"Se o Chega estiver disposto a ceder apenas apoio parlamentar ao PSD, sem entrar para o governo, não será comigo"

III Congresso. Líder do Chega vai pedir mandato na reunião magna, que se realiza até domingo em Coimbra, para negociar uma coligação de governo com o PSD caso o centro- direita tenha maioria nas legislativas. Mas admite que o partido corre algum risco de ser ilegalizado.
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Este congresso do Chega vai sobretudo discutir as alianças à direita, se o partido deve ou não um governo de direita, se essa maioria vier a acontecer nas legislativas. Mas já tirou essa conclusão e disse-a na convenção do Movimento Europa e Liberdade (MEL).
Acreditamos que vai haver uma maioria de direita nas próximas eleições legislativas. Os Açores foram um primeiro sinal disso, as sondagens também diziam que o PS ganharia folgadamente, depois a direita acabou por ter mais votos que a esquerda toda junta. O modelo dos Açores não se deve repetir nesses termos exatos. A nível nacional o que pretendemos é uma solução que com 10 a 15% dos votos possamos obrigar a direita a uma espécie de reformulação que obrigue o PSD a ceder ministérios e nas políticas fundamentais e que possamos ter esta coligação. Este congresso serve para dar o mandato até onde podemos ir na negociação, que exigências devemos fazer e se houver cenários alternativos se devemos aceitar ou não, se o PSD decidir que só quer apoio parlamentar e que não nos quer a integrar o governo. Se poderá ser uma solução do Chega apoiar o PSD mas sem o André Ventura.

Mas o Chega sem André Ventura não existe...
Ah existe, existe. O Chega é hoje, provavelmente, o terceiro maior partido em número de militantes. O que acontece é que mediaticamente sou um dos fundadores e líder e já era uma figura da televisão, mas hoje o Chega tem pessoas de muito valor, o caso dos meus vice-presidentes e pessoas com percurso histórico feito como Diogo Pacheco de Amorim, o António Tanger, que foi embaixador muitos anos e tem uma carreira diplomática tremenda.

O Chega é considerado um partido de extrema-direita - nas ideias e nas ligações políticas que tem -, como é que isso pode ser compatível com ou partido de "centro" onde Rui Rio posiciona o PSD?
Nós discutimos a classificação de extrema direita. Mas os catálogos preocupam-me muito pouco e, como se vê, também não preocupam muito o povo português. Vemo-nos essencialmente como um partido antisistema e é essa a lógica que também temos defendido na Europa. Mesmo quando junto dos nosso parceiros há derivas um pouco mais extremas, de sair da União Europeia ou ter uma política de natureza rácica, temos rejeitado isso sistematicamente. Durante muitos anos a questão de colocávamos é como é que o PSD pode aceitar isso? Queremos que seja tão evidente e tão obrigatório que o PSD nem outra opção. Se o Chega tiver entre 10 e os 15% é uma condição objetiva. As sondagens dão-nos entre 6 a 8%, eu nas presidências tive 12%, portanto, tudo aponta para que se consiga aquele resultado. Isto significa que o PSD não vai negociar com o Chega, vai sentar-se com o chega à mesma mesa para dizer se quer ou não fazer um governo. Aqueles que pensam que no momento certo o Chega vai ceder e dizer, por causa do interesse nacional e para afastar o PS, nós vamos ceder, se o programa de governo do PSD tiver de cair quinze dias após as eleições cai. Os nossos eleitores querem mesmo uma mudança radical. Eu não podia em consciência transformar isto numa espécie de CDS 2, ou a Iniciativa Liberal 1.0. Os nossos eleitores querem mesmo mudanças, na Justiça, Administração Interna, no sistema fiscal, na relação com os parceiros da Europa, com a imigração. Se isto não for assim, eu vou para o governo só para perder porque ao fim de dois meses o PSD não faz nada do que nós queremos ou desejamos e 10 a 15% do eleitorado vai sentir-se frustrado comigo e com o Chega. Aliás, uma das coisas que vou dizer ao congresso é que se o Chega estiver disposto a ceder apenas apoio parlamentar ao PSD, sem entrar para o governo, não será comigo.

Se Passos Coelho fosse o líder do PSD era mais fácil o entendimento com o Chega? Dizem que André Ventura é uma criação do antigo líder social-democrata...
Discordo disso. Gosto de Pedro Passos Coelho, considero-me amigo dele, falo com ele de vez em quando, agora muito raramente, mas quer dizer... apoiou-me naquele contexto em Loures, foi muito firme naquele momento, por isso é que para mim é das referências. É um homem sério, íntegro, firme nas suas convicções e na decisão, o que em política é muito importante. Mas não sou nenhuma criação de Pedro Passos Coelho. O resultado que o Chega teve e tem é uma criação do fracasso da direita em assumir-se como alternativa. O Chega nasce num contexto muito especifico das autárquicas de Loures, mas nasce com uma revolta profunda do povo de direita que não se sente identificado. Rui Rio disse que não é de direita. As pessoas de direita democrática e tradicional, mais conservadora, democrata-cristã e até mais radical sentem-se órfãos completamente. Neste momento é o Chega a única alternativa, dado que a Iniciativa Liberal um dia é de esquerda e outro da direita.

O PSD também rejeitou o vosso projeto de revisão constitucional, tal como os restantes partidos, não tira daí uma conclusão? A de que as suas propostas não colhem em nenhuma força?
Só mostra que somos um partido antisistema. O Chega tem uma identidade tão própria que não se pode submeter ao crivo de outros partidos e aquela revisão constitucional é o nosso ADN. O que eu mostrei com aquelas propostas de foram as bandeiras do Chega e disse no debate: esta Assembleia junta-se para chumbar este projeto, talvez na próxima legislatura o Chega em vez de ter um tenha 18 ou 20 deputados a coisa seja diferente e nós voltaremos à carga com os mesmos projetos. Uma das nossas condições de governo no futuro, se o PSD tiver interessado nessa plataforma, é uma derivação para um acordo parlamentar que envolva algumas destas bandeiras.

E como interpreta o cordão sanitário que o PSD e o CDS fizeram em relação ao Chega nas autárquicas?
É um disparate. Houve uma sondagem publicada a semana passada relativa a Lisboa, e sem termos mexido uma palha, estávamos em terceiro lugar. Não é por Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos dizerem que não querem o Chega que o Chega desaparece. O que achei curioso foi haver uma reunião entre dois líderes, de partidos relevantes, cujo único objetivo do acordo autárquico era dizer que o Chega está fora. O quão ridículo para a direita é. Indigna-me porque Rui Rio tem outro objetivo. Ele sabe que se o CDS cair, como as sondagens indicam, se desaparecer, a última barreira entre o PSD e o Chega está afastada. E portanto, Rui Rio quer salvar o CDS e vai fazê-lo, e vamos ver se não tenho razão, com um acordo pré-eleitoral para as legislativas. O CDS não se está a conseguir salvar a ele próprio. O CDS está numa situação muito difícil, também por causa da Iniciativa Liberal, é objetivo.

Se não conseguir implantar o partido a nível autárquico que consequências tira disso?
Temos de mudar de rumo. Eu não sou candidato autárquico e não acho que seja o meu lugar de líder a estar em causa. Temos tido um caminho, que Rui Rio diz que é de radicalização, e há alas do partido que entendem que devíamos ter uma perspetiva mais moderada em algumas coisas, mas eu entendo que não. O caminho de rutura é o nosso. Se nas autárquicas formos, como espero, a terceira força política em número de votos globais, continuaremos o mesmo rumo; se não for, ponderarmos onde poderemos infletir um pouco o caminho.

E admite que possa haver essa moderação?
Não será comigo, mas admito que possa ser possível. Temos um estilo próprio e desde que fui para a televisão as pessoas sempre me conheceram num papel de assertividade.

Mas uma coisa é um discurso assertivo outra é um conteúdo mais diruptivo...
Mas eu acho que o nosso eleitor quer esse discurso diruptivo e se ele for para cair deve ser feito por outro protagonista. Para implantar o partido era preciso um discurso disruptivo, forte, que fizesse os alicerces do nosso sistema tremer. Talvez daqui a uns anos já seja ao contrário, talvez precisemos de outro tipo de abordagem e já não serei eu a fazê-la.

Na convenção do MEL, que reuniu todas as forças de centro-direita, todas as forças disseram rejeitavam os "populismos". Não foi um rejeitamos André Ventura?
Para mim não, mas para eles foi o sentido. Vi até uma coisa do Pedro Santana Lopes a dizer que eu nem tinha o direito de evocar Sá Carneiro. Até tenho de ler coisas ridículas como a Iniciativa Liberal a dizer que nunca fará governo com o Chega, como se tivesse 20% nas sondagens. Ou pior, ontem li a próxima líder do PAN a dizer que o seu partido já está disposto a ir para o governo, mas nunca com o Chega. Mas porque carga de água é que o Chega havia de estar num governo com o PAN?

Dão-lhe importância a mais?
Os atores políticos sabem que é incontornável o papel que o Chega terá no futuro na construção de soluções políticas por isso é que se estão a apressar a dizer "com eles nunca, com eles nunca". Nos Açores também era com "eles nunca" e foi "com eles sim, com eles sim" porque tínhamos de afastar o PS. O que apelo a todos é à moderação e alguma objetividade de discurso porque não sabemos o que vai acontecer: se António Costa vai ficar ou não, se a legislativas dão o poder ao PS ou geram alguma crise política, e se a direita insistir neste discurso de diabolização vamos chegar a uma parede. Porque quem está à espera que a Iniciativa Liberal ou o CDS consigam superar os votos do Chega para conseguir formar essa alternativa é praticamente impossível. Basta olhar para o Alentejo e para o Algarve, aqui temos eleitores que nunca votaram na direita na vida e que são nosso eleitores. Todos sabemos que se a direita tiver maioria nas eleições vamos todos ter de nos sentar à mesa.

Mantém a polémica expressão "portugueses de bem"?
Mantenho. Não quis ofender ninguém, o que quero dizer é os portugueses que cumprem, os que se integram. Foi uma forma metafórica de dizer que tivemos sempre Presidentes e políticos sempre muito preocupados com os que vivem à conta dos outros, com os que vivem à conta de esquemas, com os criminosos, com os coitadinhos que têm sempre lá o Estado à mão deles, e nunca tivemos os que se preocupassem com os portugueses normais.

O crescimento do Chega foi feito à custa do CDS?
Temos duas ou três ideias, mas são genéricas: a grande massa de dirigentes do partido vem do PSD, que base dos militantes no centro e no norte vem do CDS e no Alentejo do PCP, onde se verifica uma transição muito grande de eleitores para o Chega. Isto gera estupefação, mas também preocupação, como vamos integrar estas tendências todas, até de pessoas vindas do PNR.

É isso que justifica as tensões públicas e notórias dentro do Chega?
Claro, é esta dialética e já se sentiu isso no II Congresso e no III vai voltar a sentir-se porque são bases muito diferentes, têm em comum a lógica do antissistema, mas há uma tensão político-ideológica muito grande.

Tem medo da ilegalização do Chega?
Li vários constitucionalistas, até no DN, e quase todos disseram que enquanto não houver apelo à violência não há razão para isso. Nunca apelarei à violência, não é a minha forma de ser e de estar. Se é possível? Houve um momento que achei que não e eu conheço os juízes do Tribunal Constitucional, alguns foram meus professores, e são tecnicamente muito bons. Mas a minha preocupação é que ao serem politicamente nomeados ficam politicamente baseados e isto levanta a preocupação se o sistema não terá a tentação de ilegalizar o partido. Estou com medo que isto aconteça? A probabilidade anda à volta de 5 a 10%. Acho que se acontecer a nossa democracia nesse dia morre. Deixo uma pergunta: imagine-se que nas eleições autárquicas elegemos centenas de autarcas no país, o partido é ilegalizado por racismo ou outra coisa, o que é que acontece a estes mandatos? O que é que acontece ao meu mandato na Assembleia da República? O que acontece à sustentabilidade do governo dos Açores? Como é que europa nos vai ver a partir daí? Se algum dia eu fizer ou o partido fizer atos de violência, ou apelo à violência ou sublevação, isso é um crime.

O governo admite uma injeção de capital no Novo Banco, enquanto grandes devedores como Luís Filipe Vieira - a quem apoiou várias vezes como candidato a presidente do Benfica - assobiam para o lado. Considera aceitável que sejam os portugueses a pagar o Banco?
Não, e têm de se apurar responsabilidades. O processo que está a decorrer há não sei quantos anos já devia ter acabado, primeiro para saber como é que o banco permitiu estes montantes de dívida a estes devedores e a outros; segundo como é que se permitiu chegar a um ponto de ocultação de tal maneira que nem o Banco de Portugal nem as entidades reguladoras tinham a noção do que se passava. E é um dos poucos pontos em que concordo como BE não deve haver novas transferência para o Novo Banco sem ir ao Parlamento.

O Tribunal condenou-o pelas suas afirmações sobre uma família do bairro da Jamaica. Porque continua não pedir desculpa?
Politicamente e judicialmente era mais fácil. Mas não vou fazer. Tenho a minha consciência, o que disse foi certo.

Mas não é por atitudes destas que fazem ter o epíteto de "racista"?
Diria aquilo de um branco , de um preto, de um cigano, de uma amarelo. Acusaram-me de racismo e desafiei-os a mostrarem uma declaração minha no debate [com Marcelo na campanha das presidenciais] em que me referisse à cor da pele das pessoas. Nunca o disse. Um deles era um bandido, um traficante de droga e um agressor de policiais e deixei claro que nunca pretendi ofender ninguém. E usei aquela imagem porque era a única que estava disponível. Se o tribunal decidir o mesmo numa próxima instância vai cumprir a decisão judicial? Tenho por hábito cumprir as decisões dos tribunais do meu país, mesmo que discorde violentamente. Tenho esperança que o tribunal não me faça pedir desculpa.

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