Politólogos duvidam que ventos açorianos possam contaminar as legislativas

Politólogos duvidam que ventos açorianos possam contaminar as legislativas

Governo minoritário nos Açores pode ser experiência de Luís Montenegro para colocar pressão sobre o PS e o Chega. Mas a conjuntura nacional é diferente e todos os envolvidos correm riscos.
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Vencer as eleições regionais dos Açores sem obter maioria absoluta não terá sido o melhor resultado para a Aliança Democrática (AD) assegurar quatro anos de estabilidade governativa, mas deu a Luís Montenegro uma oportunidade para alterar as regras do jogo a cinco semanas das legislativas. Sem hipótese de encontrar parceiros avulsos que assegurem os três votos que lhe faltam, como sucedeu em 2020, José Manuel Bolieiro disse que fará um governo “de maioria relativa”, apoiado pelos 26 deputados da coligação PSD, CDS-PP e PPM, o qual só não será viabilizado se houver uma “coligação negativa” entre PS e  Chega, que juntos têm 28 deputados na Assembleia Legislativa Regional dos Açores.

Depois de Montenegro ter afirmado, na noite eleitoral - na qual se manteve em Ponta Delgada, ao contrário de Pedro Nuno Santos e André Ventura -, que “Bolieiro tem todas as condições para governar, a não ser que o PS e o Chega se entendam”, houve de imediato reações de socialistas em contramão com a recusa de viabilização de um governo minoritário da AD nacional defendida pelo secretário-geral do partido. Além de Francisco Assis e Ana Gomes terem apelado a que se afaste o Chega da esfera do poder - sendo que esse partido e a AD somariam 31 deputados nos Açores -, Pedro Delgado Alves disse no domingo que “é um dever de todas as forças políticas não contribuir para a instabilidade”, prevendo que o PS “fará tudo o que puder para que haja estabilidade”.

O deputado socialista, apoiante de Pedro Nuno Santos na disputa interna e membro do Secretariado Nacional, corrigiu as declarações ontem, num podcast do Observador,  defendendo que “criar-se condições para a estabilidade não é um pressuposto imediato que exista uma viabilização”, e referindo as razões apontadas por Pedro Nuno Santos para afastar tal cenário caso a AD nacional procure formar um governo minoritário após as legislativas. Nomeadamente o benefício que o Chega retiraria de “ter o PS e o PSD comprometidos com a mesma governação” e a grande distância entre esses dois partidos a nível ideológico.

Com o PS-Madeira a reunir-se na quinta-feira, para decidir o que irá fazer, na ressaca de uma derrota dura para a liderança regional de Vasco Cordeiro, e com o representante da República para os Açores, Pedro Catarino, a prever ouvir os partidos com representação parlamentar a 19 e  20 de fevereiro, após a publicação dos resultados oficiais das eleições do domingo passado, os politólogos ouvidos pelo DN convergem na constatação de que a vitória da AD nos Açores foi muito positiva para Luís Montenegro. No entanto, duvidam que as duas realidades sejam facilmente extrapoláveis.

Para António Costa Pinto, investigador do Instituto de Ciências Sociais (ICS), os únicos pontos em comum entre a conjuntura política açoriana e a nacional residem no “fracionamento do sistema partidário e no crescimento do Chega”.

“Tudo o resto é diferente”, defende Costa Pinto, realçando que nas eleições regionais dos Açores esteve em causa um governo de centro-direita que enfrentou eleições antecipadas. Ainda assim, o investigador e professor universitário admite que “a proximidade eleitoral traz alguma contaminação por parte dos partidos”.  Mas, sendo “perfeitamente natural que Luís Montenegro capitalize esta vitória, dada a coincidência conjuntural entre a coligação dos Açores e a AD metropolitana”, que têm precisamente os mesmos três partidos, ressalva que “em 50 anos de democracia portuguesa nunca existiu contaminação entre eleições regionais e nacionais”.

Por seu lado, André Azevedo Alves,  do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, começa por destacar que a vitória da coligação de José Manuel Bolieiro é muito positiva para o PSD e para Luís Montenegro, dando-lhes “ânimo após o que se está a passar na Madeira”, onde a demissão do presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, e a detenção do presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado - que era tido como o sucessor natural de Albuquerque -, criaram um cenário que pode precipitar, também nessa região autónoma, eleições antecipadas para as quais os sociais-democratas partirão muito fragilizados.

Por outro lado, André Azevedo Alves aponta o “risco de a situação nos Açores correr menos bem para a AD”, havendo um jogo incerto entre o PSD, o PS e o Chega de atribuição de culpas se o governo minoritário de José Manuel Bolieiro for derrubado pela concertação da oposição. Ainda assim, defende que será muito difícil que Pedro Nuno Santos “se possa escudar nas diferenças programáticas com o PSD” caso a situação de um governo minoritário da AD se repetir a nível nacional após as legislativas. “Se o Chega é uma ameaça à democracia, e não estamos a brincar com as palavras, e existe uma coligação democrática que se propõe governar em minoria, parece-me incompreensível que esse governo seja inviabilizado à partida”, diz André Azevedo Alves, para quem o secretário-geral do PS está numa posição em que “quer ter o bolo e comê-lo”. No que toca aos Açores, tudo se complica por “já não ser um cenário e sim a necessidade de tomar uma decisão concreta”.

Entretanto, sem antecipar o que o Chega fará, André Ventura qualificou ontem de “total irresponsabilidade do PSD” a ideia de propor um governo minoritário nos Açores.

Bolieiro manteve deputados, ganhou votos e assistiu à derrota de Cordeiro

Nem ter ficado aquém da maioria absoluta, dificultada pela distribuição de cinco deputados no círculo de compensação, ou o facto de os 42,08% obtidos pela Aliança Democrática (AD) ficarem menos de meio ponto percentual acima da soma de PSD, CDS-PP e PPM nas regionais de 2020 abalou o entusiasmo de José Manuel Bolieiro na noite de domingo. Mais do que os 26 eleitos que manteve na Assembleia Legislatura Regional dos Açores, e da primeira vitória do centro-direita sobre o PS em eleições regionais desde 1996, o líder social-democrata que lidera o governo regional desde 2020 - quando fez uma coligação pós-eleitoral, juntando-lhe o apoio parlamentar do Chega e da Iniciativa Liberal - venceu sem margem para dúvidas o PS de Vasco Cordeiro, que perdeu dois deputados, descendo para 23, e viu abrir-se um fosso em relação aos principais adversários políticos.

Com mais 5297 votos do que a soma dos três partidos que a compõem em 2020, a AD foi a força mais votada em todas as ilhas, tirando Santa Maria, Flores e Corvo (ver texto ao lado). Num contexto de diminuição da abstenção (de 54,58% para 49,67%), e com as principais lideranças partidárias nacionais a rumarem aos Açores para apoiar candidatos regionais, só o Chega cresceu mais do que a coligação liderada por José Manuel Bolieiro em número de votos. Além de passar de dois para cinco deputados - dois por São Miguel, um pela Terceira e dois pelo círculo de compensação -, o partido de André Ventura, liderado nos Açores por José Pacheco, mais do que duplicou os votos, de 5260 para 10626, chegando aos 9,19%.

Sinal evidente de que os partidos e coligações que se apresentaram nas eleições regionais mobilizaram os açorianos foi  quase todos terem acréscimo de votação relativamente a 2020. Ainda que claramente derrotados, o que foi reconhecido por Vasco Cordeiro, pelo secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, e pelo presidente do partido (antigo presidente do Governo Regional dos Açores), Carlos César, os socialistas também tiveram mais 837 votos.

Também a Iniciativa Liberal, apesar de ter contribuído para o chumbo do orçamental regional, que motivou eleições antecipadas, subiu 470 votos (para 2,15%), mantendo um deputado, e a CDU subiu 78 votos (para 1,58%), falhando o objetivo de recuperar a representação parlamentar. 
Abaixo da votação de há quatro anos só o Bloco de Esquerda, que perdeu 1026 eleitores e um dos seus dois deputados, o PAN, que recuou 97 votos (mantendo o seu eleito) e a coligação Alternativa 21. Nesse caso devido a muitos problemas nas listas, ficando muito aquém dos 579 votos que o Aliança e o MPT - Partido da Terra somaram em 2020.   

NOTAS DAS ILHAS

Faltaram 23 à AD para desempatar o Faial

A soma de votos entre PSD, CDS-PP e PPM não garantiu ganho de deputados ao PS na maioria das ilhas, sendoa Graciosa a única (além de São Miguel) onde tal foi possível. Mas esteve quase a acontecer no Faial, que tem quatro mandatos em jogo. Manteve-se o 2-2, mas a coligação ficou a 23 votosde eleger o seu terceiro deputado pela ilha. 

PS à frente em Santa Maria, Flores e Corvo

Ao contrário das eleições regionais de 2020, quando foi a força mais votada e liderou em sete ilhas, desta vez o PS só não ficou atrás da AD em Santa Maria e nas ilhas do grupo ocidental, que são as menos habitadas. No Corvo subiu de 101 para 164 votos, com a AD aquém da soma dos então vencedores PPM e CDS (coligados nesse círculo) com o PSD. Ainda maior foi a mudança nas Flores, com a transferência do PPM para o PCP, o que permitiu aos socialistas não só vencer como ganhar um deputado na ilha.

CDU a apenas 85 votos de eleger um deputado

Após ter conseguido manter um deputado na Assembleia Legislativa Regional da Madeira, no ano passado, o secretário-geral comunista Paulo Raimundo, disse, durante a campanha, que recuperar o mandato perdido nos Açores seria um “sinal de grande confiança para a batalha que vamos ter um mês e meio depois”. Tal não veio a acontecer, até porque o Chega elegeu dois dos cinco deputados do círculo de compensação, com a CDU a ficar a apenas 85 votos de eleger Paula Decq Mota, filha do histórico comunista açoriano José Decq Mota.

Mais candidatos do que votos

A Alternativa 21, coligação formada pelo Aliança e pelo MPT - Partido da Terra, não só viu todas as suas listas recusadas pelos tribunais, à exceção da que apresentou na ilha de Santa Maria, como obteve apenas quatro votos. Menos um do que os seus candidatos, três titulares e dois suplentes, pelo que não teve o voto de todos.

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