Portugal no Conselho de Segurança da ONU? "Até agora ganhámos sempre"

Marcelo Rebelo de Sousa lançou a candidatura ao mais importante órgão das Nações Unidas. António Monteiro, que presidiu ao Conselho de Segurança, diz que este é um "direito" de Portugal que, sempre que tentou, conseguiu a eleição.
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Portugal está na corrida a um lugar como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. No discurso proferido na última terça-feira na 76ª Assembleia-geral da ONU, o Presidente da República pediu a "confiança" dos restantes Estados membros para um mandato português, com início em 2026, garantindo que o país não se afastará dos princípios basilares do multilateralismo, do desenvolvimento sustentável e global.

A conseguir o intento, não será a primeira vez que Portugal tomará assento entre os 10 membros não permanentes do Conselho de Segurança, o mais importante órgão da ONU, único com poder para tomar decisões mandatórias à escala global. Já aconteceu em 1979/80, em 1997/98 e em 2011/2012. Pode agora repetir-se?

António Monteiro, embaixador, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros, conhece bem os corredores das Nações Unidas: várias vezes destacado para trabalhar na Missão Permanente em Nova Iorque, representou Portugal na ONU de 1997 a 2001 e foi presidente do Conselho de Segurança. Ao DN, manifesta a convicção de que Portugal se sentará novamente no mais importante órgão da ONU daqui a cinco anos: não só esse é um "direito" do país, como a história mostra um percurso favorável às pretensões portuguesas.

Começando pelo início do processo. Os 193 Estados-membros das Nações Unidas são subdivididos em cinco grupos regionais, com Portugal a integrar o grupo Europa Ocidental e Outros (WEOG, na sigla em inglês). Uma base de apoio fundamental para conseguir a eleição para o Conselho de Segurança, dado que o grupo (que tem dois assentos não permanentes no Conselho de Segurança) concerta posições sobre os candidatos próprios, que são depois propostos a votação da Assembleia Geral. António Monteiro lembra que em 1996 Portugal travou uma "disputa muito difícil com a Austrália", que não foi concertada dentro do grupo regional, com os dois países a concorrerem pelos votos da Assembleia Geral. Ganhou a candidatura portuguesa.

Tentou-se então um acordo dentro do grupo, que garantisse a representatividade alternada e igualitária das quase três dezenas de países que integram o bloco regional. "Na altura insistimos e trabalhámos muito para encontrar uma solução dentro do grupo. Em vez de deixar que a eleição fosse decidida por outros, devíamos encontrar um acordo de rotação dentro do WEOG. Na altura lembro-me que fizemos contas e seriam à volta de 11, 12 anos para voltar" ao Conselho de Segurança, relembra o ex-MNE.

"Sempre dissemos que a nossa candidatura respeitaria este entendimento não formal", prossegue António Monteiro. E foi dentro dessa lógica que Portugal voltou a apresentar uma candidatura (também anunciada com anos de antecedência) no início da década passada. "Acontece que a Alemanha, que tinha saído do Conselho de Segurança pouco tempo antes, entendeu que não devia respeitar esse acordo informal e resolveu avançar com uma candidatura", isto quando Portugal e a Suécia já se perfilavam para ocupar os dois assentos disponíveis. Resultado: "Tivemos de nos bater com a Suécia [na votação na Assembleia-Geral]. E ganhámos. Até agora, quando tivemos que nos bater na votação, ganhámos sempre".

Com décadas de experiência na diplomacia internacional, António Monteiro tem uma explicação para isso: "Nós somos a voz dos pequenos, temos sempre ganho as eleições com o apoio dos pequenos países. Do bloco africano, que nos tem dado um grande apoio, e depois de países como os pequenos países insulares. Porquê? Porque sabem que Portugal pode ser sempre uma voz a favor dos problemas deles. Nós não temos pretensões de imposição, de potência que quer impor orientações, somos um país que se sabe defensor da democracia, da tolerância, do diálogo. Isso tem sido a nossa marca". Reconhecida nos corredores da ONU, sustenta António Monteiro, como se viu na eleição de António Guterres para secretário-geral: "O bom nome que Portugal tem na ONU ajudou a que a prestação pessoal de António Guterres tivesse tido o êxito que teve. Não digo que fosse determinante, mas ajudou."

Dentro da lógica do entendimento informal no bloco regional é tempo de Portugal voltar ao Conselho de Segurança, diz o antigo presidente deste órgão: "Espero que o WEOG respeite este entendimento, de que é de novo a vez de Portugal estar presente no Conselho de Segurança, que haja um endorsement das duas candidaturas [dois assentos a que o grupo tem direito]. Ou então lá estaremos, e acho que não temos que virar a cara a travar mais uma luta, confortados pela ideia de que nunca as perdemos". Já no final dos anos 70, na primeira vez que tomou assento no Conselho de Segurança - depois dos anos de tensão na ONU com a política do Estado Novo para África - Portugal tinha ganho a corrida a Malta.

Qual é a importância de ter assento como membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, para mais quando este organismo conta com cinco membros permanentes - Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido - que têm poder de veto sobre qualquer decisão? "Temos de ter consciência de uma coisa: dentro do Conselho de Segurança quem manda são os países com assento permanente, porque têm o veto. E nem é tanto pelo uso efetivo do veto, mas pela ameaça do uso, que distorce as negociações, é uma chantagem: "ou os senhores seguem esta via ou nós vetamos". Quando um dos cinco faz isto já se sabe que não vale a pena continuar por aquela via".

Mas os membros não permanentes (que são dez) têm um "papel muito importante" - "quando os cinco permanentes não ousam entrar com o veto, e procuram disfarçadamente utilizá-lo como ameaça, os outros dez têm um papel determinante, são eles que decidem qual a decisão que deve ser tomada, porque são a maioria". Para António Monteiro, os membros não permanentes têm "uma ação limitada pelo excessivo e antidemocrático poder de veto dos cinco, mas têm influência na forma como atuam, como puxam por determinados temas, muitas vezes até se conseguem unir de maneira a suprir as divisões dos cinco".

Por outro lado, os países que ali estão têm possibilidade de "afirmar melhor a sua política externa e, no nosso caso, ainda mais acrescido, porque estamos na União Europeia. É importante que os países afirmem a capacidade bilateral de influir na cena internacional, como também fortalece a posição interna que temos na UE".

Marcelo não falou só da eleição de Portugal, também defendeu a necessidade de reforma das Nações Unidas, nomeadamente o alargamento dos membros permanentes pelo menos a um país africano, à Índia e ao Brasil. A questão leva anos de discussão sem qualquer resultado prático e António Monteiro não se mostra otimista quanto à reforma do mais importante órgão da ONU, "bloqueada desde o princípio dos anos 90" pelos "interesses das grandes potências".

Uma oposição que não é fácil de ultrapassar e a que se soma a dificuldade em definir um novo desenho. "Há grandes problemas em relação a novos membros permanentes. Serão novos membros com veto? Sem veto? Sem veto é criar uma nova categoria, intermédia, que não facilita e não melhora o funcionamento das Nações Unidas. Com veto é alargar o estatuto antidemocrático a mais países." Para avançar com a reforma deste órgão, seria preciso que os cinco do Conselho de Segurança estivessem "dispostos a fazer as cedências necessárias", o que não se adivinha no horizonte. "Eu próprio, no Conselho de Segurança e fora dele, fiz parte de grupos de reforma. Passávamos horas e horas com ideias que depois iam contra o muro dos interesses dos países que têm o poder e que não estão dispostos a partilhá-lo. É muito complicado."

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