Alterações à lei dos solos aprovadas na especialidade. Imobiliárias dizem que não vai resolver os problemas
O parlamento aprovou esta quarta-feira, na especialidade, alterações ao diploma em vigor que permite reclassificar solos rústicos em urbanos, para construção de habitação, com a maioria das modificações resultante de um entendimento entre PSD e PS.
Entre as principais alterações aprovadas está a substituição do conceito de habitação de "valor moderado" - utilizado pelo Governo - por "arrendamento acessível" ou "a custos controlados".
A reposição do critério territorial de "contiguidade com o solo urbano", para consolidação de área urbana existente, também foi aprovada, assim como a revogação da possibilidade de construir habitação destinada ao alojamento de trabalhadores agrícolas fora das áreas urbanas existentes.
PS e BE defendem que alterações permitiram "corrigir parte dos problemas"
PS e BE consideraram que as alterações à lei dos solos permitiram corrigir parte dos problemas e mitigar alguns dos efeitos negativos do diploma do Governo, apontando "recuos importantes".
"O diploma, sem estas alterações, é muito pior do que o diploma com estas alterações. O PS faria uma coisa diferente, como fizemos no passado, mas é a nossa responsabilidade fazer este trabalho e, felizmente, acompanhar aqueles que são resultados da iniciativa do PS de apresentar medidas e, com isso, mitigar os efeitos negativos que podia existir com este diploma", justificou Marina Gonçalves, vice-presidente da bancada parlamentar socialista, em declarações aos jornalistas.
Marina Gonçalves referiu que as propostas de alteração são, no essencial, apresentadas pelo PS e "vêm verdadeiramente corrigir parte" dos problemas identificados no diploma do Governo, considerando que esta iniciativa do executivo PSD/CDS-PP não resolve os problemas da habitação.
De acordo com a socialista, após um conjunto de audições, o PS apresentou propostas que, "na grande maioria foram aprovadas na especialidade", alterações essas que tiveram como objetivo, por um lado, "mitigar o efeito no solo que é utilizado".
"E garantir que, a existir um instrumento complementar na política de habitação, ele responde a quem deve responder, que é à classe média, e não responder àquela que era uma preocupação da nossa parte que era um aumento do custo da habitação por via da versão inicial que existia do diploma", explicou.
A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, começou por lembrar que o decreto do Governo está a ser alterado no parlamento na sequência de um pedido de apreciação parlamentar requerido pelos bloquistas, que "não desistiram desse escrutínio".
A deputada insistiu na ideia de que esta lei "convida à especulação, abre a porta à corrupção e a todo tipo de negócios e não resolve o preço nem o problema da habitação em Portugal".
"Ainda assim, fruto da apreciação parlamentar, [a lei] sairá da Assembleia da República melhor do que entrou", afirmou Mariana Mortágua, salientando que houve "recuos importantes, nomeadamente no preço que pode ser praticado nestas habitações" e na vigência da lei, que se limita a quatro anos.
O BE mantém a sua oposição à lei, mas tendo em conta estas alterações vai abster-se na votação final global por entender que é a posição mais "equilibrada".
Pelo Livre, a líder parlamentar defendeu que a maior parte das alterações na especialidade "vão no sentido errado" e que este diploma ainda assim "não satisfaz", insistindo na sua revogação.
"Parece-nos que o parlamento falhou aqui juntamente com o Governo que já tinha falhado antes. E, portanto, vamos continuar a lutar pela revogação deste decreto-lei assim que for possível", sublinhou.
A porta-voz do PAN, Inês Sousa Real, também defendeu que a lei em causa "não só não dá resposta à crise habitacional que o país enfrenta, como aumenta os riscos de corrupção ao nível das autarquias locais".
"Por outro lado, é uma via verde para as questões ambientais que deviam neste momento também ser uma urgência para o país", alertou.
Inês Sousa Real considerou que a lei "está claramente contaminada com conflitos de interesses".
Chega apela ao veto presidencial
O Chega vai votar contra as alterações ao diploma dos solos rústicos por considerar que "ficou uma lei permeável à corrupção", anunciou o líder do partido, apelando ao veto do Presidente da República.
"Não ficou uma lei boa, e ficou uma lei permeável à corrupção, aos conflitos de interesses e à promiscuidade entre o negócio e entre a política", afirmou André Ventura na Assembleia da República.
O presidente do Chega considerou também que "não ficou uma lei eficaz no âmbito do combate à corrupção, e isso terá também necessariamente uma avaliação política, que, efetivamente, o Presidente da República também terá que fazer".
O deputado apelou depois ao Presidente da República que vete as alterações ao diploma em vigor que permite reclassificar solos rústicos em urbanos.
"Isto não deve ser permitido que entre em vigor assim, o Presidente da República não deve dar seguimento a esta legislação", defendeu.
André Ventura lamentou a rejeição, na especialidade, das propostas de alteração apresentadas pelo Chega e indicou que o partido "votará contra esta legislação".
"Não obstante a necessidade imperiosa de garantir mais construção, de garantir melhor construção e menos burocracia, e eu acho que isto é transversal a todos os partidos, menos ao Livre, ao PCP e ao Bloco de Esquerda, o combate à corrupção para nós é mesmo uma questão essencial e central, e esta lei acaba por não ter essa garantia de combate à corrupção", sustentou.
O dirigente considerou que "tem que haver mais construção", mais flexível e com menos burocracia, mas sustentou que "o problema de falta de habitação não pode levar ao aumento exponencial da corrupção".
O presidente do Chega disse também que existem deputados de PS e PSD que votaram hoje as alterações à lei dos solos e estão "ligados aos interesses imobiliários", dando como exemplos o social-democrata Francisco Covelinhas Lopes e o socialista Ricardo Costa.
"O que exigem ao Chega não é o que praticam em própria casa. Isto assim é o descrédito absoluto", salientou, voltando a exigir ao líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, que esclareça se tem ou não participações numa imobiliária.
Relativamente aos deputados do Chega na mesma situação, André Ventura disse que o coordenador do Chega na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, Filipe Melo, não participou na reunião de hoje nem vai participar na votação final global das alterações em plenário, e "fará a cessação da sua atividade".
André Ventura referiu ainda a denúncia do BE relativa a alguns membros do Governo deterem empresas imobiliárias - o que foi entretanto desmentido por quatro governantes -, bem como as perguntas que o partido dirigiu ao primeiro-ministro sobre a sua empresa familiar e considerou que, "quanto mais dias deixar esta questão andar sozinha, quanto mais dias passarem" sem resposta de Luís Montenegro, "pior será para o Governo e para a credibilidade da República".
Quanto às críticas do líder da IL, Rui Rocha, que acusou Chega e BE de uma "caça às bruxas", Ventura recusou e devolveu: "Eu percebo que para os liberais seja, porque eles sempre gostaram de uma enorme promiscuidade entre as empresas e entre a política. [...] As empresas devem existir, os ricos devem existir, a riqueza deve existir, mas também tem que existir transparência".
Empresas imobiliárias querem mais
As empresas de mediação imobiliária e os promotores e investidores garantiram esta quarta-feira não estar contra a lei dos solos, mas defenderam que ela não vai resolver o problema, apelando para a simplificação fiscal e desburocratização.
"Se esta lei dos solos permitir mais casas para quem delas precisa e se dela não resultar nenhum dano em termos urbanísticos e ambientais, ela será muito positiva", afirmou o presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Paulo Caiado, em declarações à Lusa.
Contudo, referiu que a curto e médio prazos esta lei não vai ter qualquer efeito, apontando que entre a alteração legislativa e a construção de uma casa num solo que transitou de rústico para urbano vão passar, pelo menos, seis anos.
"Para quem precisa de uma casa a curto ou médio prazo o efeito vai ser nenhum", insistiu.
Em causa está, por exemplo, a aprovação do licenciamento, a vistoria dos serviços de água, luz e também esgotos, bem como o período necessário para ter um projeto de edificação e a respetiva construção.
Paulo Caiado defendeu que uma habitação a preços acessíveis tem de ser 40% ou 50% abaixo dos valores atuais, o que considerou ser "teoricamente possível", caso o Estado decida criar um novo segmento de habitação.
Para isso, deverá contribuir com três fatores -- terreno, estrutura fiscal e tempo -- que representam 50% do preço de uma casa.
Como contrapartida, segundo a associação, o Estado deverá exigir que, em caso de venda, o montante fixado pelo proprietário seja o mesmo pelo qual comprou a casa, adicionado da inflação.
"Se quiser vender por mais, terá de devolver ao Estado o seu contributo financeiro. Não vejo outra forma para conseguirmos ter casas acessíveis", apontou.
Por sua vez, o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) lamentou esta quarta-feira o ataque que está a ser feito ao setor, garantindo não estar contra a lei dos solos.
"O que tem acontecido nos últimos dias é um ataque grave e infundado à atividade do imobiliário [...], cujo volume de investimento representa 15% do valor do PIB [Produto Interno Bruto] nacional", disse esta quarta-feira Hugo Santos Ferreira na Semana da Reabilitação Urbana de Lisboa, segundo o discurso enviado à Lusa.
A APPI sublinhou que este setor é o que mais riqueza gera ao país, atrai investimento e quer contribuir para a construção de mais casas para os portugueses.
Hugo Santos Ferreira disse não estar preocupado com a lei dos solos, que classificou como positiva, apesar de não conseguir resolver o problema.
A associação propõe a simplificação dos licenciamentos urbanísticos e a redução da taxa de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) na construção de 23% para 6%.
Os promotores e investidores imobiliários vincaram também não ser o problema, mas parte da solução, criticando o executivo por não dar condições para que tal aconteça.
"Estamos prontos para construir as cidades e as casas que Portugal e os portugueses precisam. Não precisamos de mais areia na engrenagem, nem de ruído na nossa mensagem e nosso trabalho. Precisamos de espaço e condições para ser parte da solução", rematou.