partido nacional de base regional e regionalista. Um partido de cidadania, moderado, herdeiro da Autonomia, e um partido da Madeira, dos madeirenses, do Povo português e de toda a classe trabalhadora.
A integração da palavra “Povo”, na denominação do JPP, não foi para rimar. Foi para garantir a inclusão de uma política popular, não populista, e para chamar à razão e ao rés-do-chão, de quando em vez, os seus líderes.
Qual é “característica muito humanista” do JPP que quer levar “a Portugal no seu todo”?
A nossa raiz de nascença, no âmago de uma comunidade local, o que não sucede com mais nenhum outro partido nacional, deu-nos um profundo sentido de comunidade e proximidade, que se foi alicerçando, depois, com a conquista de cinco juntas de freguesia na Madeira, a presidência da segunda maior autarquia da Região, Santa Cruz, a ascensão ao lugar de segundo maior partido da Madeira e líder da oposição na Assembleia Legislativa Regional da RAM (ALRAM), e agora a representação do JPP na Assembleia da República.
Este crescimento territorial do JPP não é uma dádiva. É o resultado de um forte sentido de comunidade, trabalho de proximidade, diálogo, tolerância, transparência, mas também de uma permanente fiscalização da ação governativa.
Temos gabinetes de atendimentos personalizado. Escutámos as pessoas, registamos as suas dificuldades e trabalhamos as soluções. Não deixamos ninguém sem resposta, falamos a verdade e não nos prometemos com o que não está ao nosso alcance. Muitas vezes e na sequência dos atendimentos, acabamos por resolver questões que são da responsabilidade da governação regional, mas conforta-nos saber que devolvemos alegria e esperança a essas pessoas, a essas famílias. É esta corrente humanista que nos distingue e que queremos tentar no território continental se tivermos condições e logística para isso.
Explicou o crescimento da extrema direita dizendo que “os governos falham e há o aproveitamento desse falhanço”. De que falhas está a falar?
A extrema direita só tem vindo a crescer porque os partidos tradicionais, PSD, PS, CDS e mesmo PCP e BE, todos com responsabilidades ou influência nos diversos executivos que têm governado o país nas últimas décadas, falharam e revelaram-se incapazes para resolver os problemas reais das pessoas, como são os casos concretos da falta de habitação, as demoras crónicas e perda de qualidade na saúde, os salários baixos, o custo de vida elevado, os transportes públicos caóticos, só para dar alguns exemplos ao nível nacional.
Que falhas houve na Madeira que expliquem o segundo lugar do Chega nestas eleições?
A Madeira não é o oásis muitas vezes pintado e referenciado pela generalidade da comunicação social por desconhecimento dos problemas concretos de quem vive e trabalha numa Ilha.
A Madeira tem um problema muito maior do que o continente na falta de habitação. Nos últimos três anos, assistimos à privação da classe média para comprar ou arrendar casa porque na Região e no País quem trabalha aufere salários de apenas 65% da média europeia (37.900 euros na UE e 22.933 euros em Portugal, dados 2023).
A Madeira tem a taxa mais elevada de desemprego jovem do país. Ostenta a segunda maior taxa de população empregada considerada pobre (15,7% da população que trabalha, cerca de 20 mil pessoas). Há mais de 70 mil madeirenses em risco de pobreza. A monstruosa dívida criada pelo PSD retira todos os anos cerca de 600 milhões de euros dos impostos dos madeirenses e porto-santenses, para o pagamento e serviço da dívida.
Desde de 2015 que PSD-CDS estão para repor o diferencial fiscal de 30% no IVA, IRS e IRC uma medida consagrada constitucionalmente para fazer face aos custos acrescidos da insularidade, mas PSD-CDS açambarcaram esse direto constitucional dos madeirenses e porto-santenses e agora dizem que só reduzem o IVA se o Governo Central alterar a lei para um regime de capitação simples.
A mobilidade aérea e marítima na Madeira tem custos exorbitantes. Não faz sentido haver uma lei que consagra ao residente o direito a pagar 79€ e o estudante 59€, mas a maior parte das vezes o preço da viagem atinge facilmente os 300€, 400€ e 500€ e o residente tem que ter esse valor para adiantar ao Estado porque o Estado só faz o reembolso do que foi pago acima dos 79€ depois da viagem realizada.
O monopólio dos transportes marítimos de carga entre Lisboa e o Funchal tem um impacto significativo no elevado custo de vida na Madeira. O domínio da imprensa pertence a empresários afetos ao poder regional. Os processos de alegados crimes de corrupção envolvendo empresários, o atual presidente do governo regional e ex-secretários regionais, o demissionário presidente da Câmara do Funchal, todos constituídos arguidos.
Todas estes problemas, assim como a ausência da prometida linha marítima por ferry de passageiros e carga, tornam a vida muito difícil às pessoas que vivem na Madeira e Porto Santo. São problemas que PSD-CDS não resolvem há anos e por isso o populismo encontrou terreno fértil também na Madeira.
A soma de votos revela que JPP e PS juntos teriam quase 36 mil votos e seriam, assim, a segunda força política. Em que circunstâncias eleitorais devem JPP e PS estar unidos? Acontecerá nas próximas autárquicas?
O JPP, sozinho, já é o segundo maior partido da Região, com mais de 30 mil votos conseguidos nas eleições regionais de 23 de março último. O JPP tem feito o seu caminho de forma autónoma, e assim pretende continuar. Precisamos de consolidar o nosso projeto político, que é relativamente novo. Outra coisa é a nossa disponibilidade para, a cada momento, avaliarmos projetos que possam constituir-se uma alternativa credível e bem preparada para responder às necessidades das populações.
Que propostas, as “questões da Madeira [que] estarão à frente”, vai apresentar na Assembleia da República?
Queremos tirar do marasmo a revisão da Lei de Finanças Regionais, avançar com urgência para o modelo fiscal diferenciado, atualizar o Estatuto Político-Administrativo e assegurar a estabilidade do Centro Internacional de Negócios.
Avançar com a criação de uma Estrutura de Missão, um projeto inovador, para, no espaço de uma legislatura, se saber quanto custa viver nas Ilhas, um trabalho, estudado e verificado, que reputo de maior importância para acabar com as desconfianças sobre a autonomia e um instrumento vital para futuras negociações com Bruxelas e o Estado português.
Iremos trabalhar logo no início do mandato para desbloquear o decreto-lei aprovado e promulgado pelo Presidente da República, mas nunca regulamentado pelo Governo do PS para que os residentes paguem apenas 79€ e os estudantes 59€, nas viagens aéreas para o continente.
A linha ferry é fundamental e estratégica para reduzir o preço das mercadorias, baixar o custo de vida e abrir portas a que possamos ter na Madeira mais uma grande superfície comercial para aumentar a concorrência nos bens alimentares e termos preços mais baixos. O custo de vida na Região é uma dor de cabeça para a maioria das pessoas e das famílias.
Temos de encontrar mecanismos para fazer crescer o salário da classe média e dos trabalhadores com mão-de-obra especializada; criar um pacto Região-Estado-União Europeia para a construção urgente de habitação a preços acessíveis porque construir casa na Madeira custa mais 30% a 40% do que no continente; consagrar um salário justo para os jovens licenciados e aumentar os apoios à população idosa com pensões baixas; reforçar o financiamento da Universidade da Madeira para compensar os custos da insularidade e ultraperiferia.
Queremos contribuir também para a coesão nacional, ajudando a eliminar as muitas “Ilhas” de isolamento económico e social que PSD, PS e CDS criaram um pouco por todo o país ao longo das últimas décadas.
Em que circunstâncias colocará “a estabilidade nacional, aquilo que o país precisa” como prioridade?
A estabilidade governativa será sempre uma utopia se os partidos não cuidarem primeiro da estabilidade social. O todos, todos, todos, apregoado por alguns partidos, tem que ter realização prática.
O padre António Vieira ensinou-nos que “palavra sem ação é tiro sem bala”. Os partidos devem olhar menos às suas claques e decidir em atenção às necessidades reais das populações, das famílias, das pequenas e médias empresas. Unir-se nas políticas e reformas para travar o empobrecimento do país. Mas para isso é preciso coragem política para enfrentar os grupos de interesse e governar com sentido de comunidade e bem-comum.
A estabilidade política e governativa é da responsabilidade de todos. Daí a importância de decisões promotoras do desenvolvimento económico para garantir a paz social. Os deputados têm a obrigação de trabalhar para reduzir as assimetrias sociais, as desigualdades, a defesa dos que são arrastados para as periferias, sem acesso a cuidados de saúde e habitação, excluídos dos apoios sociais, da justiça e de uma educação de qualidade.
O JPP tem uma noção clara das dificuldades dos portugueses, de um modo geral, e, na medida do possível, quer contribuir para resolver alguns desses problemas. É preciso empreender medidas e reformas que retirem o país do recuo imparável em relação à União Europeia, evidenciado em números muito preocupantes como, por exemplo, os salários que são de apenas 65% da média europeia, como já foi aqui referido; Portugal é o país da UE onde as pessoas com 65 ou mais anos de vida têm o pior nível de qualidade de vida, a que se soma o valor miserável das pensões.
O que resta, como já foram chamados, dos “loucos gauleses”?
Quando um grupo de cidadãos, modestos e desconhecidos, decide criar um movimento e enfrentar o poder absoluto de Alberto João Jardim, isso deixou muita gente incrédula. Daí, associarem a aventura épica dos Três Mosqueteiros à ousadia do JPP para enfrentar um enredo político regional muito musculado e totalmente dominado, na época, pelo PSD.
Desses primórdios, ainda sobeja muita da essência dos “loucos gauleses”, nomeadamente a coragem, a argúcia para enfrentar os lobbies e fiscalizar de forma permanente a ação governativa, a humildade, a luta pela transparência, o sentido de comunidade. Tudo isso permanece com outra sabedoria, prudência e maturidade, fortalecida pelo tempo, experiências e conhecimentos adquiridos e maiores responsabilidades políticas.
Em que lugar do Parlamento gostaria de ficar sentado?
Onde quer que nos coloquemos ou venham a colocar-nos, nada altera os valores, a determinação, o pensamento e o modo como o JPP desenvolve a sua ação política. Permita-me responder da seguinte maneira: a sua pergunta trouxe-me à memória o movimento que os sacerdotes fazem quando utilizam o incensório, na celebração das missas. Primeiro, movem-no em direção ao centro, depois para a direita e a seguir para a esquerda.
O partido
Nasceu “PPG - Pelo Povo da Gaula” a 3 de maio de 2008, foram movimento de cidadãos Juntos Pelo Povo, vencem nas autárquicas de 2013 a câmara de Santa Cruz e são partido em 2015. No ano passado, ultrapassaram o PS e são, agora, o 2.ª partido na Madeira. Filipe Sousa começou a vida política no PS, fundou com o irmão, Élvio Sousa, o movimento e o partido e nos últimos 12 anos foi presidente da câmara de Santa Cruz, Madeira.
A eleição
A maior fatia, mais de 70%, dos 17.115 votos que deram a eleição de Filipe Sousa foram obtidos no Funchal e Santa Cruz. Os do continente, que não contaram esta entrada no Parlamento acrescentaram 3011 votos ao JPP.