Reforma das Forças Armadas. Mudar "mentalidades" e atenuar "rivalidades"

Na Comissão de Defesa Nacional, o CEMGFA Silva Ribeiro defendeu a proposta do governo para reforçar a estrutura superior das Forças Armadas e criar uma "identidade comum". Em sentido contrário, ouvido antes, o Chefe de Estado-Maior da Armada, Mendes Calado, pediu mais autonomia para o Ramo
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O Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) acredita que as propostas legislativas do governo para reorganizar a estrutura superior das Forças Armadas vão contribuir para uma "mudança de mentalidade".

Os diplomas que pretendem centralizar a responsabilidade de comando e gestão de forças no CEMGFA, foi aprovado na generalidade com os votos do PS, PSD e CDS e está agora a ser debatido na especialidade.

O Almirante Silva Ribeiro, ouvido nesta quarta-feira na Comissão de Defesa Nacional (CDN), defendeu que "valorizando a cultura e identidade próprias dos Ramos", esta iniciativa - que tem sido amplamente contestada não só por diversos ex-Chefes de Estado-Maior dos três Ramos, como os três Chefes no ativo a criticaram na suas audições no parlamento - "atenuará as rivalidades corporativas, permitindo criar um espírito de corpo conjunto e uma identidade comum das Forças Armadas".

O CEMFA disse aos deputados que estas mudanças são essenciais "no tempo em que vivemos" para "lidarmos com os atuais desafios de segurança, que exigem novos conceitos de emprego conjunto e integrado das forças militares; trabalharmos, conjuntamente, os desafios de pessoal, material, organização, inovação e transformação, de forma a criarmos sinergias; e, consequentemente, beneficiarmos o produto operacional das Forças Armadas como um todo, em prol da Defesa Nacional e da segurança dos portugueses".

Sem surpresas no seu apoio a esta reforma do governo, Silva Ribeiro sublinhou que "o presente aperfeiçoamento legislativo (...) possibilitará eliminar situações frequentes de interpretações divergentes, passíveis de violação das competências do CEMGFA e perturbadoras da ação militar, que afetam o princípio fundamental da unidade de comando".

Assinalou "ambiguidades" na Lei de Bases para a Organização das Forças Armadas (LOBOFA) que, no seu entender "urge corrigir, em função das lições aprendidas".

Deu como exemplo "as enormes dificuldades de comando, na 1ª vaga da pandemia, dadas as matérias em que os Ramos consideravam não estarem na dependência do CEMGFA, incluindo o pessoal de saúde, causando grande entropia no processo de coordenação, pelo EMGFA, da resposta conjunta das Forças Armadas".

Segundo Silva Ribeiro, "a indispensável unidade de comando só foi devidamente reposta na preparação para a 2ª vaga, através de um despacho do MDN a clarificar que o CEMGFA ficava responsável pela coordenação global da atuação das Forças Armadas, contornando, por essa via, as referidas incongruências e ambiguidades da atual legislação.

Silva Ribeiro sublinhou também que "são múltiplas as interpretações divergentes" sobre as "missões reguladas por legislação própria"que a LOBOFA exclui do comando operacional do CEMGFA, sem as especificar.

"Apenas a título de exemplo, refiro os empenhamentos de meios militares, sem autorização do CEMGFA e a coordenação do Centro de Comando Operacional Militar (CCOM), reduzindo a eficácia dos resultados, no âmbito dos incêndios rurais, na evacuação de elementos de Forças de Segurança de zonas de risco no estrangeiro, ou no combate ao narcotráfico e às redes de migração ilegal na nossa costa", asseverou.

Recordou que "estes últimos colidem, mesmo, com o artigo 26.º da própria LOBOFA, porquanto a articulação operacional entre as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança, incluindo a PJ e o SEF, é uma competência exclusiva do CEMGFA".

O Almirante Silva Ribeiro foi o último dos Chefes a ser ouvido, depois de ontem o Chefes de Estado-Maior do Exército, Nunes Fonseca, da Força Aérea, Joaquim Borrego, e esta quarta-feira também o da Armada, Mendes Calado, terem criticado o diploma do governo.

Na mesma linha que os camaradas do Exército e da Força Aérea e que os ex-Chefes que se têm oposto às alterações preconizadas pelo governo, o Chefe de Estado-Maior da Armada defendeu a preservação da "autonomia dos Chefes de Estado-Maior para comandar e administrar os recursos dos respetivos Ramos, bem como garantir clareza, controlo e equilíbrio de competências na estrutura superior de Defesa Nacional e das Forças Armadas, assegurando coerência normativa e maior segurança jurídica".

Vários deputados garantiram ao DN que Mendes Calado foi o mais "assertivo" dos Chefes nas suas respostas e opiniões contra as alterações legislativas, frisando não compreender a intenção da reforma e partilhando o seu desagrado com o facto os Chefes terem sido afastados do processo.

Na sua intervenção escrita, à qual o DN teve acesso, o almirante Mendes Calado classificou de "formulação imprecisa e de difícil delimitação" a "dependência hierárquica dos Chefes de Estado-Maior em relação ao CEMGFA", determinada nos diplomas do governo.

"Efetivamente, são os Chefes de Estado-Maior que, nos termos da lei, prestam contas sobre a gestão do seu Ramo, pelo que é necessário que fique claro que a competência para comandar e para administrar os recursos do ramo compete ao respetivo Chefe do Estado-Maior, respeitando, dessa forma, a autonomia administrativa do "Ramo", assinalou o CEMA.

Um outro aspeto referido pelo chefe da Armada respeita às "competências deliberativas" do Conselho de Chefes de Estado-Maior, principal órgão militar coordenador e de consulta do Chefe do Estado-Maior-General - competências que o Governo propõe alterar retirando o poder de decisão dos Chefes.

Para o CEMA, este Conselho "é o fórum de aprofundamento do modelo de atuação militar conjunta e constitui um elemento essencial para a coesão das Forças Armadas e, em particular, da sua estrutura superior, onde as decisões estruturantes devem continuar a envolver os quatro chefes militares".

No seu entender, "só assim, se valoriza um modelo de lideranças alinhadas, com o adequado controlo e equilíbrio no processo de decisão, dando um exemplo de liderança inclusiva, com responsabilidades partilhadas, respeitando o posicionamento institucional do CEMGFA como principal conselheiro militar do ministro da Defesa Nacional, que a lei em vigor já reconhece".

A CDN decidiu fazer as audições à porta fechada, com o voto contra do BE e sem audições a nenhum dos grupos de críticos, nem de associações socioprofissionais.

valentina.marcelino@dn.pt

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