Santos Silva defende que parlamento deve rever lei de imprensa na próxima legislatura
O presidente da Assembleia da República considerou esta terça-feira que a lei de imprensa deve ser revista com rapidez na próxima legislatura, salientando que está "muito desatualizada" e não contempla a transição digital que se verificou no setor.
"Há pessoas que dizem, na minha opinião com razão, que uma das coisas que a próxima legislatura deve fazer com alguma rapidez é intervir sobre a lei da imprensa", afirmou Augusto Santos Silva num debate com estudantes organizado no âmbito do 5.º Congresso dos Jornalistas, no cinema São Jorge, em Lisboa.
Santos Silva realçou que a lei de imprensa é de 1999, vai fazer este ano 25 anos, e evidentemente está "muito desatualizada", não contemplando a transição digital que se verificou no setor da comunicação social.
"Basta pensar que há 25 anos, quando ela foi aprovada, não havia organizações de comunicação digital, não havia agregadores de conteúdos, havia relativamente poucos telemóveis, a Internet não estava massificada", referiu.
Pouco depois, em declarações aos jornalistas, Santos Silva indicou que, quando se lê atualmente a lei de imprensa, se verifica que "ela está a pensar nos órgãos de comunicação social convencionais" e não "nos órgãos digitais e nas zonas de cruzamento que existem entre as plataformas digitais de comunicação e os órgãos de comunicação propriamente ditos".
"Essa clarificação não existe na lei de imprensa atual, nem poderia existir, e quer o Sindicato dos Jornalistas, quer a Comissão da Carteira [Profissional de Jornalistas], quer a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não só já alertaram para a necessidade de rever, como já apresentaram ideias para essa revisão", sublinhou.
Santos Silva disse assim crer que "os grupos parlamentares estarão em condições de tomar esse trabalho legislativo como a prioridade da próxima legislatura".
Interrogado se acha que a dimensão digital deve ser a única preocupação numa eventual revisão da lei de imprensa, Santos Silva disse considerar que a questão da transição digital "é a lacuna principal da lei", mas admitiu que, quando se revê uma lei, é preciso "olhar para várias dimensões".
"Creio, pela evolução que temos assistido em Portugal e noutros países, que, por um lado, a lei deve também revisitar as condições de preservação de independência editorial - o funcionamento dos conselhos de redação, a independência editorial face aos proprietários dos média e ao Estado - e, por outro lado, as questões relativas ao jornalismo", disse.
O presidente do parlamento considerou que "há uma certa erosão do jornalismo como atividade profissional especializada", salientando que, na comunicação social, é "menos nítida" agora a necessidade de "ter jornalistas e de os jornalistas terem condições para trabalhar como jornalistas".
"Creio que a lei de imprensa também deveria considerar essas dimensões. Estou a falar um pouco de cor, porque já há muito tempo que não releio a lei de imprensa", afirmou. "
Durante a sua intervenção sobre o tema "Jornalismo, Liberdade e Democracia", Santos Silva identificou dois problemas atualmente no jornalismo, começando por destacar a "certa erosão" da profissão, que se traduz em "pouca verificação de factos, pouca análise sobre a relevância dos factos, ou então critérios errados para determinar a relevância dos factos".
"Aparece quem grita mais, quem insulta mais, quem abre a porta da sua intimidade aos órgãos de comunicação social, quem se apresenta de forma mais espetacular. Nada disso corresponde ao valor notícia do jornalismo", disse, atribuindo essa erosão a critérios "compreensíveis", como "as condições de trabalho, de remuneração, a pressão do grupo ou as lutas pela audiência".
Por outro lado, Santos Silva referiu que há também um problema no modelo de negócio do jornalismo, que atribuiu a "uma espoliação" feita por agregadores de conteúdos como a Google, que utilizam o trabalho profissional dos jornalistas sem pagar.
Santos Silva disponível para continuar como presidente da Assembleia da República
Por outro lado, Augusto Santos Silva manifestou-se ainda disponível para continuar se manter como presidente da Assembleia da República após as eleições legislativas, mas ressalvou que essa continuidade depende da decisão do seu partido e do eleitorado.
"A minha lógica é muito simples: eu, em 2022, aceitei um trabalho até 2026. Portanto, não vejo razão agora para o rejeitar", afirmou, após ter participado no 5.º Congresso dos Jornalistas.
Santos Silva ressalvou contudo que há um "conjunto de variáveis" que vão determinar quem vai ser o próximo presidente do parlamento, entre as quais a sua própria vontade, a decisão do seu partido, mas também "do eleitorado".
"A vontade determinante aqui é mesmo a vontade do eleitorado e temos de ser bastante humildes agora porque se trata de influenciar, primeiro, e depois respeitar a vontade do eleitorado", afirmou.
Questionado se teme que o processo de elaboração de listas de candidatos a deputados no PS possa ser alvo de críticas internas, designadamente de concelhias, como foi no PSD, Santos Silva disse não ter "a mínima dúvida de que vai ser um processo absolutamente pacífico".
"O PS não é um partido que faz purgas, de ajustes de contas. Não há no PS esta lógica de uma vez a banca parlamentar que se constitui estar toda virada a norte e, no próximo momento, vira a toda a leste. Todos os pontos cardeais são admitidos e integrados no PS", assinalou.
Para Santos Silva, a razão disso prende-se com o facto de o debate da disputa pela liderança do PS já ter sido feito.
"Esse debate concluiu-se, agora a liderança é a liderança de todos. Todos estamos unidos e determinados em ganhar as próximas eleições", referiu.
Interrogado se considera que os partidos deveriam discutir mais sobre política internacional no âmbito da campanha eleitoral, depois de o Presidente da Ucrânia ter esta terça-feira pedido mais apoio internacional em Davos, Santos Silva respondeu que não lhe parece.
O presidente do parlamento indicou que as campanhas eleitorais são momentos em que os partidos procuram "marcar diferenças".
"Acontece que, entre os dois principais partidos que disputam a vitória nas próximas eleições, em matéria de política internacional são mais as semelhanças do que as diferenças. Portanto, é natural que a política internacional não seja um dos pratos fortes de uma campanha eleitoral", disse.
Sobre a Ucrânia, Santos Silva disse que não há a "mínima dúvida" de que Portugal e todos os seus órgãos de soberania estão unidos no apoio ao país.