O liceu estava concluído. Faltava garantir o acesso ao curso de Direito. Jorge Sampaio conseguiu-o graças a um 11 no exame de aptidão. Quando se inscreveu na Universidade de Lisboa, em setembro de 1956, com 17 anos acabados de fazer, a Faculdade de Direito ainda funcionava no Campo dos Mártires da Pátria, no edifício onde hoje funciona a embaixada alemã..A vida de universitário trouxe ainda outra mudança à vida do jovem Sampaio: voltou a morar na casa dos pais, em Sintra. O novo inquilino da casa da avó Fernanda, em Campo de Ourique, foi o irmão Daniel, acabado de entrar no Liceu Pedro Nunes. Jorge passou a usar o comboio da Linha de Sintra, exceto nos dias em que conseguia aproveitar a boleia do pai, então já inspetor superior da Saúde, cujo local de trabalho ficava a dois passos da faculdade..Tal como sucedera no liceu, a adaptação de Jorge à vida académica foi fácil. Como a "tradição" da praxe ainda não tinha chegado a Lisboa - e como o número de estudantes universitários era incomparavelmente menor do que na atualidade -, os problemas de integração eram menores. Além de Miguel Galvão Teles, companheiro desde os tempos do Pedro Nunes, teve como colegas Jorge Sá Borges - que seria dirigente e dissidente do PPD, fundador do MSD e ministro nos governos de Vasco Gonçalves (foi colega de Sampaio no IV Governo Provisório), Pinheiro de Azevedo e Maria de Lurdes Pintasilgo -, Francisco Sarsfield Cabral (antigo diretor do Público e da Rádio Renascença), Vera Jardim (futuro sócio do escritório de advogados) e Vítor Wengorovius (futuro camarada do MES), entre outros..Até então católico praticante - o catolicismo era uma tradição sólida quer na família paterna quer na do avô materno, tendo Fernando Branco sido o seu padrinho de batismo na Igreja de São Sebastião da Pedreira -, Jorge Sampaio aderiu logo no 1.º ano à Juventude Universitária Católica (JUC). A invasão da Hungria pelos tanques soviéticos para esmagar a revolta de Budapeste, iniciada em outubro de 1956, era o tema quente do momento. No entanto, a ideia de rezar pelos húngaros nas reuniões caiu mal a Sampaio. Conforme recordou ao seu biógrafo, José Pedro Castanheira, foi a partir daí que começou a afastar-se da prática religiosa..No fim do primeiro período, estalou aquela que seria a mãe das revoltas estudantis contra o regime na década seguinte. A 12 de dezembro de 1956 foi publicado o Decreto-Lei n.º 40.900, que regulamentava, de forma autoritária, a vida interna das associações de estudantes, submetendo-as a um controlo rígido por parte do Estado e das autoridades académicas. Era o fim da (pouca) autonomia que ainda restava às organizações estudantis e marcou o início do divórcio entre a elite universitária e o Estado Novo..Os protagonistas da contestação ao "40.900" foram estudantes da JUC espalhados por várias universidades, com destaque para o presidente nacional da organização, o futuro ministro das Finanças social-democrata João Salgueiro, a presidente da JUC Feminina, Manuela Silva, futura secretária de Estado do Planeamento no primeiro governo de Mário Soares, ou João Cravinho, futuro camarada de Sampaio no MES e no PS..Em janeiro de 1957, uma manifestação de estudantes em São Bento, incluindo muitos vindos de Coimbra e do Porto, e o apoio, na contestação ao decreto, de deputados da Assembleia Nacional tiveram um resultado inesperado. O governo (isto é, Salazar) mandou suspender o diploma, transformá-lo em proposta de lei e mandá-lo à Câmara Corporativa para reformulação, antes de ser submetido à apreciação pelo Parlamento - o que nunca chegou a acontecer. Na prática, o regime cedeu e os estudantes ganharam. Sampaio estava no primeiro ano e não esqueceu a lição: tornou-se um entusiasta do associativismo estudantil..No ano seguinte, 1958, Portugal foi abalado pelo "furacão" Delgado. O candidato, que ficou na história como o "General sem medo", galvanizou amplos setores populares, concentrou o apoio de toda a oposição (incluindo os comunistas, que tinham começado por se mostrar desconfiados em relação ao "general Coca-Cola", como lhe chamavam) e fez da campanha para as presidenciais uma onda de esperança..Muitos acreditaram - sobretudo depois de Humberto Delgado ter dito a frase mágica: "Obviamente, demitia-o" (como foi então corretamente citada), referindo-se a Salazar, e dos banhos de multidão de norte a sul, com destaque para o Porto - que era mesmo possível derrotar nas urnas o candidato do regime, Américo Tomás, e derrubar a ditadura..Jorge Sampaio, então com 19 anos e ainda sem direito a voto (só aos 21), foi apoiante de Delgado. Mas a convicção não lhe toldou o raciocínio e preveniu desde logo o irmão de que iria haver fraude eleitoral. Com efeito, Tomás foi dado como vencedor e Delgado queixou-se de ter sido roubado. Nesse verão, ao estrear as novas instalações da faculdade na Cidade Universitária, Sampaio fez os exames do 2.º ano de gravata preta, em sinal de protesto..Cada vez mais politizado, envolveu-se na Associação de Estudantes (AE), assumindo responsabilidades diretivas nos últimos dois anos do curso. No 4.º ano (1959-1960) foi secretário da direção e delegado da Faculdade de Direito à Reunião Inter-Associações (RIA), que agregava representantes de diferentes escolas da Universidade de Lisboa e ainda uma comissão pró-associação do ensino secundário. Era a RIA, infiltrada pelo PCP, que fazia eco dos protestos pela prisão de estudantes pela PIDE..No último ano letivo do curso (1960-1961), Jorge Sampaio encabeçou uma lista de esquerda candidata à AE cheia de nomes que se tornariam sonantes na política portuguesa, e não só: os futuros ministros Sá Borges, Vera Jardim e Rui Machete, Afonso de Barros, mais tarde dirigente do MES e professor catedrático do ISCTE, e o moçambicano Sérgio Vieira, que foi ministro da Frelimo e é irmão do socialite José Castelo Branco..Sampaio venceu por um voto. A lista da direita impugnou a eleição. Na nova votação, a vitória foi confirmada por uma maioria expressiva..O mandato ficou marcado pela tentativa de organizar uma União Nacional dos Estudantes Portugueses, reunindo as três academias: Lisboa, Porto e Coimbra. Para isso, o presidente da AE de Direito de Lisboa empenhou-se a fundo no apoio a Carlos Candal, que ganhou a Associação Académica de Coimbra à frente de uma lista de esquerda. Em pano de fundo, um acontecimento decisivo para o futuro do país: o início da guerra em Angola..Mas a vida associativa e os primeiros passos na política - ao lado dos amigos Sá Borges, Jorge Santos, Jorge Fagundes, João Salgueiro, Vítor Wengorovius e Nuno Brederode Santos, com quem costumava sentar-se à mesa no café Értilas, em Campo de Ourique (encerrado em dezembro de 2015 para dar lugar a um restaurante de uma cadeia de hambúrgueres) - não eram a única preocupação de Jorge Sampaio em 1961: era preciso acabar o curso. Fê-lo com média de 12 valores. Para comemorar, viajou pela Europa, com mais três colegas, a bordo de um Volkswagen carocha emprestado, que os levou a Espanha, França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha..Em novembro de 1961, o licenciado Jorge Sampaio, de 22 anos, inscreveu-se na Ordem dos Advogados e iniciou o estágio que lhe abriria as portas da advocacia. No entanto, apesar de, formalmente, já ter iniciado a vida profissional, o ex-presidente dos estudantes de Direito não tinha fechado a porta ao ativismo associativo. Foi eleito secretário-geral da RIA, na qual se destacavam José Bernardino, do Técnico, Eurico de Figueiredo, de Medicina, e Medeiros Ferreira, de Letras. Os ativistas repartiam-se entre as tendências organizadas do PCP e da JUC (católicos progressistas), com vários independentes de esquerda, entre os quais Sampaio..O annus horribilis de Salazar, que começara com o assalto ao paquete Santa Maria, o ataque do MPLA às prisões de Luanda e os massacres de civis pela UPA no Norte de Angola, terminou com a invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana. As ondas de choque repercutiram-se nos meios estudantis, no início de 1962, com as direções associativas de esquerda a desafinar do coro nacionalista orquestrado pelo regime. Ao mesmo tempo, aquelas direções, sobretudo nas Universidades de Lisboa e de Coimbra, redobravam os esforços para organizar uma estrutura associativa a nível nacional, chegando a ser convocado - numa reunião em que Sampaio esteve presente - um Congresso Nacional de Estudantes..Foi nesse contexto que, para prevenir a agitação, o governo proibiu as comemorações do Dia do Estudante, a 24 de março. Com a Cidade Universitária ocupada pela PSP equipada com armamento antimotim (a chamada "polícia de choque"), uma representação de dirigentes da RIA composta por Sampaio, Eurico de Figueiredo, Vítor Wengorovius e Medeiros Ferreira foi a casa do reitor da Universidade de Lisboa, Marcelo Caetano, ex-ministro e futuro presidente do Conselho. Pediram-lhe que interviesse junto do governo para mandar a PSP desocupar a Cidade Universitária. O reitor concordou, em nome da autonomia académica, e telefonou ao ministro do Interior, que prometeu mandar retirar a polícia..Ao chegarem à Cidade Universitária, reitor e líderes estudantis viram que as carrinhas da PSP se mantinham no local. Apesar disso, o Dia do Estudante acabou mesmo por ser comemorado por centenas de alunos que se concentraram no Estádio Universitário, onde acolheram dezenas de colegas que entretanto chegaram de Coimbra. Quando a polícia tentou entrar no estádio para expulsar os estudantes, estes levantaram-se e cantaram o hino nacional. Sem saber o que fazer, muitos agentes puseram-se em sentido. Por fim, os "choques" carregaram mesmo e a confusão espalhou-se pela alameda da Cidade Universitária e pelo Campo Grande..No dia seguinte, a RIA decretou "luto académico", isto é, greve às aulas, com o apoio generalizado dos alunos e de muitos professores. Para conseguir essa quase unanimidade foi decisivo o comportamento do secretário-geral daquela estrutura, Sampaio, cujo prestígio era reconhecido pelas diversas sensibilidades da academia. O ministro da Educação, Lopes de Almeida, recuou e prometeu autorizar o Dia do Estudante. O "luto" foi suspenso..Mas, pouco depois, o governo voltou com a palavra atrás e reafirmou a proibição. A 5 de abril, Marcelo Caetano demitiu-se de reitor. A RIA voltou a declarar greve. O governo retaliou, suspendendo as direções académicas..A crise prolongou-se durante semanas. A PIDE começou a apertar o cerco aos líderes "rebeldes", vigiando cautelosamente todos os plenários de estudantes. Jorge Sampaio, de discurso empolgante e presença habitual na tribuna do Estádio Universitário ou na "pala" da cantina, tornou-se o centro das atenções..O estádio era o cenário habitual dos plenários, cada vez mais frequentes. Num deles, a 9 de maio, 81 estudantes decidiram entrar em greve de fome, barricados na cantina, com o apoio de dirigentes e colegas. Cerca de mil acabaram presos (ver caixa)..Depois de ser libertado de Caxias, Jorge Sampaio percebeu que a situação tinha mudado. Salazar tinha tomado em mãos a crise académica e estava decidido a pôr cobro à revolta estudantil. Logo no dia 15, Sampaio, que regressara aos piquetes de greve, foi expulso da Faculdade de Direito com um argumento irrespondível: já não era aluno. Nos dias seguintes, o governo fez saber que estavam proibidas as reuniões, os comunicados e a própria RIA. Os estudantes mais ativos nos protestos foram suspensos, sendo-lhes levantados processos disciplinares. Eurico de Figueiredo, então militante do PCP, foi preso..O endurecimento da repressão fez mossa na capacidade de resistência dos estudantes. Com a chegada da época de exames, muitos apresentaram-se às provas para não perderem o ano. A 14 de junho, um plenário no Técnico aprovou a proposta da RIA de levantar o "luto académico"..No final de junho foi conhecido o resultado dos processos disciplinares instaurados a 21 dos grevistas da fome da cantina (os que tinham confessado estar em greve de fome): expulsos por 30 meses de todas as escolas da capital..Jorge Sampaio continuou na mira da PIDE. A 20 de julho, uma brigada foi a casa da família, em Sintra. Ele não estava, mas foram-lhe apreendidos livros, cartas e outros papéis pessoais. A 28 de setembro foi convocado à sede da polícia política e interrogado sobre as suas atividades na RIA. O advogado estagiário ficou prevenido: estava debaixo de olho..A 11 de maio de 1962, dois dias depois de iniciado novo plenário, a PSP, que cercara a cantina da Cidade Universitária, forçou a entrada nas instalações, prendeu os grevistas de fome e todos os estudantes que apanhou pela frente. Jorge Sampaio foi um deles. Oitenta e sete raparigas foram levadas para o Governo Civil de Lisboa. Os rapazes - cerca de 800, segundo as autoridades, 1200 na versão dos estudantes - foram para o quartel da PSP, na Parede. No dia seguinte foram identificados e libertados. Mas nem todos. Os que já estavam referenciados pela PIDE ou pela PSP como cabecilhas subversivos foram transferidos, sob prisão, para Caxias. Sampaio, promovido a "inimigo público número um", foi também. Saiu a 14 de maio e logo no dia seguinte estava de volta aos piquetes de greve..O jornalista João Ferreira já não faz parte da redação do DN
O liceu estava concluído. Faltava garantir o acesso ao curso de Direito. Jorge Sampaio conseguiu-o graças a um 11 no exame de aptidão. Quando se inscreveu na Universidade de Lisboa, em setembro de 1956, com 17 anos acabados de fazer, a Faculdade de Direito ainda funcionava no Campo dos Mártires da Pátria, no edifício onde hoje funciona a embaixada alemã..A vida de universitário trouxe ainda outra mudança à vida do jovem Sampaio: voltou a morar na casa dos pais, em Sintra. O novo inquilino da casa da avó Fernanda, em Campo de Ourique, foi o irmão Daniel, acabado de entrar no Liceu Pedro Nunes. Jorge passou a usar o comboio da Linha de Sintra, exceto nos dias em que conseguia aproveitar a boleia do pai, então já inspetor superior da Saúde, cujo local de trabalho ficava a dois passos da faculdade..Tal como sucedera no liceu, a adaptação de Jorge à vida académica foi fácil. Como a "tradição" da praxe ainda não tinha chegado a Lisboa - e como o número de estudantes universitários era incomparavelmente menor do que na atualidade -, os problemas de integração eram menores. Além de Miguel Galvão Teles, companheiro desde os tempos do Pedro Nunes, teve como colegas Jorge Sá Borges - que seria dirigente e dissidente do PPD, fundador do MSD e ministro nos governos de Vasco Gonçalves (foi colega de Sampaio no IV Governo Provisório), Pinheiro de Azevedo e Maria de Lurdes Pintasilgo -, Francisco Sarsfield Cabral (antigo diretor do Público e da Rádio Renascença), Vera Jardim (futuro sócio do escritório de advogados) e Vítor Wengorovius (futuro camarada do MES), entre outros..Até então católico praticante - o catolicismo era uma tradição sólida quer na família paterna quer na do avô materno, tendo Fernando Branco sido o seu padrinho de batismo na Igreja de São Sebastião da Pedreira -, Jorge Sampaio aderiu logo no 1.º ano à Juventude Universitária Católica (JUC). A invasão da Hungria pelos tanques soviéticos para esmagar a revolta de Budapeste, iniciada em outubro de 1956, era o tema quente do momento. No entanto, a ideia de rezar pelos húngaros nas reuniões caiu mal a Sampaio. Conforme recordou ao seu biógrafo, José Pedro Castanheira, foi a partir daí que começou a afastar-se da prática religiosa..No fim do primeiro período, estalou aquela que seria a mãe das revoltas estudantis contra o regime na década seguinte. A 12 de dezembro de 1956 foi publicado o Decreto-Lei n.º 40.900, que regulamentava, de forma autoritária, a vida interna das associações de estudantes, submetendo-as a um controlo rígido por parte do Estado e das autoridades académicas. Era o fim da (pouca) autonomia que ainda restava às organizações estudantis e marcou o início do divórcio entre a elite universitária e o Estado Novo..Os protagonistas da contestação ao "40.900" foram estudantes da JUC espalhados por várias universidades, com destaque para o presidente nacional da organização, o futuro ministro das Finanças social-democrata João Salgueiro, a presidente da JUC Feminina, Manuela Silva, futura secretária de Estado do Planeamento no primeiro governo de Mário Soares, ou João Cravinho, futuro camarada de Sampaio no MES e no PS..Em janeiro de 1957, uma manifestação de estudantes em São Bento, incluindo muitos vindos de Coimbra e do Porto, e o apoio, na contestação ao decreto, de deputados da Assembleia Nacional tiveram um resultado inesperado. O governo (isto é, Salazar) mandou suspender o diploma, transformá-lo em proposta de lei e mandá-lo à Câmara Corporativa para reformulação, antes de ser submetido à apreciação pelo Parlamento - o que nunca chegou a acontecer. Na prática, o regime cedeu e os estudantes ganharam. Sampaio estava no primeiro ano e não esqueceu a lição: tornou-se um entusiasta do associativismo estudantil..No ano seguinte, 1958, Portugal foi abalado pelo "furacão" Delgado. O candidato, que ficou na história como o "General sem medo", galvanizou amplos setores populares, concentrou o apoio de toda a oposição (incluindo os comunistas, que tinham começado por se mostrar desconfiados em relação ao "general Coca-Cola", como lhe chamavam) e fez da campanha para as presidenciais uma onda de esperança..Muitos acreditaram - sobretudo depois de Humberto Delgado ter dito a frase mágica: "Obviamente, demitia-o" (como foi então corretamente citada), referindo-se a Salazar, e dos banhos de multidão de norte a sul, com destaque para o Porto - que era mesmo possível derrotar nas urnas o candidato do regime, Américo Tomás, e derrubar a ditadura..Jorge Sampaio, então com 19 anos e ainda sem direito a voto (só aos 21), foi apoiante de Delgado. Mas a convicção não lhe toldou o raciocínio e preveniu desde logo o irmão de que iria haver fraude eleitoral. Com efeito, Tomás foi dado como vencedor e Delgado queixou-se de ter sido roubado. Nesse verão, ao estrear as novas instalações da faculdade na Cidade Universitária, Sampaio fez os exames do 2.º ano de gravata preta, em sinal de protesto..Cada vez mais politizado, envolveu-se na Associação de Estudantes (AE), assumindo responsabilidades diretivas nos últimos dois anos do curso. No 4.º ano (1959-1960) foi secretário da direção e delegado da Faculdade de Direito à Reunião Inter-Associações (RIA), que agregava representantes de diferentes escolas da Universidade de Lisboa e ainda uma comissão pró-associação do ensino secundário. Era a RIA, infiltrada pelo PCP, que fazia eco dos protestos pela prisão de estudantes pela PIDE..No último ano letivo do curso (1960-1961), Jorge Sampaio encabeçou uma lista de esquerda candidata à AE cheia de nomes que se tornariam sonantes na política portuguesa, e não só: os futuros ministros Sá Borges, Vera Jardim e Rui Machete, Afonso de Barros, mais tarde dirigente do MES e professor catedrático do ISCTE, e o moçambicano Sérgio Vieira, que foi ministro da Frelimo e é irmão do socialite José Castelo Branco..Sampaio venceu por um voto. A lista da direita impugnou a eleição. Na nova votação, a vitória foi confirmada por uma maioria expressiva..O mandato ficou marcado pela tentativa de organizar uma União Nacional dos Estudantes Portugueses, reunindo as três academias: Lisboa, Porto e Coimbra. Para isso, o presidente da AE de Direito de Lisboa empenhou-se a fundo no apoio a Carlos Candal, que ganhou a Associação Académica de Coimbra à frente de uma lista de esquerda. Em pano de fundo, um acontecimento decisivo para o futuro do país: o início da guerra em Angola..Mas a vida associativa e os primeiros passos na política - ao lado dos amigos Sá Borges, Jorge Santos, Jorge Fagundes, João Salgueiro, Vítor Wengorovius e Nuno Brederode Santos, com quem costumava sentar-se à mesa no café Értilas, em Campo de Ourique (encerrado em dezembro de 2015 para dar lugar a um restaurante de uma cadeia de hambúrgueres) - não eram a única preocupação de Jorge Sampaio em 1961: era preciso acabar o curso. Fê-lo com média de 12 valores. Para comemorar, viajou pela Europa, com mais três colegas, a bordo de um Volkswagen carocha emprestado, que os levou a Espanha, França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha..Em novembro de 1961, o licenciado Jorge Sampaio, de 22 anos, inscreveu-se na Ordem dos Advogados e iniciou o estágio que lhe abriria as portas da advocacia. No entanto, apesar de, formalmente, já ter iniciado a vida profissional, o ex-presidente dos estudantes de Direito não tinha fechado a porta ao ativismo associativo. Foi eleito secretário-geral da RIA, na qual se destacavam José Bernardino, do Técnico, Eurico de Figueiredo, de Medicina, e Medeiros Ferreira, de Letras. Os ativistas repartiam-se entre as tendências organizadas do PCP e da JUC (católicos progressistas), com vários independentes de esquerda, entre os quais Sampaio..O annus horribilis de Salazar, que começara com o assalto ao paquete Santa Maria, o ataque do MPLA às prisões de Luanda e os massacres de civis pela UPA no Norte de Angola, terminou com a invasão de Goa, Damão e Diu pela União Indiana. As ondas de choque repercutiram-se nos meios estudantis, no início de 1962, com as direções associativas de esquerda a desafinar do coro nacionalista orquestrado pelo regime. Ao mesmo tempo, aquelas direções, sobretudo nas Universidades de Lisboa e de Coimbra, redobravam os esforços para organizar uma estrutura associativa a nível nacional, chegando a ser convocado - numa reunião em que Sampaio esteve presente - um Congresso Nacional de Estudantes..Foi nesse contexto que, para prevenir a agitação, o governo proibiu as comemorações do Dia do Estudante, a 24 de março. Com a Cidade Universitária ocupada pela PSP equipada com armamento antimotim (a chamada "polícia de choque"), uma representação de dirigentes da RIA composta por Sampaio, Eurico de Figueiredo, Vítor Wengorovius e Medeiros Ferreira foi a casa do reitor da Universidade de Lisboa, Marcelo Caetano, ex-ministro e futuro presidente do Conselho. Pediram-lhe que interviesse junto do governo para mandar a PSP desocupar a Cidade Universitária. O reitor concordou, em nome da autonomia académica, e telefonou ao ministro do Interior, que prometeu mandar retirar a polícia..Ao chegarem à Cidade Universitária, reitor e líderes estudantis viram que as carrinhas da PSP se mantinham no local. Apesar disso, o Dia do Estudante acabou mesmo por ser comemorado por centenas de alunos que se concentraram no Estádio Universitário, onde acolheram dezenas de colegas que entretanto chegaram de Coimbra. Quando a polícia tentou entrar no estádio para expulsar os estudantes, estes levantaram-se e cantaram o hino nacional. Sem saber o que fazer, muitos agentes puseram-se em sentido. Por fim, os "choques" carregaram mesmo e a confusão espalhou-se pela alameda da Cidade Universitária e pelo Campo Grande..No dia seguinte, a RIA decretou "luto académico", isto é, greve às aulas, com o apoio generalizado dos alunos e de muitos professores. Para conseguir essa quase unanimidade foi decisivo o comportamento do secretário-geral daquela estrutura, Sampaio, cujo prestígio era reconhecido pelas diversas sensibilidades da academia. O ministro da Educação, Lopes de Almeida, recuou e prometeu autorizar o Dia do Estudante. O "luto" foi suspenso..Mas, pouco depois, o governo voltou com a palavra atrás e reafirmou a proibição. A 5 de abril, Marcelo Caetano demitiu-se de reitor. A RIA voltou a declarar greve. O governo retaliou, suspendendo as direções académicas..A crise prolongou-se durante semanas. A PIDE começou a apertar o cerco aos líderes "rebeldes", vigiando cautelosamente todos os plenários de estudantes. Jorge Sampaio, de discurso empolgante e presença habitual na tribuna do Estádio Universitário ou na "pala" da cantina, tornou-se o centro das atenções..O estádio era o cenário habitual dos plenários, cada vez mais frequentes. Num deles, a 9 de maio, 81 estudantes decidiram entrar em greve de fome, barricados na cantina, com o apoio de dirigentes e colegas. Cerca de mil acabaram presos (ver caixa)..Depois de ser libertado de Caxias, Jorge Sampaio percebeu que a situação tinha mudado. Salazar tinha tomado em mãos a crise académica e estava decidido a pôr cobro à revolta estudantil. Logo no dia 15, Sampaio, que regressara aos piquetes de greve, foi expulso da Faculdade de Direito com um argumento irrespondível: já não era aluno. Nos dias seguintes, o governo fez saber que estavam proibidas as reuniões, os comunicados e a própria RIA. Os estudantes mais ativos nos protestos foram suspensos, sendo-lhes levantados processos disciplinares. Eurico de Figueiredo, então militante do PCP, foi preso..O endurecimento da repressão fez mossa na capacidade de resistência dos estudantes. Com a chegada da época de exames, muitos apresentaram-se às provas para não perderem o ano. A 14 de junho, um plenário no Técnico aprovou a proposta da RIA de levantar o "luto académico"..No final de junho foi conhecido o resultado dos processos disciplinares instaurados a 21 dos grevistas da fome da cantina (os que tinham confessado estar em greve de fome): expulsos por 30 meses de todas as escolas da capital..Jorge Sampaio continuou na mira da PIDE. A 20 de julho, uma brigada foi a casa da família, em Sintra. Ele não estava, mas foram-lhe apreendidos livros, cartas e outros papéis pessoais. A 28 de setembro foi convocado à sede da polícia política e interrogado sobre as suas atividades na RIA. O advogado estagiário ficou prevenido: estava debaixo de olho..A 11 de maio de 1962, dois dias depois de iniciado novo plenário, a PSP, que cercara a cantina da Cidade Universitária, forçou a entrada nas instalações, prendeu os grevistas de fome e todos os estudantes que apanhou pela frente. Jorge Sampaio foi um deles. Oitenta e sete raparigas foram levadas para o Governo Civil de Lisboa. Os rapazes - cerca de 800, segundo as autoridades, 1200 na versão dos estudantes - foram para o quartel da PSP, na Parede. No dia seguinte foram identificados e libertados. Mas nem todos. Os que já estavam referenciados pela PIDE ou pela PSP como cabecilhas subversivos foram transferidos, sob prisão, para Caxias. Sampaio, promovido a "inimigo público número um", foi também. Saiu a 14 de maio e logo no dia seguinte estava de volta aos piquetes de greve..O jornalista João Ferreira já não faz parte da redação do DN