O DN faz um balanço da campanha eleitoral, que termina esta sexta-feira.
O DN faz um balanço da campanha eleitoral, que termina esta sexta-feira.DR

Quatro visões sobre a campanha eleitoral

Quatro jornalistas do Diário de Notícias fazem o balanço destas duas semanas de campanha eleitoral e mostram as dinâmicas que podem ser reveladas pelo voto nas urnas no próximo domingo. Para o PS há uma réstia de esperança e tem um nome: indecisos. A AD resistiu a declarações polémicas.
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Explorar o passado da AD para tapar o seu próprio passado

Por João Pedro Henriques

Igor Martins / Global Imagens

Dado o conhecido historial de tiros na água  das sondagens  portuguesas, no PS ainda há esperança. A maioria dos estudos coloca a AD à frente. Contudo, ao mesmo tempo, também falam numa percentagem importante de indecisos - e é nesse grupo que os socialistas põem as fichas todas.

A direção do partido funciona na convicção de que não haverá muitas perdas de votos do PS para os partidos à sua esquerda. Talvez alguns para o Livre, outros para o Bloco, mas nada numa escala muito grande. Havendo desde o início a certeza que a maioria absoluta está perdida, o PS acredita também que a maioria monopartidária do partido conquistada em 2022 não será substituída por uma maioria formada pelo conjunto dos partidos da esquerda. Dito de outra forma: para o estado-maior do partido, os votos perdidos tenderão a ir para a abstenção. E muitos estarão indecisos entre ir  mesmo ou dar mais uma nova oportunidade ao partido.

Assim, Pedro Nuno Santos empenhou-se  em explorar ao máximo o uso pela AD de personagens historicamente ligadas à legislatura da troika (Passos Coelho, Paulo Portas, Assunção Cristas, etc, etc.) e portanto a medidas como cortes nos salários ou nas pensões. O discurso foi o da exploração pura e simples do medo: com o regresso da direita ao poder poderão regressar os cortes, se a “incerteza” internacional atual começar a arrefecer a economia nacional.  

Também deu imenso jeito aos socialistas que o dirigente do CDS-PP Paulo Núncio (nº 4 da lista de candidatos a deputados da AD em Lisboa) tivesse ressuscitado a ideia de um novo referendo ao aborto, visando revogar a lei.
Assim, jogam-se passados para tapar passados. Pedro Nuno fala do passado da governação PSD-CDS (2011-2015) para esconder o seu próprio passado recente de governante intempestivo e o desastre que foi a instabilidade permanente da maioria absoluta PS governada por António Costa. Este,  pelo seu lado, faz questão de nada dizer que embaraçasse o seu sucessor.

Aliás, no último comício onde este presente, na Aula Magna, nem sequer falou. Entrou e saiu sem dizer uma palavra.
De resto, para a história da campanha do PS ficaram sobretudo os ziguezagues de Pedro Nuno Santos sobre o que fará caso Montenegro vença e governe depois sem maioria.  Primeiro pensava-se que não facilitaria, depois surpreendeu dizendo que afinal nada faria para inviabilizar e depois voltou atrás dizendo que exigia reciprocidade de Montenegro (que nunca recebeu).
Há uma certeza: forme ou não forme Governo, o mais difícil, para Pedro Nuno Santos, ainda está para vir. Se formar Governo, terá de lidar com uma esquerda que será menos condescendente do que em 2015 na  criação de uma nova ‘geringonça’; e se não formar, tornando-se líder da oposição, terá de responder perante um partido, o seu, pouco habituado a estar fora do poder.

"Fogo amigo" não impede que se escreva direita por tintas tortas

Por Leonardo Ralha

Andre Kosters / Lusa

Ainda a tinta verde lhe escorria pelo cabelo, arruinando o fato que iria utilizar num dia de campanha dividido entre as margens do Tejo, e Luís Montenegro vincava ainda mais o sorriso que lhe serviu de imagem de marca na campanha eleitoral.

Mais do que o assinalável fair play de quem acabara de ser atacado por um ativista climático, à entrada da FIL, onde se deslocara na manhã de 28 de fevereiro, para visitar a Bolsa de Turismo de Lisboa, o líder da Aliança Democrática (AD) acabara de ver desviadas atenções de um foco de polémica indesejado, com potencial de inverter a dinâmica favorável ao homem apostado em tornar-se o primeiro-ministro que o centro-direita não consegue ter desde 2015: na véspera, o vice-presidente do CDS-PP, Paulo Núncio, admitira um novo referendo ao aborto, permitindo à esquerda imputar à coligação um ataque à liberdade das mulheres.

A 11 dias das legislativas, as palavras do centrista, num debate da Federação Portuguesa pela Vida, foram o pior exercício de “fogo amigo” que Montenegro enfrentou ao longo de uma campanha em que a AD impôs o ritmo e forçou Pedro Nuno Santos a jogar à defesa.

Mesmo outra declaração polémica, quando Passos Coelho referiu a necessidade de Portugal ser “um país aberto à imigração, mas também um país seguro”, enquadrou-se na tese que o líder do PSD repetiu nos últimos meses, defendendo “um país de portas abertas, mas não escancaradas”, procurando conter o grande potencial de crescimento do Chega.

Até porque o descontrolo na imigração clandestina não foi o tema mais recorrente entre as críticas da coligação à herança de mais de oito anos de governação socialista, focando-se na falta de respostas na saúde, na habitação e no ensino. E nos “impostos altos e salários baixos” que impelem muitos jovens a emigrar.

Condicionado pela impossibilidade de criticar a governação de que foi um dos protagonistas até há pouco de um ano - no debate com Rui Rocha, chegou a perguntar: “afinal, o que é que não funciona?” -, Pedro Nuno Santos também verificou que o argumento “mais longe do que a troika”, duas vezes utilizado por António Costa para vencer Rui Rio, apesar de o então líder do PSD nada ter a ver com Passos Coelho, é cada vez menos performativo.

Apesar de reformados e pensionistas continuarem predispostos a votar sobretudo no PS, o processo de reconciliação em curso, promovido por Montenegro, reduziu a desvantagem num segmento de eleitorado cuja resistência à abstenção é mais confiável do que a dos jovens inclinados a votar na AD, Chega e Iniciativa Liberal.

Com mudança enquanto palavra-chave da campanha, também nos discursos dos parceiros que o PS poderia encontrar à sua esquerda, tudo indica que o país não vai arrastar os pés. Mas muito provavelmente em direção contrária à desejada pelo líder que tantas vezes repetiu essa expressão.

Um país dividido entre o desejo de mudança e o medo

Por Margarida Davim

Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

E sta foi uma campanha em dois andamentos. O primeiro dominado pelos debates e pelo escrutínio dos programas eleitorais que vão a votos no domingo. O segundo feito de duas semanas nas ruas, cheias de soundbites, ataques mútuos, fantasmas do passado e muito apelo ao voto útil.

A racionalidade parece ter sido afastada do centro da discussão, com discursos erráticos dos principais protagonistas e uma falta de profundidade na discussão que pode ajudar a justificar o elevado número de indecisos que, a fazer fé nas sondagens, persiste até esta reta final.

Uma das grandes surpresas desta capanha está na forma como o aborto, o combate às alterações climáticas e a imigração entraram na discussão pela voz de figuras da AD. A interrupção voluntária da gravidez era um assunto que o próprio Presidente da República, católico convicto, tinha declarado arrumado.

“Deixou de existir como questão”, disse ao DN em maio de 2022. Mas esta aparente não questão foi desenterrada por Paulo Núncio (candidato da AD), que lembrou como em 2015 o governo de Passos e Portas “foi dos primeiros governos do mundo a tomar medidas no sentido de dificultar o acesso ao aborto”.

Com essas palavras, Núncio obrigou Luís Montenegro a vir fazer o que passou toda a primeira semana de campanha a fazer: enquadrar e recentrar. Foi assim quando declarou que a AD não pretende mexer na lei do aborto, mas também quando frisou que o PSD tem um histórico ambiental, para tirar gás às declarações negacionistas do candidato da AD Eduardo Oliveira e Sousa, ou quando teve de elogiar a importância da integração dos imigrantes, depois de Passos Coelho ligar a imigração à insegurança.

Muitos viram nesta sucessão de casos uma série de gaffes. Mas, a acreditar nas sondagens, o resultado foi bom para a AD. A coligação de centro direita foi subindo, ao ritmo a que desceu o Chega. E isso teve efeitos numa certa desorientação de André Ventura, que saiu das salas fechadas para as arruadas e começou a atacar PSD e CDS, depois de puxar pelas declarações públicas de vários sociais-democratas que mostram haver caminho para um entendimento com estes partidos, caso Montenegro deixe a liderança.

No meio de declarações contraditórias e ataques vários à direita, a esquerda teve dificuldades em aparecer. Aproveitou o fantasma de Passos Coelho e Durão Barroso (que afirmou ter “orgulho” no que foi feito durante a troika) e apelou ao voto das mulheres, à boleia das dúvidas que se instalaram em torno do aborto, por muito esforço que a AD tenha feito para as afastar.

No meio de tudo isto, restou a Pedro Nuno Santos pouco mais do que reagir, ir atrás da agenda e sacar do trunfo de António Costa. Depois de oito anos de governos PS, o país está entre a vontade de mudar e o medo do desconhecido. Pedro Nuno joga tudo nesse medo.  

Um regresso ao passado que se confunde com retrocesso

Por Vítor Moita Cordeiro

Álvaro Isidoro / Global Imagens

Uma das estratégias mais seguidas nesta campanha é a evocação de figuras do passado, pelo menos entre aqueles que têm história. PS, Aliança Democrática (AD), CDU e BE, com Francisco Louçã, fizeram aquilo que em determinada altura poderia ser um misto entre tiro no pé e um trunfo na manga.

Esta viagem ao passado, presente até nas medidas inscritas nos programas, pode ter consequências, tanto para os partidos como para o país. Mas vamos começar pelos regressos inócuos ou que não têm efeitos confrangedores.

No passado domingo, o líder do PCP, Paulo Raimundo, numa arruada, questionado pelos jornalistas se estaria a seguir a mesma estratégia de todos os partidos ao convidar os seus antecessores para se juntarem à campanha, converteu a resposta num ataque: “O que os outros partidos não trouxeram foi as soluções para o país.”

Este apelo à mudança, porém, surgiu sob a forma de regresso ao passado. Mais à frente, à sua espera, estariam Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa.

Há dois anos, era Jerónimo que andava nas arruadas, até ter sido temporariamente afastado por motivos de saúde. Nesse curto período, passou o testemunho a duas figuras jovens no partido - João Ferreira e João Oliveira -, que configuraram o oposto do que se passou nesta campanha.

Pelo PS, na semana passada, António Costa apoiou a candidatura de Pedro Nuno Santos como seu sucessor. Com ataques cirúrgicos à governação social-democrata, o ainda primeiro-ministro apelou a que não se votasse em opções do PSD, tomadas durante o período de intervenção da Troika, que também têm sido usadas pelos sociais-democratas  como arma, lembrando que foram estes últimos que chamaram a equipa composta pela Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu.

Mas é no PSD que as figuras do passado têm assombrado o presente. Hoje, Cavaco Silva e Manuela Ferreira Leite regressam para apoiar Luís Montenegro. Há dois dias, foi Rui Rio que ofereceu apoio “como militante”, deixando um aviso: “Para lá disso, cada um sabe da sua vida.” Na semana passada, foi Pedro Passos Coelho que reapareceu, mas com o embaraço de ligar a imigração à subida da insegurança, ao ponto de Montenegro, uns dias mais tarde, em Leiria, ter encontrado um imigrante na rua e ter dito: “Precisamos de vocês aqui, e para ficar cá, está bem?”

Mas o prémio do retrocesso vai para o Chega, com uma  ideia no programa que propõe “salvar vidas”, e que é uma tentativa de reversão da lei do aborto. Sem referir nenhum estudo, o partido diz que “as mulheres grávidas sozinhas têm quatro vezes mais probabilidades de abortar”, sendo que as “grávidas estrangeiras são duas vezes mais vulneráveis ao aborto e os terceiros e seguintes filhos têm duas vezes mais probabilidades de ser abortados”.

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