TAP. Todos ilibados. PS nega responsabilidade do governo

Relatório que "branqueia" o governo, "vergonha democrática", "farsa", "incompreensível". Oposição não se poupa nas críticas às conclusões de deputada do PS.
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Cumpriu-se cabalmente a expectativa da oposição segundo a qual o relatório preliminar da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) à TAP, elaborado pela deputada do PS Ana Paula Bernardo, não conteria a mais pequena sombra de censura à atuação do governo no episódio que desencadeou o caso: a renúncia de Alexandra Reis ao cargo de administradora da empresa - transitando meses depois para a presidência de outra empresa pública, a NAV - com uma indemnização de meio milhão de euros.

O documento não contém uma palavra de censura ao ex-ministro Pedro Nuno Santos. Já quanto ao seu sucessor na pasta das Infraestruturas, João Galamba, omite julgamentos sobre o caso que levou à intervenção do SIS (ver página ao lado), dizendo que isso compete ao Ministério Público.

O que se prevê agora até ao próximo dia 13, quando se realizar na CPI a votação final do documento - e o PS tem maioria para o aprovar sem necessitar de grandes concessões - é um intenso tiroteio da oposição tentando forçar os socialistas a aceitarem introduzir alterações de monta no documento. Mas dificilmente tal acontecerá.

Seguindo o já muito antigo guião destas ocasiões, o PSD e o Chega anunciaram que irão apresentar conclusões alternativas.

Luís Montenegro, presidente do PSD, foi particularmente incisivo, classificando o documento como uma "uma vergonha democrática e sem valor nenhum", sendo o seu conteúdo "estritamente socialista", não refletindo o que se passou na comissão. Portanto, trata-se de um documento "faccioso, tendencioso" e "uma tentativa de branqueamento" das responsabilidades do governo. Montenegro aproveitou também para disparar diretamente sobre o primeiro-ministro, que "tem muito essa estratégia: até agora não falava porque a comissão estava a trabalhar, agora é porque não são as conclusões finais, quando forem vai dizer que não é preciso falar nunca porque está tudo bem."

Já André Ventura prometeu que o seu partido proporá uma "alteração estrutural profunda" ao documento para este ser "capaz de identificar responsáveis, de criar a narrativa dos factos tal como eles aconteceram e, sobretudo, que cumpra a lei e que expresse aquilo que foi dito e analisado na Comissão de Inquérito".

A Iniciativa Liberal, pelo contrário, decidiu outro caminho: não apresentará nenhuma proposta de alteração ao documento. "Não participamos em farsas", disse o presidente do partido.

À esquerda, o PCP considerou, através do deputado Bruno Dias, que o documento representou, "sem surpresas", uma forma de "tentar justificar e defender a privatização da TAP".

Já o BE disse, através de Pedro Filipe Soares, que o relatório "não é muito diferente daquilo que teria escrito se tivesse sido feito por João Galamba ou pelo primeiro-ministro, tal é a forma como retira de cima da mesa uma parte relevante dos acontecimentos que tiveram lugar na Comissão Parlamentar de Inquérito". Os bloquistas, acrescentou, apresentarão propostas de alteração e, se estas não forem inseridas, apresentará uma declaração de voto que depois será transmitida ao Ministério Público.

António Costa, pelo seu lado, manteve-se na linha que segue desde o início: "A guardo pelas conclusões finais do relatório para saber se há alguma outra consequência política a retirar."

Governo não interferiu

O relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito (CPI) conclui pela inexistência de evidências de interferências políticas na gestão da empresa e salienta os impactos negativos para os trabalhadores resultantes do plano de reestruturação. Estas são duas das linhas centrais da proposta de relatório apresentada esta quarta-feira em conferência de imprensa pela autora do projeto de relatório final, a deputada do PS Ana Paula Bernardo. De acordo com a deputada relatora, "não se registaram situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte da tutela", ou seja, por parte dos ministérios das Finanças e das Infraestruturas.

Os casos de Alexandra Reis (I)

O relatório concluiu não existir ligação entre a saída de Alexandra Reis da administração da TAP, com uma indemnização de meio milhão de euros autorizada pelo então ministro das Infraestruturas , Pedro Nuno Santos, e a sua nomeação algumas semanas depois, pelo mesmo ministro, para presidente da NAV. "Não existem evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e o convite e respetiva nomeação para a NAV", lê-se no relatório preliminar. Segundo a relatora, "todas as declarações sobre esta matéria, como as [do ex-secretário de Estado das Infraestruturas] Hugo Mendes, [a ex-presidente executiva da TAP] Christine Ourmières-Widener e a própria Alexandra Reis, apontam para o desconhecimento de tal possibilidade, aquando do processo de renúncia na TAP". "O perfil, as sólidas competências e o conhecimento profundo do setor por parte de Alexandra Reis foram os motivos apontados pelos então governantes para esta escolha", refere o documento, relativamente à saída de Alexandra Reis da administração da TAP e nomeação para presidente da NAV (empresa pública que gere o espaço aéreo). O relatório aponta ainda que "não existiu qualquer pressão ou intervenção política por parte das tutelas da NAV, tendo Alexandra Reis rejeitado que tenha existido interferência do Governo na gestão corrente da empresa, durante os cincos meses no exercício de funções".

Os casos de Alexandra Reis (II)

Sobre o processo de saída de Alexandra Reis da TAP, o projeto de relatório final diz que "partiu de exclusiva vontade e iniciativa de Christine Ourmières-Widener [na altura CEO da TAP]", que "foi por ela integralmente gerido e, só num momento final e depois de concluído o processo negocial, foi dado a conhecer a todos os membros do Conselho de Administração". O relatório refere que ficaram por apurar os motivos concretos para a saída de Alexandra Reis e que "a forma como foi conduzido o processo de cessação de funções - a negociação (proposta e contraposta), a fundamentação e formulação do acordo, o cálculo do valor de compensação - não respeitou as disposições legais, nomeadamente o Estatuto de Gestor Público a que todos os administradores da TAP se encontravam, e ainda se encontram, sujeitos". A cessação de funções de Alexandra Reis na companhia aérea foi levada a cabo pelas sociedades de advogados SRS, do lado da TAP, e Morais Leitão, pela parte da ex-administradora, no espaço de cerca de 10 dias. O projeto de relatório refere que a figura de "renúncia por acordo" encontrada pelos advogados não se encontra prevista no Estatuto de Gestor Público, tal como apontado pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) e "as sociedades de advogados contratadas pelas duas partes elaboraram uma proposta de acordo de cessação de funções de uma Administradora de uma empresa pública à revelia do Estatuto do Gestor Público". Omite neste capítulo que a forma irregular da renúncia de Alexandra Reis foi sancionada pelo Governo, através do então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos. Quanto ao comunicado enviado pela TAP à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em 4 de fevereiro de 2022, dando conta da "renúncia de um membro do conselho de administração" mas sem referir a indemnização atribuída a Alexandra Reis, afirma apenas não existirem evidências de que o Departamento Jurídico da companhia tenha sido envolvido no processo. Mais uma vez omite que este comunicado foi previamente sancionado por Pedro Nuno Santos. O que diz é que o ex-ministro das Infraestruturas e o ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, "assumiram as suas responsabilidades políticas na gestão deste processo, tendo apresentado as suas demissões em 28 de dezembro de 2022".

Intervenção do SIS é assunto do MP

A autora do projeto de relatório final diz que a questão da intervenção do SIS para recuperar um computador portátil de serviço a Frederico Pinheiro, adjunto que o ministro das Infraestruturas João Galamba tinha demitido horas antes, deve ser uma questão da responsabilidade do Ministério Público e não da CPI. "Procurei responder ponto a ponto sobre as alíneas do nosso mandato [de deputados], deixando de fora aquilo que não diz respeito ao objeto da TAP e - em outras situações - aquilo que não é competência de uma comissão de inquérito em termos de conclusões", disse esta quarta-feira a deputada socialista, em conferência de imprensa.

Algumas recomendações

O Governo deve melhorar o processo de classificação de documentos e a articulação entre tutelas financeira e setorial, lê-se nas recomendações feitas por Ana Paula Bernardo. No final do documento, a deputada relatora elenca um conjunto de recomendações dirigidas às empresas, ao Governo e também sobre os trabalhos das comissões de inquérito parlamentares. Uma das seis recomendações dirigidas ao Governo é "melhorar os processos de classificação de documentos (e, de forma conexa, os processos de gestão documental), para garantir que a documentação seja adequadamente classificada, tramitando nos gabinetes governamentais e entre estes e as empresas com a correta classificação e, quando aplicável, com exigidas garantias de segurança dos documentos".

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