A conferência de líderes da Assembleia da República, realizada na manhã de terça-feira, adiantou 24 horas um dos testes que o Governo vai enfrentar devido ao percurso empresarial de Luís Montenegro. Ao contrário do que era vontade do PCP, que demorou poucos minutos na noite de sábado a reagir à declaração ao país, na qual o primeiro-ministro instou a oposição a “declarar sem tibiezas” se lhe reconhece condições para cumprir o Programa de Governo, a segunda moção de censura no espaço de duas semanas será debatida e votada nesta quarta-feira. Doze dias após o insucesso da iniciativa do Chega, que teve apenas os votos dos seus eleitos (incluindo o não inscrito Miguel Arruda) e a abstenção dos quatro comunistas, que assumem agora o protagonismo. Embora digam que a polémica em torno da Spinumviva, empresa fundada por Montenegro, só torna mais atual a tentativa de fazer cair um Governo com más opções políticas. .Única moção de censura aprovada deu maioria absoluta ao PSD .A moção do PCP tem alguma hipótese de ser aprovada?.Nenhuma. Quanto muito, terá os votos favoráveis de quatro deputados do PCP, cinco do Bloco de Esquerda, da deputada única do PAN e, eventualmente, dos quatro do Livre. Como os 80 deputados do PSD e do CDS não se irão autocensurar, para atingir os 116 deputados necessários à aprovação da moção de censura era preciso que tanto o PS quanto o Chega votassem a favor. Mas já foi anunciado que os dois maiores partidos da oposição não o farão, optando pela abstenção, enquanto a Iniciativa Liberal votará contra. À saída da conferência de líderes, Mariana Leitão reiterou que o seu partido discorda dos “princípios políticos” do texto comunista, tendo uma “visão antagónica” em temas como as parcerias público-privadas, manutenção da TAP no sector empresarial do Estado e participação de privados nos cuidados de saúde. Ao final da noite desta terça-feira, a orientação de voto foi confirmada pelo líder do partido, Rui Rocha.Também na manhã desta terça-feira, a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, admitiu que quaisquer eventuais conflitos de interesses de Luís Montenegro, face à carteira de clientes da Spinumviva, numa “mistura de cargos políticos e interesses particulares”, servem para “dar ainda maior atualidade” a uma moção de censura que contesta as opções políticas do Governo, com “favorecimento de grupos económicos” e uma política “assente em baixos salários e baixas pensões” ou na “degradação do Serviço Nacional de Saúde e da Habitação”..O chumbo da moção do PCP trará sossego ao Governo?.Muito pelo contrário. O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, anunciou na segunda-feira que o seu grupo parlamentar vai apresentar um requerimento potestativo para constituir uma comissão parlamentar de inquérito à empresa criada por Luís Montenegro - que cedeu as quotas à mulher ao ser eleito presidente do PSD, tendo anunciado no sábado que a Spinumviva será doravante detida na íntegra pelos filhos do casal -, pelo que todo o agregado familiar do primeiro-ministro, e também empresários de quem é amigo, mas com os quais teve relações profissionais, incluindo a família Violas, detentora da Solverde, serão chamados à Assembleia da República. Algo que implica um efeito de “lume brando” para a governação do líder social-democrata.Também por isso, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, que participou na conferência de líderes à distância, retomou a possibilidade de o Governo apresentar uma moção de confiança. Algo que implicaria a sua queda, tendo em conta a exiguidade do apoio parlamentar de que dispõe, e o facto de bastar uma maioria simples manifestar interesse em que deixe de estar em funções. Como o PS e o resto da esquerda votariam contra, só o Chega teria condições de “salvar” Montenegro, o que implicaria uma reviravolta total do partido de André Ventura, visto como um dos possíveis beneficiados de novas eleições antecipadas.Certo é que Luís Montenegro sublinhou, na noite de sábado, que a falta de “respostas clarificadoras” dos partidos da oposição quanto às condições para “assegurar estabilidade para a resolução dos reais problemas dos portugueses” o levaria a apresentar uma moção de confiança. Mas mesmo a queda do Governo não faria desaparecer a comissão de inquérito, visto que o PS continuaria a requerê-la na legislatura seguinte.Para o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, deve ser visto “com normalidade democrática” o recurso a instrumentos parlamentares como a comissão de inquérito, a moção de censura ou a moção de confiança, ressalvando que os deputados devem “fazê-lo com uma rapidez que permita que não se crie um clima de instabilidade”. .Qual poderá ser o papel do Presidente da República?.Dependerá das circunstâncias. Para já, Marcelo Rebelo de Sousa disse que manteria silêncio até à votação da moção de censura, deixando claro o desconforto por não ter sabido previamente o que Montenegro iria dizer aos portugueses no sábado. Ao final da tarde desta terça-feira, o primeiro-ministro foi ao Palácio de Belém, sem que nenhuma das partes tenha divulgado o que foi discutido. Com o segundo mandato, que termina em janeiro de 2026, marcado por duas dissoluções da Assembleia da República - algo que não pode fazer nos seus últimos seis meses no Palácio de Belém -, Marcelo tem defendido a necessidade de Governo e oposição superarem a complicada configuração parlamentar, que não impediu, para já, a aprovação do Orçamento do Estado para 2025. Ainda assim, se o Governo for derrubado, nomeadamente pelo fracasso de uma moção de confiança, o Presidente da República terá uma escolha a fazer, pois a Constituição dá-lhe a possibilidade de aceitar outro candidato a primeiro-ministro apresentado pelo PSD, sendo hipóteses mais prováveis o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, e a primeira vice-presidente social-democrata, Leonor Beleza. Em circunstâncias diferentes, mas comparáveis, Marcelo não aceitou que Mário Centeno substituísse António Costa depois de este se demitir, na sequência da Operação Influencer.Mas neste caso existe a forte possibilidade de Luís Montenegro querer voltar a ir a votos se o Governo cair. Mesmo que não creia na repetição da maioria absoluta obtida por Cavaco Silva em 1987, após a única moção de censura com sucesso terminou a comunicação de sábado com um aviso à oposição, partilhando o sentimento de que “é vontade maioritária dos portugueses” que continue primeiro-ministro. .Marcelo só quebra silêncio sobre Montenegro após moção de censura.Estruturas distritais e regionais do PSD manifestam "total apoio" ao primeiro-ministro