Oposição de Pedro Nuno à privatização da TAP pesa na decisão de Costa
No gabinete de António Costa, primeiro-ministro que agora acumula a pasta das Infraestruturas, ninguém esclarece se afinal o processo de privatização da TAP é para continuar ou não é para continuar, ficando para a próxima legislatura e para o próximo Governo.
Ao contrário do que já foi decidido em relação à localização do novo aeroporto, sendo claro que a decisão será transferida para o Executivo que sair das eleições de 10 de março, na questão da privatização da TAP o primeiro-ministro mantém as opções em aberto. Recorde-se: o Governo fez um decreto de privatização da companhia aérea, enviou-o para o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa - e este depois devolveu-o à origem arguindo diversas reservas, nomeadamente de falta de transparência no processo. O impasse entre Costa e Marcelo não se resolveu entretanto.
Ao que o DN apurou junto de fontes governamentais, o facto de o Governo estar a semanas de ficar diminuído nas suas competências - quando o Chefe de Estado publicar o decreto de exoneração do primeiro-ministro, ficando assim o Executivo em gestão corrente - evidentemente tira margem ao Governo para prosseguir o processo de privatização, tentando negociar com Marcelo uma versão do diploma que este pudesse promulgar. Mas além disso há a "questão Pedro Nuno Santos".
O antigo ministro das Infraestruturas, agora candidato à liderança do PS, é assumidamente um grande defensor da posse da companhia aérea portuguesa pelo Estado. Pedro Nuno Santos acha que foi o Estado quem salvou a empresa, sublinhando insistentemente, até, que já começou a dar lucro.
Portanto, mesmo que António Costa conseguisse concertar com Marcelo a promulgação do decreto da privatização da TAP e decidisse, depois, fazer avançar o processo, fá-lo-ia com a certeza de que um dos candidatos a secretário-geral do PS seria contra. E mais: sabendo Costa que na disputa pela liderança do partido, Pedro Nuno Santos é claramente favorito face a José Luís Carneiro. Ou seja: a privatização avançaria contra o candidato do PS que pode ser primeiro-ministro.
Para já, o DN sabe que o primeiro-ministro e o chefe de Estado ainda não acertaram agulhas quanto ao destino da venda da TAP.
Não é a primeira vez no XXIII Governo Constitucional que António Costa acumula mais um ministério, para além das funções de primeiro-ministro. Ainda antes da tomada de posse do Governo, António Costa foi empossado ministro dos Negócios Estrangeiros, a 28 de março de 2022, para que Augusto Santos Silva, que na altura detinha a pasta, pudesse assumir o mandato de deputado, para posteriormente se candidatar ao cargo de presidente da Assembleia da República, que acabaria por conseguir. Quanto ao processo legal inerente ao facto de o primeiro-ministro ter ficado com o Ministério das Infraestruturas, está tudo enquadrado no Decreto-Lei n.º 32/2022. "O primeiro-ministro pode exercer transitoriamente as competências atribuídas pelo presente decreto-lei a um/a ministro/a, em caso de cessação de funções deste/a", estabelece o diploma que regula o funcionamento do Governo.
Ao tornar-se agora, na reta final desta legislatura, ministro das Infraestruturas, António Costa herda pastas que não estão resolvidas e que até embatem em diatribes ideológicas de outros partidos. Em causa está a privatização da TAP ou a derrapagem na execução do plano Ferrovia 2020, com um programa de 2,1 mil milhões de euros e que tinha a sua conclusão prevista para 2021, e, mais recentemente protelada para 2025. Com a queda do Governo, poderá, ou não, ter um fim à vista. De qualquer forma, não é com um ministro das Infraestruturas transitório que este segundo tema ficará resolvido, juntando-se aos retroativos um atraso de cinco meses, até que haja um novo Governo em funções, com as eleições legislativas convocadas para o dia 10 de março do próximo ano.
Já sobre a TAP, a decisão, entretanto travada duas vezes - por Marcelo, quando vetou o diploma, devolvendo-o ao Governo, como pela falta de consenso dentro do espetro socialistas -, terá de transitar para o próximo Executivo.
Com este cenário, Costa aguentaria mais uma saída no Governo e assumir mais uma pasta? Quando, no dia 7 de novembro, o primeiro-ministro apresentou a demissão, "surpreendido" por um comunicado da Procuradoria-Geral da República a confirmar que será instaurado um processo-crime contra si, outros nomes no Governo foram transportados para a ribalta da Justiça. Para além de João Galamba, constituído arguido no âmbito de concessões em negócios do lítio e do hidrogénio verde, também o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, e o chefe do gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escária, foram visados. No entanto, um dos nomes que emergiram na indiciação do Ministério Público foi o do ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro.
"A factualidade fortemente indicada respeitante às refeições oferecidas ao abrigo de uma resolução criminosa pelos arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves aos arguidos João Galamba e Nuno Lacasta [presidente da Agência Portuguesa do Ambiente], bem como a Duarte Cordeiro, preenche o referido tipo do crime de oferta indevida de vantagem", é referido no despacho de indiciação.
Com a possibilidade das remodelações no Governo ainda não terem terminado, resta saber como é que António Costa resolveria outras pastas deixadas sem ministro a tutelá-las. Para já, Duarte Cordeiro, ouvido no âmbito da apresentação das propostas de alteração ao Orçamento do Estado para 2024, afastou a hipótese de ser constituído arguido. "Não temo nada de uma decisão que tenha tomado, nem eu, nem a minha equipa, relativamente a nada no Ministério do Ambiente", disse o ministro, acrescentando que não pensa ser "constituído arguido".
Se António Costa assumir a pasta das Infraestruturas tem um enquadramento legal - para o PSD é normal - numa situação extraordinária. "Acho que é relativamente normal numa situação que, essa sim, não é normal, que é termos um primeiro-ministro que está demissionário e um ministro que prolongou, ultrapassando todos os limites, a sua permanência no Governo", disse ontem o líder social-democrata, Luís Montenegro.
Também o líder do Chega, André Ventura, acusou ontem o primeiro-ministro de substituir Galamba porque "já ninguém na sociedade civil está disponível para ser ministro do Partido Socialista", acrescentando que espera ouvir no Parlamento António Costa sobre a pasta das Infraestruturas.