Santos Silva diz que não é contra poder nem eco da maioria absoluta do PS
O presidente das Assembleia da República defendeu esta terça-feira a sua independência no exercício do cargo, salientando que nem é contra poder nem eco da maioria absoluta do PS e recusa alguma vez favorecido a bancada socialista.
Esta posição foi transmitida por Augusto Santos Silva em declarações à agência Lusa, quando na quarta-feira se assinalam cem dias de exercício das suas funções no cargo de presidente da Assembleia da República.
"Não sou o contra poder à maioria absoluta do PS, nem sou o eco da maioria absoluta do PS. Sou o presidente de todos os deputados, que exerce o seu cargo com a independência necessária. No meu discurso de posse, prometi uma presidência aglutinadora, isenta e imparcial - e é isso que tenho procurado fazer", sustentou.
Deputado do PS eleito pelo círculo Fora da Europa nas últimas eleições legislativas, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros reforçou que a sua função "é tratar todos os deputados por igual".
"Cada deputada e cada deputado que está na Assembleia da República está porque o povo o elegeu e tem os mesmos direitos. Depois, em função dos resultados eleitorais, portanto em função das escolhas do eleitorado, há grupos parlamentares maiores e grupos parlamentares menores, e há uma certa composição partidária do parlamento, do qual nesta legislatura resulta que há uma maioria absoluta de um só partido", observou.
Depois, numa alusão ao PS, completou: "Esse partido tem todas as condições para executar o seu programa e nenhuma desculpa para não o executar no que à Assembleia da República diz respeito".
Confrontado com um caso em que terá admitido que o PS apresentasse uma proposta de alteração ao Orçamento fora do prazo, tal como advogou a oposição, Augusto Santos Silva fez outra leitura desse episódio.
"Fiz uma interpretação do regimento que já anteriormente tinha sido feita. Aliás, o mesmo deputado [Duarte Pacheco, do PSD] que agora contestou a minha interpretação foi aquele que, durante a discussão do Orçamento para 2012, forçou essa mesma interpretação. A única diferença foi que então a maioria do Parlamento votou contra a decisão da presidente da Assembleia da República de então [Assunção Esteves]. Felizmente desta vez não houve uma maioria que se tivesse oposto à interpretação do presidente do Parlamento", argumentou.
Em relação aos seus primeiros cem dias como presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva considerou que tudo o que fez decorreu do que foi anunciou no seu discurso de posse há cem dias.
"Em primeiro lugar, a ideia de que o parlamento é a casa da palavra e que todas as palavras são admissíveis no parlamento, exceto os discursos que incitem ao ódio e violência contra minorias, contra seja quem for, atentatórios da dignidade humana", disse.
Em segundo lugar, o seu objetivo passou por "valorizar o facto de pela primeira vez o parlamento ter como presidente um deputado eleito por um círculo da emigração - e isso significar uma nova centralidade da relação com as comunidades no parlamento português".
"Por outro lado, sendo o parlamento a casa da pluralidade e da diversidade, não só territorial, como também política e ideológica, nós devíamos cultivar a cordialidade na relação uns com os outros, para que essa diversidade política, ideológica e territorial prevaleça e não propriamente os pequenos casos, ou expressões demasiado rudes ou ofensivas", realçou.
Para Augusto Santos Silva, entre os seus principais desafios para esta legislatura, que termina apenas em outubro de 2026, está o objetivo "consolidar o parlamento português como a casa da democracia".
"Há uma certa tentação de ver no parlamento mais os seus aspetos que mereçam crítica do que os aspetos que mereçam aplauso, mas entendo que uma das minhas funções é chamar a atenção para os muitos aspetos em que o parlamento português merece aplauso em comparação com congéneres da Europa e de outros continentes", assinalou.
Segundo o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, "o nível de animosidade do debate político em Portugal não tem comparação com o nível que se encontra em outras democracias, é muito baixo, senão mesmo inexistente", acrescentou.
Augusto Santos Silva afirmou também que estará "atento" e "curioso" sobre os resultados do processo de revisão do regimento do Parlamento e defende que já existe uma "panóplia" de instrumentos para o primeiro-ministro prestar contas, depois de a Lusa questionar Santos Silva sobre se considera essencial que o regimento seja alterado para que a presença do primeiro-ministro no Parlamento se torne mais frequente.
"Noto que pelo nosso ordenamento parlamentar, o primeiro-ministro já comparece na Assembleia da República muitas vezes: Nos debates sobre políticas geral, de cadência bimestral; na discussão do Orçamento do Estado; nos debates europeus, que são obrigatoriamente feitos em plenário antes de qualquer Conselho Europeu; nos debates de moções de censura; e no debate do Estado da Nação", apontou.
O ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros observou que, na anterior legislatura, "por proposta do maior partido da oposição, o PSD, a cadência de debates com o primeiro-ministro foi alterada".
"Estou curioso para saber quais as propostas que vão ser apresentadas e consensualizadas no grupo de trabalho. A fiscalização do governo é uma das missões mais importantes do Parlamento e faz-se de diferentes maneiras complementares, como audiências a ministros em comissões parlamentares ou debates setoriais, de urgência ou temáticos. Há uma panóplia de figuras regimentais que favorecem o escrutínio e a fiscalização dos atos do Governo", salientou.
O presidente da Assembleia da República recusou-se a pronunciar-se sobre a periodicidade dos debates com o primeiro-ministro, alegando: "Não sou parte do debate, limito-me a interpretar e a aplicar o Regimento, mas estou muito atento e curioso sobre o resultado final desse processo de revisão".
Na sua declaração, o presidente da Assembleia da República considerou que o chefe de Estado português disse que o tinha a dizer após o Presidente brasileiro o ter desconvidado para um almoço, na segunda-feira, em Brasília.
Em declarações à agência Lusa, o ex-ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros não se quis alongar sobre este incidente diplomático, mas salientou que Marcelo Rebelo de Sousa discursará perante o Congresso do Brasil, a 8 de setembro, em Brasília, quando este país comemorar o bicentenário da sua independência.
O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, fez saber pela comunicação social que não teria o almoço com Marcelo Rebelo de Sousa por o chefe de Estado português se ter encontrado com o ex-Presidente brasileiro Lula da Silva.
"Houve um convite escrito, eu aceitei por escrito. Na medida em que não aparece uma confirmação escrita, isto quer dizer que, de facto, eu vou ficar no programa originário", declarou Marcelo Rebelo de Sousa no domingo sobre o incidente com Bolsonaro, acrescentando: "Não tem drama nenhum".
Assim, Augusto Santos Silva defendeu a atuação do chefe de Estado português: "O professor Marcelo Rebelo de Sousa, nosso Presidente, disse o que tinha a dizer, o que havia a dizer nessa circunstância. Não tenho nada a acrescentar. Eu não me pronuncio retrospetivamente sobre aspetos de pastas que já ocupei. Portanto, não sou um ex-ministro que continua a pronunciar-se sobre os assuntos das pastas que ocupou", justificou.
Do ponto de vista parlamentar, segundo o presidente da Assembleia da República, há "uma excelente relação com o Congresso brasileiro".
"Realizei a minha primeira deslocação oficial ao Brasil, tive a oportunidade de ser recebido pelo presidente do Senado e pelo presidente da Câmara de deputados. E o presidente do Senado deslocou-se pessoalmente a Lisboa para me convidar a participar na sessão solene comemorativa do bicentenário da independência do Brasil no próximo dia 8 de setembro em Brasília", disse, frisando que é sua intenção estar presente nessa sessão, "que será tão mais importante quanto, também é sabido, idêntico convite foi dirigido ao nosso Presidente da República. E o nosso Presidente da República até está convidado a intervir no Congresso brasileiro. É dessa relação entre parlamentos que trato e nesse plano tenho a dizer que elas são excelentes", acrescentou.