Terceiro round. Parlamento mantém maioria clara a favor da eutanásia 

Morte medicamente assistida perdeu votos à esquerda, que não são totalmente compensados pelos ganhos do PS, mas mantém uma maioria confortável, nesta que é já a terceira legislatura em que este tema vai a votos.
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A nova composição da Assembleia da República mantém uma clara maioria de deputados favorável à despenalização da morte medicamente assistida. No final de novembro, poucos dias antes da dissolução do Parlamento, o diploma que abre as portas à legalização da eutanásia e do suicídio assistido foi vetado pela segunda vez pelo Presidente da República. Agora, o texto voltará a Belém, a questão é quando.

Isabel Moreira, deputada socialista que tem sido o principal rosto do diploma diz que é prematuro apontar qualquer timing, numa altura em que os deputados eleitos a 30 de janeiro ainda não tomaram posse. O mesmo é repetido na direção da bancada parlamentar do PS. Mas há um ponto que é certo: a prioridade dos socialistas - agora em maioria absoluta - no início desta XV legislatura vai para a discussão e aprovação do Orçamento do Estado (OE), pelo que a questão da eutanásia deverá ficar remetida para depois. Dependendo da data da entrega do OE no Parlamento, o processo orçamental deverá ocupar os deputados até abril.

O processo relativo à despenalização da morte medicamente assistida não avançou mais desde que Marcelo Rebelo de Sousa vetou pela segunda vez o diploma. Com o país político em clima de pré-campanha eleitoral logo a partir de dezembro, os cinco partidos que estiveram na origem da proposta final (PS, BE, IL, PAN e PEV) não voltaram a concertar posições, muito embora tenha ficado expressa a disponibilidade de todos para retomar o tema.

Também ainda não é claro se o processo será retomado a partir do texto chumbado por Marcelo Rebelo de Sousa no final de novembro ou se será necessário reiniciar todo o processo legislativo na Assembleia da República, dada a mudança da legislatura, o que tornará um novo diploma mais demorado. Durante a campanha eleitoral, o Bloco de Esquerda prometeu apresentar um projeto de lei para despenalizar a morte medicamente assistida logo no "primeiro dia" dos trabalhos parlamentares.

Em teoria, a maioria absoluta do PS seria suficiente para fazer avançar a lei, embora a prática mostre que não é bem assim: na última votação sete deputados do PS votaram contra e dois abstiveram-se. Mantendo-se a liberdade de voto, como é expectável, com estes números o PS não conseguiria aprovar o diploma sozinho.

Mas os socialistas não estão sozinhos, longe disso. À direita do PSD, a reconfiguração partidária traduz-se num pequeno ganho do lado do sim. É certo que o Chega - que é contra - cresce de um para doze deputados, mas esse efeito é anulado pelo desaparecimento do CDS (cinco votos contra na passada legislatura) e pelo crescimento da Iniciativa Liberal, um dos partidos proponentes da lei, e que cresceu nestas eleições de um para oito deputados. São mais sete votos a favor, pelo que o saldo à direita é mais favorável (mais um voto) à despenalização nesta legislatura.

Do outro lado do hemiciclo as contas são bem diferentes: há menos 14 votos favoráveis no Bloco de Esquerda, a que se somam os dois do PEV, que não elegeu deputados, e os três perdidos pelo PAN, mantendo-se o do Livre. Sobram, portanto, sete votos a favor quando na legislatura passada eram 26. Na bancada do PCP há menos quatro votos contra a eutanásia.

A perda de votos à esquerda não é totalmente compensada pelos ganhos do PS que, nesta altura, quando falta atribuir os quatro lugares do círculo da emigração, conta mais 11 deputados que na anterior legislatura. A maior incógnita quanto às contas finais estará voto "dissidente" da maioria nas bancadas do PS e PSD, mas não antecipando oscilações de grande peso nos dois grupos parlamentares o sim à eutanásia mantém-se na casa dos 130 votos. Não muito longe dos 138 e 136 votos favoráveis registados nas votações da última legislatura.

Em novembro sete deputados do PS votaram contra - quatro mantém-se no Parlamento e mais dois deverão voltar por efeito das saídas para o Governo. Os dois deputados que se abstiveram também continuam.

No PSD, 13 deputados votaram a favor da eutanásia - oito mantém-se no Parlamento, cinco saíram. Os três parlamentares que se abstiveram também regressam.

No final de novembro, Marcelo Rebelo de Sousa devolveu o decreto da eutanásia à AR sem promulgação, pedindo a clarificação do "que parecem ser contradições no diploma". Belém fez notar que a exigência de "doença fatal" para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma, se estendia agora a "doença incurável" mesmo se não fatal, e também a "doença grave". Por outro lado, o chefe de Estado defendeu que o novo texto terá estendido as situações de acesso à morte assistida para além dos casos fatais - um argumento largamente contestado pelos subscritores do diploma e que dificilmente terá eco nas alterações futuras. Quando o diploma voltar a Belém e dado que não será uma reconfirmação do texto anterior, Marcelo Rebelo de Sousa mantém em aberto a possibilidade de veto.

susete.francisco@dn.pt

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