Tiago Oliveira: “Quando a gente sindicaliza um trabalhador não lhe pergunta de que partido é”
O que é que o fez ser sindicalista?
Um percurso de vida familiar, como é óbvio que tem o seu impacto. Tive sempre o meu pai ligado ao movimento sindical, à estrutura dos trabalhadores, em duas grandes empresas, a Companhia Portuguesa de Cobre e a Equimetal, que eram duas empresas de referência no distrito do Porto. E, obviamente, foi esse o primeiro contacto. Mas não posso deixar de colocar o primeiro contacto real que tive no mundo do trabalho. Quando entrei para a Auto Sueco, a empresa onde hoje trabalho. Tinha 17 anos. E entro para a Auto Sueco e deparo-me com a empresa que maior estrutura sindical tinha do setor automóvel. Tínhamos cerca de 7, 8 delegados e dirigentes sindicais. E, obviamente, éramos recebidos logo naquele ambiente de organização, de unidade, de discussão. E isso teve um impacto imediato que, obviamente, me conduziu neste percurso.
Há a ideia de que movimento sindical perdeu algum terreno. É verdade?Não acho que tenha perdido terreno. Neste último mandato, num contexto muito complicado, não podemos esquecer que foi um mandato onde passámos por dois anos de pandemia, em quatro anos conseguimos 110 mil novas sindicalizações. É óbvio que existem outras realidades no mundo do trabalho, não podemos escamotear isso, mas temos grandes empresas com estruturas sindicais de uma dimensão e de uma proximidade aos trabalhadores enorme.
Que dados tem sobre esses novos sindicalizados? Que idades têm? São de que setores?Estamos a fazer esse levantamento, mas posso avançar que à volta de 15% são jovens. O que obviamente traz perspetivas muito positivas de futuro. Temos de olhar para a realidade hoje no mundo do trabalho e ver quais são as dificuldades com que os jovens se deparam. Uma vida onde aquilo que nos é diariamente incutido é do individualismo, de tratar as coisas por si, de que os sindicatos não correspondem aos anseios dos trabalhadores. 70% dos vínculos são de trabalho precário. Obviamente isto condiciona a organização do trabalhador.
Isso desincentiva os jovens de procurarem o movimento sindical?Não desincentiva. Causa dificuldade. Quando entram para uma NOS, quando entram para uma MEO, onde estão milhares de trabalhadores no mesmo edifício, mas a grande maioria não trabalha para aquela empresa diretamente, trabalham para a Randstad ou para a Manpower, e têm a incerteza de saber se no fim do mês continuam a ter posto de trabalho, obviamente isto limita a capacidade da organização, isto traz receio. Porque o que é que nos faz trabalhar diariamente? A necessidade material. E havendo essa necessidade material, muitas vezes temos de nos sujeitar àquilo que nos é colocado. E as políticas que têm sido seguidas têm um objetivo concreto…
Qual é esse objetivo?Retirar aos trabalhadores capacidade de organização e reivindicação. Porque é que em qualquer discussão sobre economia colocamos sempre em primeira mão a necessidade de responder às empresas e não a de dar resposta aos problemas dos trabalhadores? Isto está completamente invertido.
E às vezes até se coloca a questão como se trabalhadores e empresas estivessem no mesmo patamar de poder, não é?Claro que não estão. Eu estive num debate com a AEMinho, onde o representante da associação empresarial vem dizer que estamos em pleno século XXI, as coisas alteram-se, as coisas modernizam-se, e hoje o próximo patamar é esta relação individual entre patrão e trabalhador, em que o próprio trabalhador consegue negociar individualmente o seu contrato individual de trabalho. Isto é uma completa falácia, é mentira. Porque a gente sabe qual é a parte mais frágil dessa negociação, quem é que procura e quem é que precisa de trabalho. Por isso, todas estas artimanhas têm um pressuposto que é a fragilização da unidade do coletivo dos trabalhadores.
Disse no Congresso que quer entrar em 2 mil empresas onde não há neste momento sindicatos. Como é que se faz isso?Contactando, falando. O papel do sindicato não é de prestação de serviços. O papel do sindicato é organizar, falar com os trabalhadores, discutir com eles o problema concreto e levá-los para a luta, na empresa como na rua.
Arménio Carlos lembrava que, com a Agenda do Trabalho Digno, mesmo nas companhias onde não há trabalhadores sindicalizados, os direitos não ficam à porta do local de trabalho. Concorda com esta afirmação?Uma das dificuldades que a gente teve sempre foi contactar os trabalhadores nas empresas onde não tínhamos a organização sindical. Os entraves que são colocados. E uma das forças que tivemos junto do Governo, nesta discussão, foi criar essas condições para que, a nível do sindicato, tivéssemos acesso a discutir com os trabalhadores, mesmo aqueles não sindicalizados, no sentido de transmitir aquilo que são os direitos deles, a sua capacidade de organização, de unidade, de reivindicação, para que pudessem ultrapassar aquilo que muitos acham que é o normal. Temos muitos trabalhadores que acham que é normal começarem a trabalhar hoje assinando o contrato de trabalho e no mesmo dia ao lado já está a carta de despedimento, com o prazo, com o dia, para ir embora. E isto não é fantasia nenhuma, aconteceu. Assisti a isso, por exemplo, num gabinete de arquitetura.
Quando encontra um jovem que acha normal estar precário, que acha que é tudo uma questão do indivíduo, como é que lhe explica que pode ser diferente?A mensagem que me transmitiram a mim quando entrei para a empresa. Olha para isto. Olha para esta força que está aqui. Olha para a farda que tens vestida. É a farda do trabalho. Se é a farda do trabalho, estamos todos aqui do mesmo lado. Organiza-te. Juntos conseguimos alguma coisa. Sozinho não vais conseguir nada. É preciso é transmitir exatamente isto.
Em setores uberizados os trabalhadores tendem a ver-se a si próprios como empresários. Como é que se sindicalizam os setores que estão uberizados?Passaram-se alguns anos desde que as plataformas digitais apareceram. Olhamos para a realidade dos dias de hoje. Como é que ela nos foi apresentada na altura? Que tínhamos de nos adaptar, que estávamos a ficar para trás, que éramos antiquados. Temos trabalhadores que trabalham 10, 11, 12 horas por dia, que estão horas à porta de um restaurante à espera de receber um pedido. Há nestas plataformas grupos que gerem, que tiram dividendos, à custa da exploração de muitos trabalhadores.
E como é que os sindicatos podem entrar nesse mundo?A gente tem de estar junto deles. Tem de perceber a condição de trabalho deles. E não podemos estar à espera que sejam eles a virem ter connosco. Somos nós que temos de estar com eles, discutir com eles, encontrar o melhor caminho. Mas temos encontrado diversos obstáculos nessa vertente. Primeiro a intervenção da ACT nesta matéria, que não é a intervenção que a gente entende que deve ser. Mas não é só a questão da ACT. É a questão das decisões políticas que permitem que isto aconteça. Como é que podemos ter um trabalhador em circunstâncias destas e não lhe ser garantido um contrato coletivo de trabalho, não lhe ser garantido um ordenado, não lhe ser garantido direito a férias, não lhe ser garantida assistência em caso de doença.
A recente decisão de um Tribunal de reconhecer os direitos de um contrato a um trabalhador da Uber vem ajudar alguma coisa?São passos. Mas nós, aquilo que defendemos, é uma coisa diferente. Os trabalhadores que fazem a entrega da Telepizza ou da Pizza Hut têm um vínculo de trabalho estável, são abrangidos por uma contratação coletiva própria dos sindicatos da CGTP. E trabalhando um horário normal de trabalho conseguem ir buscar um salário superior, fruto da negociação e da intervenção dos sindicatos. Não basta regular por legislação. É preciso é criar as condições. O que defendemos é que tenham um posto de trabalho permanente, que pertençam a uma convenção coletiva, a um sindicato, e que depois, organizados, consigam atingir objetivos concretos de melhoria das suas condições de vida. Estamos a lutar por isso.
Uma das grandes reivindicações dos sindicatos tem sido o reforço da contratação coletiva. Porque é que isso é tão importante?É importante porque desde 2003, com as alterações à lei, houve um forte ataque à contratação coletiva e aos sindicatos. Salvo erro, a representação coletiva cifra-se nos 25% dos trabalhadores. As barreiras que foram colocadas à contratação coletiva o que trouxeram foram obstáculos na melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
O trabalhador fica mais frágil e tem piores condições de trabalho quando não há contrato coletivo de trabalho?Exatamente. Um exemplo concreto. Agora felizmente estamos a conseguir reverter a situação, mas uma das questões que muitas associações patronais colocavam logo após a denúncia da contratação coletiva era negociar bancos de horas e adaptabilidades de horário. Nunca contarão connosco para isso. Nunca. Se estamos numa era de avanços tecnológicos, de melhoria das condições de vida, de melhoria das condições de trabalho, por que razão estamos cada vez mais a discutir a normalização do trabalho ao sábado, ao domingo, ao feriado, trabalho fora de horas, laboração contínua em empresas em que não existe laboração contínua nenhuma.
Acha sequer possível um acordo à esquerda sem a revogação das normas impostas pela Troika no Código do Trabalho?Serão os partidos que terão de se entender. Mas deveria estar em cima da mesa. Não tenho dúvidas nenhumas de que isso terá de ser e deverá ser um dos pontos de discussão que permita essa solução. Não posso ter uma posição diferente relativamente a isso.
O PS, mesmo pressionado pela esquerda, pode não ter essa vontade política?Foi anunciado que a Caixa de Depósitos vai apresentar mil milhões de euros de lucro em 2023. A Galp fechou 2023 com mil milhões de euros de lucro. O BCP apresentou 860 milhões de lucro em 2023. A EDP 952 milhões de euros. Tem de haver uma posição firme assumida. De que lado estão? Ou estão do lado daqueles que conseguiram estes milhares de milhões de lucro ou estão do lado da maioria, que são os trabalhadores reformados, pensionistas e os jovens que não conseguem com o seu salário ter uma casa.
Faz parte do Comité Central do PCP. Isso contribui para a ideia de que há um domínio do PCP sobre a CGTP?Quando entrei para a AutoSueco e tive o meu primeiro contacto com a Comissão Sindical, fui abordado por camaradas do partido. Esta ligação que o PCP tem ao movimento sindical é uma questão histórica, de ligação ao mundo do trabalho, que depois tem o seu reflexo na estrutura. Quando os meus camaradas de trabalho me elegeram para delegado sindical sabiam que estavam a eleger o Tiago e que estavam a eleger um comunista. Isto é uma relação normal da estrutura de alguém que está ligado ao mundo do trabalho que não tem impacto nenhum de outra maneira.
Pela primeira vez desde 1975 não haverá socialistas na Comissão Executiva da CGTP. Isto significa um fechamento da intersindical?É verdade que neste mandato e depois da primeira reunião do Conselho Nacional um conjunto de camaradas, cinco camaradas decidiram não integrar a Comissão Executiva da CGTP. Do nosso ponto de vista não há problema nenhum, é o funcionamento democrático dos órgãos, são camaradas que decidiram não integrar a Comissão Executiva.
Mas pensa que eles se sentiram de alguma forma limitados na sua ação?Quando a gente sindicaliza um trabalhador não lhe pergunta de que partido ele é, não lhe pergunta se é católico, se é muçulmano. Quando estamos a constituir o Conselho Nacional da CGTP, os órgãos que lá chegam não são do partido A, B ou C. São órgãos eleitos pelos sindicatos nos locais de trabalho. Não devemos olhar para a CGTP como uma força política A, força política B.
A composição da Comissão Executiva é uma consequência natural da composição do Conselho Nacional?Há uma razão histórica no processo de construção da CGTP, que conduziu a esta correlação de forças. Mas o que nós tentamos hoje é olhar para aquilo que é a CGTP como um coletivo.
Mas há uma questão de representatividade de socialistas e bloquista?As conversas estão a decorrer. Esperamos que a gente consiga chegar a um entendimento e que [os socialistas] retornem à Comissão Executiva. Estou certo de que isto vai acontecer muito em breve e vamos retomar a normalidade das coisas.
É tido como homem de consensos. Confia que esse seu trabalho dê frutos nessa matéria?Não sei se sou de consensos. Gosto de tentar perceber o outro lado. Não afasto, tento conversar, perceber e encontrar o melhor caminho.
Como vê a possibilidade de o Chega ter uma espécie de braço sindical, o tal Solidariedade? Isso traduz um fracasso do movimento sindical tradicional?É preciso perceber qual é a real intenção. A CGTP tem 53 anos de história. Em momento algum claudicou na defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores. Não vai claudicar nunca. Estaremos sempre junto dos trabalhadores. Não há outra forma de sindicalismo, não há outra forma.
Disse que a CGTP nunca claudicou. Mas a direita acusa a CGTP de na geringonça não ter estado tão presente. Como é que responde a isso?Não vamos para a rua porque se estala os dedos e amanhã temos a ideia de ir para a rua seja pelo que for. Tem de haver espaço de manobra para os governos atuarem, para colocarem as políticas em prática. E depois cá estaremos nós com os trabalhadores. Fazemos a análise dessas políticas e, se entendemos que devemos ir para a rua, aí não há dúvidas. Vamos para a rua, vamos contestar, vamos fazer tudo para que essas medidas sejam ultrapassadas.
Surgem movimentos inorgânicos. O sindicalismo já não é suficiente para canalizar todo o protesto?Já há uns anos discutiu-se muito a questão dos movimentos inorgânicos. Temos uma posição sobre isso de nunca hostilizar. Mas temos uma preocupação que é a seguinte. Penso que foi no governo da Troika que houve um conjunto de movimentos inorgânicos que surgiram com grandes manifestações de massas que trouxeram o povo para a rua. A questão é quem é que os cria, com que objetivo é que os cria e para onde é que os querem conduzir. Se for para esvaziar o sentimento e não haver consequência disso, não estamos a fazer nada. Os movimentos inorgânicos, os partidos populistas surgem de um descontentamento natural que existe na população por falta de respostas aos seus problemas. Se os problemas surgem e não há resposta, tende a haver este aproveitamento. Um aproveitamento para conduzir a luta para que se esvazie sem consequências políticas. E essa é a nossa preocupação.
O que é que faria deste seu mandato uma derrota?Desde que os trabalhadores estejam unidos, organizados em prol dos seus interesses, nunca, nunca podemos considerar qualquer tipo de derrota. Temos uma frase que diz “quem luta nem sempre ganha, quem não luta perde sempre”. Eu acho que isto responde.
E o que fará deste seu mandato na CGTP uma vitória?Tudo aquilo que a gente conseguir conquistar de positivo para os trabalhadores. A gente sabe que não é hoje, sabe que não é amanhã, mas sabe que passo a passo, com a presença deles, com o coletivo deles, vamos conseguir conquistar melhorias de condições de vida. Sem dúvida nenhuma.