Protestos em Portugal como em França? "A conjuntura é favorável, mas diria que não"
"Os tempos que vivemos justificam não a divisão, mas sim a união". É assim que Arménio Carlos, ex-secretário-geral da CGTP (de 2012 a 2020) olha para a atual conjuntura política e social em Portugal, após vários meses de contestação nas ruas por parte de vários setores.
Mas a posição de Arménio Carlos não significa necessariamente menor luta, esclarece ao DN o ex-secretário-geral da CGTP. Pelo contrário. "Creio que, neste momento, o que se justifica e exige é que todos juntem as suas forças e vontades para que se endireite o que é o essencial: melhorar as condições de vida e laborais, assumir o bem-estar das famílias como uma questão prioritária e, depois disso, não deixar de assumir a participação cívica", explica. Ou seja: "Efetivar a democracia participativa reclamando aquilo a que têm direito e exigindo que o governo os ouça."
O contexto nacional é, no entanto, parte de uma exceção. Isto porque um governo de maioria absoluta é bastante raro no conjunto dos 27 Estados-membros da União Europeia. E no caso da Grécia, por exemplo, a maioria da Nova Democracia do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis pode estar em risco, uma vez que há eleições legislativas marcadas para o próximo mês de maio.
De resto, os Estados-membros ou têm governos minoritários (em França, por exemplo) ou de coligação (como na Alemanha, em que há um governo com três partidos).
Em Portugal, a maioria absoluta de janeiro do ano passado surge após sete anos de governo do mesmo partido (PS). Significa isto que os protestos podem ter menos impacto por cá do que noutros contextos? "Tanto quanto nos apercebemos, a questão não remete para governos de maioria absoluta ou relativa", explica António Costa Pinto, professor universitário e investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. No entanto, a conjuntura atual (maioria absoluta + inflação e aumento do custo de vida + habitação) "é favorável" a manifestações e protestos. "É uma conjuntura global de desvalorização salarial e, ao contrário de outras, é favorável ao aparecimento a estas questões. Num certo sentido, quando olhamos para trás, a época da troika era mais favorável, porque a diferença fundamental é que aí houve cortes salariais e, como todo nós sabemos, a inflação tem uma dinâmica diferente e mais diferenciada entre o público e o privado, por exemplo", analisa.
Nas últimas semanas, têm existido manifestações em vários países europeus. O caso francês é o mais mediático, com milhões de pessoas a saírem às ruas para contestar o aumento da idade da reforma. A violência escalou e as imagens de confrontos entre a polícia e os manifestantes multiplicaram-se.
Pode este cenário ser repetido por cá? Para António Costa Pinto, não é completamente claro que assim aconteça. "Diria que não. Portugal é um país de conflituosidade social baixa em relação à média europeia", algo que "não é de agora, mas de sempre". Isto significa que "o número de greves, de mobilização sindical" por ano "é mais baixo" do que lá fora. Portanto, sintetiza, "a conjuntura é favorável, mas a tradição dos movimentos sociais aponta para, em primeiro lugar, uma menor mobilização e, em segundo lugar, aquilo a que chamamos uma menor dinâmica de movimentos sociais transgressivos".
Outro especialista nestas matérias, o superintendente Sérgio Felgueiras, professor no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ISCPSI) e com uma tese de doutoramento na temática dos movimentos sociais, refere ao DN que, no contexto português, "há um quadro de ação para fazer um protesto", mas muitas vezes "não se conseguem mobilizar pessoas. Isso reflete muito alguma falta de participação das estruturas sociais na vida política portuguesa". Além disso, considera, "hoje em dia, assistimos muito mais a uma plataforma de protesto. No fundo, temos aqui uma bricolage de organizações e movimentos. Mas isso também tem um problema: a falta de liderança".
Por outro lado, Arménio Carlos considera que o importante é lutar e "efetivar a democracia", sim, mas sempre "dentro do respeito com os bens dos outros e não entrando em processos de vandalismo". Estes atos, diz, "nunca ajudam a luta dos trabalhadores, prejudicam sempre junto da opinião pública e facilitam as posições do governo, seja ele qual for".
Criado em 2018, o S.T.O.P (Sindicato de Todos os Profissionais da Educação) surgiu, na altura, como o 23.º sindicato de professores. Entretanto, a designação foi alargada para incluir os restantes profissionais do setor da educação. Apesar da data de fundação recente quando comparado com outros sindicatos da educação (a Fenprof, por exemplo, surgiu em 1983), tem-se destacado pela capacidade de união e mobilização em torno das iniciativas do sindicato.
Por outro lado, começam também a surgir movimentos de cidadãos anónimos, como o Vida Justa, que já organizou uma manifestação em que eram exigidas melhores condições de vida e habitação digna.
Mas, olhando para o contexto português, que possibilidades têm estes dois (e tantos outros) casos de se afirmar num cenário em que o sindicalismo dito tradicional ainda perdura? Segundo o superintendente Sérgio Felgueiras, "para o movimento ter sucesso, segundo uma agenda clássica dos estudos desta área, é preciso que haja e se tenha a capacidade de mobilizar recursos". Isto, claro, aliado a outro fator: "as oportunidades políticas". "É preciso perceber se há uma abertura até do sistema para que sejam criados movimentos sociais, se é o momento em que estamos em condições de reivindicar e é preciso uma mensagem, que tem de convencer as pessoas a participar. Portanto, há duas linhas de pensamento". Quais? "Porque é que importante as pessoas juntarem-se a um movimento, porque é que vale a pena, e é preciso que haja uma mensagem de esperança. Tem de haver vontade e necessidade de mudar a situação. É isso que mobiliza as pessoas". Estas três dimensões (recurso, oportunidades e uma causa justa) são, diz, "difíceis de encontrar". "Se fizermos uma radiografia ao que tem surgido por cá, vemos que se calhar há aqui uma plataforma de pessoas a surgir da sociedade, que num primeiro momento está tudo bem, mas, depois, quando é preciso outro tipo de decisões, por vezes falham. É isso que faz com que alguns movimentos surjam e fiquem e outros acabem por desaparecer", completa.
Arménio Carlos tem outra opinião: é preciso mais união e não mais sindicatos. "Não é por termos opiniões diferentes que podemos deixar de estar no mesmo sindicato ou na mesma organização sindical para puxar todos para o mesmo lado. Quando se gera a constituição de sindicatos todos atrás uns dos outros, a vida já demonstrou que não contribuem para a unidade, mas sim para a desunião", considera.
Por fim, António Costa Pinto olha para estes movimentos como sendo portadores de "um novo tipo de criatividade" no que toca ao protesto. Protesto esse que, reitera, tem sido feito "com as suas fórmulas clássicas: a greve e a manifestação".
França: Há várias semanas que existem protestos em território francês. Na origem está a polémica lei do presidente Emmanuel Macron que fará com que a idade da reforma aumente de 62 para 64 anos. Este aumento foi aprovado sem ser votado, com o governo a invocar artigo na Constituição francesa aplicável a leis específicas (que mexam no orçamento, por exemplo) - a oposição só poderá reverter esta situação apresentando moções de censura (como já fez por duas vezes e chumbaram). Devido a isto, têm-se multiplicado os confrontos entre a polícia e os manifestantes em várias cidades francesas, incluindo a capital, Paris. A juntar a isso, tem havido também greves em vários setores, como os trabalhadores da recolha de lixo.
Reino Unido: Com menos violência do que em França, o descontentamento também saiu à rua no Reino Unido nas últimas semanas. Sindicatos de diferentes setores sociais saíram à rua para protestar contra a inflação, os baixos salários e o aumento do custo de vida no país. No início de fevereiro, a Associated Press descrevia mesmo esta onda de greves e protestos como sendo o maior protesto que o Reino Unido viveu "em décadas". Segundo a federação sindical Trades Union Congress, as greves terão mobilizado quase meio milhão de trabalhadores, incluindo maquinistas dos comboios, trabalhadores dos aeroportos, enfermeiros e professores. O ex-líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, juntou-se e foi visto em algumas destas manifestações.
Alemanha: Nas últimas semanas, a Alemanha tem vivido com greves em vários setores. Na origem: salários mais altos face à inflação que se vive. Ambos os sindicatos na origem dos protestos - o Ver.di e o EVG - reivindicam aumentos salariais de 10,5% (a inflação na Alemanha no último ano foi de 9%). A 8 de março (Dia Internacional da Mulher), as trabalhadoras de infantários e jardins-de-infância deixaram de trabalhar em quase todo o país. Três dias depois - e após um longo diferendo com o Ver.di -, os serviços postais da Alemanha aumentaram em 11% e 16% os salários do seus quase 160 mil empregados. A 14 e 15 de março, foi a vez dos trabalhadores de hospitais e lares. Na última segunda-feira, o protesto alastrou-se ao setor dos transportes, que ficou praticamente parado.