À distância de 40 anos, embora a Comunidade Económica Europeia (CEE) tenha evoluído para União Europeia (UE), e parte dos protagonistas do momento histórico no Mosteiro dos Jerónimos não estejam vivos, as palavras de Mário Soares mantêm-se premonitórias: “Para Portugal, a adesão à CEE representa uma opção fundamental para um futuro de progresso e modernidade. Mas não se pense que seja uma opção de facilidade. Exige muito dos portugueses, embora lhes abra, simultaneamente, largas perspetivas de desenvolvimento.”Para o primeiro-ministro socialista, que chamou a atenção para a “tarefa primordial” de reduzir a distância entre Portugal e os “países desenvolvidos da Europa”, criando “padrões de vida e de bem-estar verdadeiramente europeus”, a cerimónia realizada no Mosteiro dos Jerónimos era o culminar de um processo iniciado oito anos antes, aquando da sua primeira experiência à frente do Governo, com a entrega formal do pedido de adesão. Rodeado de estadistas como o francês Jacques Delors, os italianos Bettino Craxi e Giulio Andreotti, e o primeiro-ministro espanhol Felipe González, que horas mais tarde, já em Madrid, também assinaria o tratado, Soares advertiu que Portugal não iria “só receber com a integração europeia” e que seria preciso “tranquilidade política e paz social para poder trabalhar a sério e tirar todo o rendimento do trabalho realizado”.Mas Mário Soares sabia perfeitamente que não havia tranquilidade política no horizonte nacional. Semanas antes, a 19 de maio, Cavaco Silva fora eleito líder do PSD no Congresso da Figueira da Foz, ficando claro que o Bloco Central, iniciado em 1983, com a vitória do PS, sem maioria absoluta, iniciara o último ato, ao ponto de os sociais-democratas terem adiado a saída do Governo só até à assinatura do tratado. Mesmo assim, o antigo ministro das Finanças de Sá Carneiro insistiu que o vice-primeiro-ministro Rui Machete - que no início de 1985 substituíra Carlos Mota Pinto, o qual sucumbiu a um aneurisma antes de se poder recandidatar à liderança do PSD - também assinasse o documento..Os ministros sociais-democratas apresentaram a demissão ao Presidente da República, Ramalho Eanes, logo no dia seguinte à assinatura. E Mário Soares pouco tardou a seguir-lhes o exemplo, tendo a candidatura (que acabaria por se revelar vencedora) ao Palácio de Belém nos planos. Foi assim que, a 1 de janeiro de 1986, quando Portugal e Espanha se juntaram de facto à França, República Federal Alemã, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Itália, Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Grécia, concretizando o refrão do êxito Portugal na CEE, cantado pelos GNR, o primeiro-ministro já era Cavaco Silva. Foi a consequência das legislativas antecipadas, a 6 de outubro de 1985, em que o PSD venceu sem maioria absoluta e o PS teve o pior resultado eleitoral de sempre (20,77%) e perdeu quase metade do eleitorado para o recém-criado Partido Renovador Democrático (PRD), impulsionado por seguidores de Ramalho Eanes.Nos dez anos seguintes, oito dos quais a governar em maioria absoluta, Cavaco Silva tirou partido dos fundos comunitários para revolucionar acessibilidades, com a conclusão da Autoestrada do Norte (A1) e avanços na Autoestrada do Sul (A2), num total de 1133 quilómetros de vias rodoviárias, naquilo que ficou conhecido como a “década de betão”, e também inaugurou equipamentos emblemáticos, como o Centro Cultural de Belém, com auxílio de Bruxelas. Depois de ter deixado o poder, em 1995, seguiram-se obras como a Ponte Vasco da Gama, no contexto da Expo’98, e a Barragem do Alqueva.De 1986 a 2024, Portugal recebeu cerca de 135 mil milhões de euros em sucessivos pacotes de fundos comunitários, entregando 49 mil milhões, num dos saldos mais positivos antes e depois do alargamento à Península Ibérica. Trata-se da face mais imediata da integração europeia, mas não é a única.Juntamente com a adesão de Portugal à CEE vieram uma série de reformas que alteraram uma economia ainda marcada pelo período revolucionário. A revisão constitucional de 1989, que implicou uma longa negociação entre PSD e PS, assegurando dois terços da Assembleia da República, pôs fim à irreversiblidade das nacionalizações, o que abriu caminho a privatizações na banca, seguros e outros setores económicos. Ao mesmo tempo, a reforma fiscal que entrou em vigor em 1989 instituiu o IRS, o IRC e o IVA. Da integração europeia, que teve novo passo em 2002, com a substituição do escudo pelo euro, resultou a transformação profunda da economia portuguesa. Indústria, Agricultura e Pescas perderam peso para Comércio, Serviços e Turismo, mas os 285 mil milhões de euros do Produto Interno Bruto de 2024 contrastam com 28 mil milhões de 1986, que mesmo ajustados à inflação representam cerca de 117 mil milhões de euros, apontando para a duplicação do valor gerado pela economia de Portugal..Maria Luís Albuquerque: “Conseguimos muito em quatro décadas, mas o caminho ainda não terminou”