Um dia com Luís Montenegro. Líder do PSD prepara de "forma preliminar" novo governo
Rua de São Caetano "à Lapa", número 9, dez da manhã. A moradia que Luís Filipe Menezes, então líder do partido, tentou vender em 2007, está num sossego. No pátio, estreito, empedrado, há quatro carros estacionados. Não há muito espaço. Dali a minutos haveria de chegar Luís Montenegro aparentemente apressado. Em frente, à esquerda, a escadaria de pedra, quase um recanto, que dá aceso ao "interior do PSD" continua à sombra. A assessora - que o "presidente" [é assim que o tratam] diz não gostar "que ele faça analogias com o futebol", e que haveria de passar as viagens desse dia, no carro, em constantes telefonemas para acertar e planear "detalhes" - sabe que pode haver um pequeno e "natural" atraso. A noite anterior terminou tarde, já de madrugada: "reuniões políticas". Nada de "preocupante". Também os previstos 18 minutos do DN até à sede do PSD se tinham transformado em 35. A manhã de trânsito "caótico" e a "mobilidade" - o "caso de Lisboa que é sintomático" - haveria de ser tema de conversa no final do dia.
Minutos depois, abrem-se os portões. Entra uma carrinha branca. Logo depois chega o carro do partido que traz Luís Montenegro. Calças de ganga, camisa azul claro, blazer escuro, sapatos pretos, sai assim que o carro pára entre o portão. Passo acelerado atravessa o pátio, sobe a escadaria, pára. "Bom dia, vou só beber um café". Entra no edifício, vira à esquerda, sobe a escadaria - na parede há fotos dos líderes do PSD - atravessa um pequeno corredor, vira à esquerda e entra no seu gabinete. O telefone da sua assessora não pára de tocar.
Na secretária, onde tudo está simetricamente arrumado, estão os jornais do dia. Folheia calmamente cada um, sem pressas. "É um hábito", diz enquanto bebe o café.
O primeiro encontro do dia está agendado para Odivelas, na Pastelaria Espiga Dourada. Menos de meia-hora de viagem. "Gosto de tomar um cafezinho nas vilas e cidades mais pequenas. Vou falando com as pessoas", explica.
O carro é uma espécie de "escritório" onde aproveita para ler o que "é preciso", preparar as "declarações" e "pensar um bocadinho, refletir, amadurecer ideias" quando as viagens são mais longas. Desde julho já fez quase 150 mil quilómetros.
O exercício no terreno é o de adaptar a "mensagem àquilo que estou a ver, àquilo que estou a conversar com as pessoas, mas é sempre inevitável as matérias da ordem do dia que vão surgindo de forma mais ou menos inesperada". E neste dia por duas vezes isso aconteceu.
Das conversas, assegura, surgem "conselhos", mas o que mais tem sentido "é a frustração com o governo. Bem sei que como líder da oposição é fácil dizer isso, mas é a verdade". E a queixa mais comum, a "mais acentuada", é com "a saúde, com a falta de resposta dos serviços públicos".
E agora até já é tratado por Marcelo como líder da oposição. É uma mudança importante? Luís Montenegro não resiste ao riso. "... Não dou grande importância. Sou exatamente o mesmo e a oposição que era. Sou candidato a primeiro-ministro desde o primeiro dia do mandato. É esse o fato que visto todos os dias".
A diferença na "perceção", sublinha, está na realidade "entre o contexto do espaço mediático, que faz a sua ação, e aquilo que é o dia a dia das pessoas. Há aqui muitas diferenças. A atenção que há nas ruas, nas pessoas, sobre as nossas propostas é muito superior àquela que corre, muitas vezes, nas opiniões veiculadas no espaço público".
Perceção ou mudanças no seu discurso e ambiguidades? A resposta é imediata: "Não tive mudanças de discurso, as circunstâncias é que podem ditar que numa determinada altura se digam as coisas de uma maneira diferente".
Estamos prestes a chegar. A conversa sobre o Chega fica adiada para depois. Há a possibilidade de ter jornalistas à sua espera. Preparado para ser questionado? "Se não souber mesmo, assumo que não sei e não respondo. É um bocadinho raro acontecer porque hoje os meios de comunicação são muito rápidos. Agora é verdade que muitas vezes tenho que compreender e assimilar de forma muito rápida. E é preciso ter aqui algum cuidado para não criar juízos errados por não ter tempo de reflexão suficiente".
Há dezenas de pessoas à sua espera. Gente do PSD. Afinal as perguntas ficaram adiadas para a hora de almoço. A pastelaria fica cheia. Montenegro entra. Tem à sua espera uma mesa no fundo da sala, à direita. Fica ali alguns minutos. Toma um café. Vai falando com quem o interpela. Depois sai. Já não há tempo para uma "caminhada pelo centro". É preciso ir para o próximo destino: O Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar na Pontinha. Entramos no carro. A viagem é curta, menos de 15 minutos.
Montenegro fala do "bom barómetro e alento" que são as pessoas e das sondagens que não valoriza "em excesso porque é preciso perceber as tendências e a tendência no nosso caso tem sido boa".
A explicação é demorada. Montenegro faz contas à margem que diz ter de crescimento, de não haver "irregularidade" no PSD: um "subir e descer" nas sondagens, o que o governo caiu e o "estado em que estávamos há um ano: os piores resultados de sempre, duas vezes abaixo dos 30% em eleições legislativas seguidas".
Conclusão? "Isto ter alterado tanto num ano é uma coisa um bocadinho fora do normal".
E Costa? De novo um sorriso e uma pergunta: "Em que aspeto?" Nada digo. Montenegro faz uma pausa e numa longa explicação usa expressões que traçam o perfil do governo e de Costa: "Anda em roda livre", "descoordenação", "falta de coerência", "perdeu a autoridade", "deslumbrado com a maioria", "soberba intelectual e política", "quase pedantismo político". E uma frase que resume tudo: "A máquina socialista tomou conta da administração pública com a conceção de que isto agora é tudo nosso. Nós é que mandamos em tudo e não precisamos de ninguém".
O carro pára. Motorista e assessora saem. Montenegro continua a conversa. Falamos sobre a acusação socialista, da "ambiguidade" de meses - "nada disso", contra-argumenta o líder do PSD - de recusar o Chega. "Há meses e meses que digo o mesmo. Dizem que agora é que foi a primeira vez! Que quer que lhe diga? Às vezes é preciso dizer várias vezes a mesma coisa para que se perceba". E o plano eleitoral é simples. "Conquistar eleitores ao PS que estão desiludidos e frustrados e também conquistar os que se desprenderam de alguma ligação que tinham ao PSD e foram votar em partidos novos que se colocam à direita do PSD, como o Chega e a IL, por exemplo. Queremos ter uma maioria, sozinhos".
Terminada a visita ao Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar na Pontinha, Montenegro tem almoço marcado com os três autarcas da área metropolitana, uma visita à Fábrica dos Unicórnios no Beato e outra à residência universitária em construção "na Alameda".
A conversa, ao longo da tarde, recai sobre os "conselheiros" e o "governo PSD". Para além dos habituais da comissão permanente, com quem reúne todas as semanas, Montenegro inclui na sua lista Passos Coelho, Cavaco, Barroso, Balsemão, Santana Lopes (algumas vezes) e "pessoas ligadas a empresas, à academia, até amigos ideologicamente de outras áreas políticas".
E já, "por ser normal e porque a possibilidade de isso acontecer existe e é cada vez mais alta", pensa de "forma preliminar" em pessoas à sua "volta" e outras que vai "conhecendo de fora do PSD. Ter a perceção de que este tipo dava um bom ministro, um bom secretário de Estado. Pensar isto faz parte da reflexão até porque para cada lugar tem que haver sempre uma boa meia dúzia de possibilidades". Algum perfil? "Pessoas que vão mostrando algumas capacidades e talentos para poder um dia desempenhar essa função. São pessoas que nós vamos registando como possibilidades".
"Pode haver uma interrupção nesta maratona [fala de 2026] e é preciso estar preparado, ir modelando as coisas para não haver surpresas". A frase é dita quando o carro pára à porta de casa: "O prof. Cavaco é aqui, a casa dele é neste primeiro andar [aponta para o lado direito] e eu é deste lado, quase em frente".