Quase "xenofobia" e "arrogância integracionista": Montenegro criticado até no PSD
Luís Montenegro, 9 de fevereiro: "Temos que arriscar, procurar pelo mundo as comunidades que possam interagir melhor connosco, que se possam integrar melhor na nossa cultura, na nossa identidade, e que possam entrar, por via do mercado de trabalho e também por via da formação, para ingressarem no mercado de trabalho mais tarde."
Que possam interagir melhor connosco? Que se possam integrar melhor na nossa cultura?
A direção do PSD, contactada pelo DN para explicar o que significam estas afirmações, esclarece que o sentido da frase - criticada pela totalidade dos partidos de esquerda com representação parlamentar e também pela IL - "quer dizer que Portugal deve estar com as portas abertas a imigrantes, mas teremos de o fazer de forma organizada e inteligente. Atraindo os que mais se podem identificar connosco e com as nossas necessidades. Porque são esses que podem integrar-se melhor".
Ou seja: "A imigração para ser segura e duradoura deve também adequar-se ao mercado de trabalho. Não nos interessa muito acolher imigrantes apenas como ponte para eles irem para o Centro da Europa."
O partido, que classifica os da esquerda de serem "completa e absurdamente desonestos intelectualmente", recorda que Luís Montenegro "já fala disto desde 2017 e na sua intervenção no 37.º Congresso, no dia 17 de fevereiro de 2018, há cinco anos, já dizia isto". E fica uma pergunta: "Onde estavam a esquerda e os seus colunistas nessa altura?"
Mas o que disse, de facto, Montenegro nesse Congresso? O "dizia isto" de 2018 é diferente do "fala disto" de 2023.
Esta foi a frase: "Temos de ser um país atrativo para imigrantes. Nos fluxos migratórios da Europa, nós não nos podemos dar ao luxo de exportar pessoas e de exportar empresas. Precisamos de atrair investimento: seja capital, seja capital humano [...] Portugal hoje tem de ser apelativo para todos, mas temos de ter consciência: nós somos bons, mas somos poucos".
O PS, que considera que Montenegro, e também Carlos Moedas, "repetem exatamente o mesmo que Ventura sobre a política de imigração", diz não ser fácil por isso "ignorar o debate sobre eventuais alianças do PSD [com o Chega] quando os seus mais destacados dirigentes dizem o mesmo que André Ventura sobre o seu tema de eleição".
João Torres, secretário-geral adjunto do PS, afirma que "em ambos os casos" [nas declarações de Moedas e Montenegro] existe "uma conceção profundamente errada e até de profundo desprezo, algo que seria impensável há alguns anos num partido fundador do nosso regime democrático".
Mas não é só o PS a pensar assim. André Coelho Lima, ex-vice-presidente do PSD, considera que as reservas de Montenegro e de Moedas ao acolhimento de imigrantes revelam "défice de mundividência" e são "pouco inteligentes".
"Não subscrevo - de todo - uma visão utilitária da imigração. Não me revejo em arrogância integracionista, sobretudo por quem durante décadas precisou de ser acolhido (e não perguntou se havia essa necessidade nos países de acolhimento). Reservas ao acolhimento de imigrantes, além de revelaram défice de mundividência, são, para mais, pouco inteligentes. São as nossas empresas, a nossa Segurança Social e a nossa natalidade que o dizem", afirma.
O líder parlamentar da IL também contraria a "versão" de Montenegro dizendo que "são as pessoas que têm de procurar Portugal e não Portugal a ter de procurar pessoas numa mera lógica de obtenção de mão de obra". Rodrigo Saraiva sublinha a ideia de que "se formos um país com bons serviços públicos e salários dignos, seremos naturalmente procurados" e alerta para o facto de, "quando o tema é imigração, há quem goste de misturar imigrantes e refugiados, mas sobre ambos fala-se sempre de quem recebe e não de como receber. E é nisso que todos devíamos estar focados, em ter as condições para receber quem procura uma vida melhor".
Ora, é precisamente essa a questão que Alma Rivera destaca ao considerar que "o problema estrutural é o aproveitamento de pessoas imigrantes como mão de obra barata e descartável. Isso é, por um lado, fomentado através da legislação laboral e o trabalho temporário e, por outro, permitido pela falta de fiscalização da ACT e do SEF (que poderá agravar-se com a sua extinção) e a sua falta de meios".
"Há uma enorme impunidade de quem lucra através da exploração de outros, como acontece na agricultura ou na grande distribuição, e portanto temos milhares de pessoas imigrantes a serem usadas, sem condições de trabalho, de integração, de habitabilidade, num mercado imobiliário absolutamente desregulado, aliado à falta de fiscalização que contribui para situações indignas que são conhecidas e permitidas há anos", afirma a deputada do PCP.
Teresa Mota, coporta-voz do Livre, afirma, por seu lado, que as declarações de Montenegro "merecem da parte do Livre profundo repúdio, uma vez que assentam em conceitos questionáveis e revelam uma posição próxima da xenofobia".
O Livre considera que as palavras de Moedas e Montenegro fazem "tábua rasa do facto de que os imigrantes são seres humanos que saem a maior parte das vezes a contragosto dos seus países devido a condições económicas, sociais e mesmo políticas que os impedem de aí ter uma vida segura e digna".
Inês Sousa Real, do PAN, que "não se revê em políticas de portas fechadas", diz que "a nossa política migratória tem de ser humanitária, e tudo o que implique o contrário é um retrocesso inaceitável".
Traduzindo: "O que o PSD parece querer dizer-nos é que apenas algumas pessoas são bem-vindas em Portugal. Por um lado, para o líder do PSD apenas pessoas que cumpram determinados critérios, com determinadas classificações, com determinado "talento" serão bem-vindos. Para o presidente da Câmara de Lisboa apenas aqueles de que supostamente "precisamos" e que já tenham contrato de trabalho."
Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do BE, afirma que as frases de Moedas e Montenegro são "ilustrativas do desfasamento do PSD face à realidade a que estamos a assistir" e que a do presidente do partido, em particular, "mais parece uma tentativa de discussão de futuros acordos à direita com um partido de extrema-direita".
"Não estamos perante uma crise de imigração, estamos perante uma crise de habitação", a que acresce os "salários baixos" e um "modelo económico baseado na exploração máxima desta mão de obra".
André Ventura fala numa "aproximação" de Luís Montenegro, porque "ter o líder do PSD a dizer, de uma forma diferente, o que diz o Chega e o presidente do Chega só pode significar que não há linhas vermelhas".
"Não quer reunir-se comigo, mas já diz o que eu digo, imagine depois de se reunir comigo, sai de lá a dizer que temos um governo fortíssimo de direita para os próximos anos em Portugal [...] Estamos no bom caminho para formar um governo, registo este mea culpa do Dr. Luís Montenegro, este volte-face do PSD", considerou.