É assim desde 1976. Só são eleitos quatro deputados: dois pela Europa e outros dois pelo círculo Fora da Europa. Nos três maiores partidos não há uma ideia de consenso. Por que nada mudou? “É o problema da máquina calculadora dos partidos, em particular PS e PSD, que começam logo a fazer contas de perdas e ganhos”, resume Manuel Monteiro, professor universitário, doutorado em Ciência Política, ex-líder do CDS e atual presidente do IDL - Instituto Adelino Amaro da Costa.O que se mantém? “Uma lógica com 48 anos, uma lei eleitoral que pouco ou nada se alterou desde 1979, um receio velho e antiquado, desajustado há muitos anos da realidade, de que mudar possa alterar a verdade dos resultados.” E até no CDS, recorda, esse “cálculo” surgiu quando durante a sua liderança [entre 1992 e 1998] “abordou” a mudança “em nome da proporcionalidade e representatividade”.Nas eleições legislativas de 1976, os círculos da Europa e Fora da Europa representavam pouco mais de 105 mil eleitores. Só a partir de 2011 é que este valor começa a crescer. E desde aí, até por alterações nos recenseamentos, não parou de aumentar. Em 2022, havia 1 milhão e 521 mil de recenseados; em 2024, o número subiu para 1 milhão e 546 mil e este ano atingiu a fasquia de 1 milhão e 584 mil portugueses registados para votar.O Círculo da Europa, com quase 945 mil eleitores, em 22 círculos eleitorais, só é ultrapassado por Lisboa e Porto. A diferença é que Porto e Lisboa elegem 88 deputados e a Europa, por determinação legal sem “proporcionalidade”, continua nos dois deputados.No Círculo Fora da Europa o cenário é semelhante. Só Aveiro, Braga, Setúbal, Lisboa e Porto têm mais eleitores. Aveiro, por exemplo, com 642 mil eleitores elege 16 deputados. Os 636 mil portugueses de Fora da Europa só representam 2 deputados. “A representatividade das comunidades é ridícula”, critica Nathalie Oliveira, deputada eleita nas legislativas de 2022 e que em 2024, com a entrada do Chega, apesar de ser número dois na lista do PS, não conseguiu a eleição.“A situação é absurda. Ter círculos como Porto e Lisboa, com o número de eleitores que têm, que representam 40% dos deputados no Parlamento e a Europa e Fora da Europa ter só quatro deputados é inaceitável”, reforça a antiga deputada que em 2022 acreditava ser possível que houvesse “mudanças” das leis eleitorais. A mesma “esperança” tinha sido também manifestada por Sónia Ramos, eleita deputada pelo PSD em 2022 e 2024 - este não está fora das listas - que via “problema semelhante no Alentejo: a reduzida representatividade”.Na Europa e Fora da Europa, há outra constância para além da eleição de “só” dois deputados, em cada círculo. Até 2022 só PS e PSD - nalgumas vez em aliança com o CDS, é que elegiam deputados. Em 2024, tudo mudou com o Chega a eleger 2 deputados deixando PS e AD com um deputado cada um. O cenário deste ano: dos 20 partidos e coligações todos apresentam candidatos, à exceção do MPT, nos círculos da Europa e Fora da Europa. O mesmo só sucede em Lisboa, Porto e Setúbal. E aqui surge novamente a matemática eleitoral. Estes três círculos representam mais de 46% dos deputados eleitos, enquanto que Europa e Fora da Europa representam 1,7%. . José Cesário, candidato da AD - Coligação e atual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, considera ser “evidente que o atual número de votantes já justifica um aumento do número de eleitos por estes dois círculos”. O secretário-geral do PSD, Hugo Soares, optou pelo silêncio. Atuais deputados do PSD, ouvidos pelo DN, concordam “em tese” com uma alteração da Lei Eleitoral, mas “tudo depende da avaliação” da direção do partido. Traduzindo: A questão da “máquina calculadora” apontada por Manuel Monteiro.Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, diz que “não pode haver portugueses de primeira e outros de segunda por viverem em zonas menos povoadas ou serem emigrantes”. Ou seja: “Todos os votos têm de valer o mesmo”.“Nós defendemos uma reforma da Lei Eleitoral onde não haja tanta discrepância entre as regiões”, assegura.Nathalie Oliveira, antiga deputada do PS, defende que essa “discrepância” pode ser resolvida começando por mudar as “modalidades de voto existentes” [legis- lativas e presidenciais] que “são diferentes”.“Nas legislativas, o direito de voto é por correspondência. Nas presidenciais é exclusivamente presencial. Há que avançar para três modalidades de voto como o modelo para os franceses no estrangeiro: presencial, por correspondência, por via remota eletrónica”, afirma, recordando que as mudanças no modelo francês e italiano têm representado “sempre“ mais deputados eleitos.Manuel Monteiro sublinha, por isso, a “discrepância” que para as presidenciais foi resolvida, “em parte”, na Revisão Constitucional de 1982, mas que continua por resolver “na totalidade” nas Legislativas.Emília Ribeiro, candidata do PS na Europa, e Vítor Silva, candidato PS no círculo Fora da Europa, consideram que o “assunto que deve ser considerado, assim como a organização dos círculos eleitorais da emigração atualmente existentes, pois somos cerca de um milhão e meio de cidadãos recenseados, muito dispersos pelo mundo”. “Seria um corajoso reconhecimento não apenas da dimensão, mas também do valor da nossa diáspora”, sublinham.Porém, dizem “só fará sentido e terá eficácia se um amplo leque de partidos mostrar predisposição para discutir estes assuntos”. Outro porém: a necessidade de “diversificar as modalidades de participação dos emigrantes em atos eleitorais, garantindo uma maior adesão, desde logo aumentado bastante o número de locais de votação e a possibilidade de voto antecipado”.Marcos Perestrello tem opinião diferente. O deputado socialista considera que “o sistema que temos é equilibrado”. Carlos César, presidente do PS, que não tem “uma opinião consolidada” sobre a questão, valoriza “a representação de comunidades portuguesas do exterior” que “tem sido muito útil”. Deputados socialistas, ouvidos pelo DN, replicam argumentos dos do PSD: “Tudo depende da avaliação” da direção do partido. Tal como nos sociais-democratas também nos socialistas há “uma máquina calculadora”.