PCP desafia PS para "alternativa patriótica e de esquerda"

Secretário-geral do PCP admite "integrar um governo", "formar um governo" que trave a "alternância", mas com "objetivos muito claros". E o BE? "Convergimos 90% das vezes" no Parlamento. Paulo Raimundo elogia ainda a "franqueza e frontalidade" de Pedro Nuno Santos.
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No tempo da geringonça o PS governava melhor? A presença do PCP, do PEV, do Bloco nessa posição conjunta assegurava, no seu entender, mais estabilidade e qualidade nas políticas?
Há uma evidência: no período de 2015 a 2019, aquilo que marcou, ainda que com insuficiências e muito aquém das necessidades, foi a recuperação de direitos, a reconquista de novos direitos, abrir caminhos para políticas necessárias, foi isso que marcou.

A presença do PCP e dos outros partidos nessa solução era também um fator de estabilidade?
Sinceramente, aquilo que acho que conferia estabilidade a essa solução era exatamente os objetivos políticos que se concretizaram. Agora, do ponto de vista técnico, não poderia haver uma solução mais estável do que aquela que existe hoje. Aquilo que torna instável a situação hoje é a profunda contradição entre a política seguida e os problemas que as pessoas enfrentam. Ao contrário da solução de 2015 a 2019, em que o PS, no nosso entender, foi obrigado a ir mais longe do que aquilo que esperava ter de ir. Tanto do ponto de vista de reposição, como de abrir novos caminhos. Quando pensou que tinha a oportunidade de se livrar desses - no entender do PS -, constrangimentos, livrou-se e ficou com a maioria absoluta depois de um processo de chantagem. Procurou retomar o caminho que sempre quis, que é o que está em curso. De facto, isso cria uma situação de grande instabilidade social e económica, que depois se traduz do ponto de vista político também.

O PCP poderá um dia voltar a estar disponível para repetir a tal geringonça?
Para não perder a previsibilidade da questão, essa pergunta tem de ser devolvida ao PS. Acho que uma grande virtude dos últimos dez anos é que tivemos uma experiência de um governo PSD-CDS, tivemos a experiência de 2015 a 2019, que caracterizamos como uma nova fase da vida política nacional, e temos a experiência ainda curta, mas muito viva, desta maioria absoluta. Perante isto tudo, perante uma certa tentativa de lamaçal, que é o que vivemos hoje, aquilo que emerge - e estamos outra vez a ser muito pressionados para esta questão da alternância -, é a pressão de comandar este barco como ele está. O que emerge é um problema de alternativa, não de alternância, e nós propomos uma alternativa com uma política patriótica e de esquerda, assente num conjunto de objetivos muito claros, que vamos continuar a afirmar, e é isto que se vai impor no futuro. Podemos dizer que os socialistas em geral, ou o PS em particular, podiam estar de fora desta solução? Não, à partida não pode estar de fora desta solução. No fundo, devolvo a questão ao PS, mas com um desafio grande: ou há uma política que resolva os problemas das pessoas - e no nosso entender achamos que temos essa proposta -, e para construir essa política todos fazem falta, então muito bem, ou para dar corpo ou fazer flores neste caminho que está em curso, não contem connosco, isso é certo.

Acha que Pedro Nuno Santos, até pelo que conhece dele, assegura a possibilidade de um dia haver algo frutuoso entre os dois partidos?
Aquilo que posso dizer é que, independentemente das diferenças políticas que obviamente existem e que marcam, a relação que existiu foi sempre frontal e franca da nossa parte para com o PS.

Mas as relações podem ser frontais e francas e haver desacordo.
Sim, como aliás aconteceu grande parte das vezes.

A frontalidade e a franqueza também podem ser instrumentos para chegar a acordo. Verificou isso na pessoa de Pedro Nuno Santos?
Não há razão nenhuma para esconder: Pedro Nuno Santos desempenhou, na altura em 2015, sempre este princípio de franqueza e frontalidade, mas também com a identificação clara do que nos separa. Como temos a experiência testada, digamos assim, das opções políticas do PS do qual Pedro Nuno Santos faz parte, e temos a experiência testada da nova fase da vida política nacional, aquilo que se coloca neste momento é como é que se encontra uma alternativa a esses caminhos. Se a lista A, B ou C estiver disponível para esse caminho, naturalmente que contamos com eles.

Quais são os erros que o PCP assume que cometeu durante a geringonça? Ou fica tudo à responsabilidade do PS?
Conhece as circunstâncias em que tivemos de assinar o papel, houve quem quisesse esse papel, mas para nós não era preciso papel nenhum. Até porque o papel valia o que valia.

Mas no papel não dizia nada sobre as políticas, só sobre as condições de governabilidade.
Está a ver? Fizemos bem, porque isso garantiu que pudéssemos ir mais longe do que aquilo que eventualmente pudesse estar escrito no papel.

Há quem se queixe, na CGTP por exemplo, de que o PCP podia e devia ter ido mais longe na reversão das leis laborais da Troika.
E fartámo-nos de trabalhar para isso.

Isto não foi imposto previamente. Numa futura negociação, o PCP terá de impor previamente?
Acho que temos de olhar para aquilo que aconteceu em 2015 não propriamente a pensar numa solução governativa e de política de fundo. O que fizemos em 2015 foi dizer o seguinte: perante a votação expressa e o número de deputados eleitos, há duas possibilidades.

E perante o facto do PSD ter ganho.
Há duas possibilidades: ou há uma maioria na Assembleia que garante um governo PSD-CDS ou há uma maioria que permite a construção de um novo governo liderado pelo PS, mas que tivesse logo três questões fundamentais. Isto é, em primeiro lugar, afastar o PSD e o CDS do poder, e assumimos esse objetivo. Em segundo, formar um governo novo que só podia ser do PS, não era possível formar um governo em que participássemos porque os programas políticos são profundamente antagónicos. E, em terceiro, um novo governo que neste enquadramento, e até do ponto de vista da luta social e política, desde logo ficasse naturalmente "bem condicionado". Foi isso que aconteceu, não houve nenhum programa comum, não houve nada disso.

E isso não fragilizou
Não, até acho que foi uma virtude e uma criatividade de uma solução à portuguesa, diria assim. E acho que permitiu ir mais longe do que aquilo que eventualmente pudesse ter ficado acordado. Primeiro, permitiu recuperar uma parte dos direitos que tinham sido roubados, depois, ir mais longe num conjunto de conquistas, até coisas simbólicas, mas com peso na vida, como a recuperação dos feriados, além dos rendimentos claro. As questões do passe, abrir caminho para a questão das creches, os manuais escolares gratuitos, tudo isto são iniciativas que só foram possíveis pela nossa intervenção. Claro que à partida já sabíamos duas coisas: primeiro, as opções de fundo do PS - e havia coisas sobre as quais dificilmente se podia ir e que, mais cedo ou mais tarde, aquela solução política teria de ter um fim, exatamente pelas opções políticas de fundo do PS. Isto, para chegar às questões laborais. Essa é uma questão da qual nunca abdicámos. Aliás, foi uma das questões que teve um peso determinante no Orçamento do Estado de 2021.

O PCP exclui de todo e em absoluto, no quadro de uma solução futura de esquerda, integrar um governo?
Não, porque é que havíamos de excluir? O nosso objetivo é conquistar o poder, é para isso que cá andamos.

Então não excluem integrar um governo?
Não, e até lhe digo mais - não só não excluímos integrar um governo, como temos a legítima pretensão de poder formar um governo.

E faria sentido, para isso, que agora houvesse eleições antecipadas? Disse que o PCP está disponível para tomar medidas concretas, fala em alternativa e urgência. Há necessidade de quebrar já este ciclo, de forma a que o PCP possa participar numa solução de alternativa?
A alternativa política que propomos tem objetivos de fundo que se colocam na vida das pessoas. Um dos objetivos fundamentais da política que propomos é aumentar salários e pensões. Até se pode dizer que isso é sempre um objetivo geral, mas nos tempos que correm, todos sabemos que é uma questão decisiva. Olhando para a realidade, temos um governo de maioria absoluta que só não avança com medidas que resolvam os problemas das pessoas se não quiser, porque tem todas as condições para isso.

Mas o PCP também se encontra numa situação mais frágil para pedir medidas mais duras para aquilo que quer realizar. A força negocial do PCP reduziu-se, não só pela maioria absoluta, mas também pela perda de deputados nos últimos anos.
Sim, o que me está a dizer é um facto, perdemos deputados, é um facto.

A questão não é só perder deputados, é perder força negocial.
Não vou fugir à pergunta, mas a questão não é essa. Aquilo que nos move e nos preocupa não é o número de deputados ou o número de votos que vamos ter, é a situação económica e social do país. O país está concentrado nesta sucessão de casos e problemas, que claro que não podem passar ao lado, mas a vida das pessoas é algo completamente diferente. Na semana passada, estive num contacto com trabalhadores em Vila Franca e não houve um único trabalhador que me tivesse falado da instabilidade governativa, falaram-me foi do aumento dos salários.

Isso é uma constatação de factos, mas como é que o PCP perdendo força negocial consegue alterar isso?
Mas lá está, é sobre esta realidade que temos de exigir que se deem respostas aos problemas das pessoas.

Como? Exigindo só?
Exigindo e agindo. Quando estamos num esforço grande para fazer propostas no plano da Assembleia da República, fazer propostas em várias instituições, mas também animando a justa reivindicação de diversos setores da sociedade que estão a ser profundamente apertados, essa é uma forma de exigência.

Mas bloqueado pela maioria absoluta do PS.
Só que a maioria absoluta do PS, tal e qual como a outra maioria absoluta, não é condição para levar até ao fim as suas opções. Se torna mais difícil para este lado, sim, mas não é condição, até porque a realidade social e económica está a impor-se.

Estar a impor-se significa que, mais tarde ou mais cedo, teremos eleições antecipadas?
Digo-lhe sinceramente que não há nenhum desejo da nossa parte em acelerar as coisas,. Para acelerar estão cá outros.

Mas como é que trava aquilo que considera um problema?
Forçando o governo. Claro que temos menos força agora do que tínhamos, mas a força para pressionar não se mede apenas do ponto de vista institucional, mas também por toda a capacidade de ação e intervenção em diversos setores da sociedade.

Até por uma união de esquerdas? No tempo da geringonça funcionava de forma bilateral. Fará sentido agora haver uma relação mais próxima entre PCP e Bloco?
Talvez estejamos a partir de pressupostos diferentes, no sentido em que aquilo que nos preocupa não é propriamente quantos votos vamos ter nas próximas eleições, sejam elas em 2026 ou antes. O nosso cálculo é como vamos criar condições políticas e sociais que obriguem o governo a tomar medidas, porque tem todos os instrumentos na mão que permitem responder aos problemas das pessoas. Permitem responder aos problemas das reformas, das creches, dos salários, ao problema de uma questão evidente que é como colmatar a especulação dos preços, uma vez que temos inflação, mas também especulação dos preços dos bens essenciais. Para essa batalha, todos são poucos, as convergências fazem-se no plano institucional e no plano social.

Portanto, é perfeitamente admissível uma convergência entre PCP e Bloco nesse sentido de resolver o problema do "como é que se faz"?
É perfeitamente admissível todos os dias e aliás, no caso concreto do Bloco, podemos dizer que convergimos 90% das vezes na Assembleia da República sobre matérias de facto.

Faria sentido uma frente eleitoral, já que as políticas gerais do PCP e do Bloco são, como diz, parecidas?
Como sabem, partimos de uma frente eleitoral e com uma coligação com o PEV e muitos outros independentes. Acho que às vezes a soma das partes vale mais do que o conjunto e não me parece, no quadro em que estamos, que isso fosse um instrumento.

Mas não era uma manifestação de força? Até porque tem uma grande preocupação com a direita.
Isso leva-nos para outro problema, que é a questão do que é que isso significa. Como sabemos, houve uma moção de censura promovida por um dos partidos da direita, moção sobre a qual votámos contra, claro. E isto exatamente por causa dos conteúdos. Porque o problema que temos hoje é que há uma maioria absoluta do PS com opções políticas de fundo, que se esgravatarmos um bocadinho, quais são as grandes diferenças entre essas e as do PSD, do Chega ou da IL? Há uma questão óbvia: uns querem acelerar o processo, outros querem acelerar muito e outros querem mantê-lo neste ritmo, talvez seja a única diferença. Porque do ponto de vista de fundo, basta vermos como cada um se comporta. Por exemplo, no Orçamento do Estado, veja-se como se comportou a IL em todas as votações praticamente. Qual é a diferença entre o objetivo da IL para a TAP e o objetivo do PS? É o ritmo, não é o objetivo final, porque ambos querem privatizar. E isto não é só a Iniciativa Liberal, estou a referir porque foi o partido que quis tomar a dianteira do protagonismo com a moção de censura, o que do ponto vista mediático está muito bem. Mas qual foi o posicionamento da IL sobre a entrega por parte do governo de 140 milhões de euros às concessionárias da autoestrada? Não ouvimos nada sobre isso.

E qual é o ritmo do PCP?
O ritmo do PCP é travar este rumo. Sabemos que não é fácil, precisamos de ter mais forças para isso.

Usando a sua metáfora da velocidade, onde está o PCP neste caso?
Neste caso, está no sentido contrário deste, está no sentido oposto. E isto para chegar ao problema do "ai, ai, que vem aí a direita", mas esse problema ajudou à chantagem do PS há um ano atrás.

Mas também ajudou à formação da geringonça, ou não?
Aí foi ao contrário, aí foi "ai, ai vamos acabar com a direita".

Para esclarecer: frente eleitoral comum, pré-eleitoral, PCP e Bloco não?
As questões das eleições estão longe.

Na entrevista que deu à Lusa logo quando foi eleito, revelou que um dos conselhos que os seus camaradas lhe deram foi "não inventes". Inventou quando fez um convite ao regresso ao PCP dos velhos dissidentes e daqueles que foram saindo quando o Muro de Berlim lhes caiu em cima, digamos assim?
Não estava a inventar, nem estava a falar das velhas dissidências de há 30 anos. Há toda uma sequência: há uma intervenção feita no fim da conferência onde se apela àqueles que se aproximam e reaproximam do PCP que venham para a luta do ponto de vista mais geral. Estava a pensar naqueles com quem me cruzei. Ainda que o apelo feito na conferência esteja para lá disso. É um apelo que coloca a questão mais no sentido de que há pessoas que saíram e se afastaram do PCP por razões muito diversas: por opções diferentes, por se chatearem por esta ou aquela posição, mas que olham para o PCP como um abrigo seguro, não há troca-tintas, é confiável. Se assim é, o apelo que foi feito foi "venham connosco".

Está a falar mais daquelas pessoas que criticaram a posição original do PCP sobre a guerra na Ucrânia? Também houve algum desencanto com a posição do PCP que levou ao chumbo do Orçamento. Quando fala nessa reaproximação de antigos militantes e companheiros de estrada, está a falar mais desses afastamentos recentes do que dos outros mais antigos?
Acho que são razões mais ou menos óbvias. As razões que levaram algumas pessoas a sair do PCP aquando desse debate que aconteceu por volta do ano 2000, são razões de fundo. Ou seja, no fundo, há uma incompatibilidade objetiva - que respeitamos, obviamente -, entre aquilo que o PCP é e continua a ser e aquilo que algumas pessoas gostariam que passasse a ser.

Algumas pessoas deixaram de ser comunistas?
Não, não. Algumas pessoas deixaram de olhar para o PCP como o partido que lhes responde nos seus objetivos, mas nós respeitamos isso sem problemas. Depois, há pessoas com outras razões. Há muitas dessas pessoas que voltaram ao PCP, há muitas que, não voltando, estão connosco nesta ou naquela batalha, e há outras que, não estando connosco, precisamos que tenham uma intervenção política ativa porque fazem falta para a batalha mais geral.

E sente que esses regressos estão a verificar-se depois da sua eleição para secretário-geral?
Há uma coisa que temos de dizer que sentimos, que é o facto de termos 2000 novos militantes desde o ano passado. É um dado significativo, mas não lhe consigo dizer se alguns desses foi antes ou depois de eu chegar a secretário-geral. Um dado objetivo é que todos os dias recebemos e-mails de pessoas a quererem inscrever-se no partido. Não é tanto a eleição do novo secretário-geral, mas sim o impacto da própria conferência e de uma ação determinada que quisemos e estamos a procurar fazer no terreno.

Foi notório, quando assumiu funções, uma necessidade sua e do partido de clarificar a posição do PCP sobre a guerra na Ucrânia. Há pouco, reparei que utilizou a expressão "guerra".
É uma guerra, não há dúvida nenhuma.

Mas há uns tempos era outra coisa, uma intervenção...
Já disse isto várias vezes, mas não acho que tenha clarificado nada.

Aquilo que percebi da posição do PCP foi que censuram a invasão da Ucrânia, mas que isto tem antecedentes de 2014, mas não era bem assim inicialmente.
Sinceramente, acho que andamos meses a fio a discutir uma posição do PCP que o partido nunca teve.

Acha sensato pensar que foi o mundo todo que se enganou sobre a posição do PCP?
Olhe que já aconteceu.

Um conhecido militante do PCP, chamado Arménio Carlos, que deu uma entrevista ao Observador, dizia que a posição do PCP causou grande perplexidade.
Acho que a sociedade andou a discutir, a partir de conceitos e preconceitos, e de facto não há nenhuma razão para isso. Dissemos sempre mais ou menos a mesma coisa, e já explico porque é que utilizo a expressão "mais ou menos". Temos um princípio que é que este problema não começou a 24 de fevereiro, já existia. A segunda questão, é que os intervenientes desta guerra, deste desastre, não são apenas a Rússia e a Ucrânia, estão para lá disso.

Mas sentiu perplexidade em militantes e apoiantes do PCP por causa da posição?
Sim, é uma evidência, mas vou explicar-lhe porquê. Lá está, porque não estamos numa redoma, somos influenciados por aquilo que também ouvimos. Passámos horas a debater e a clarificar esta questão.

Quando olha para sindicatos como o S.T.O.P., que consegue mobilizar milhares de pessoas para greves e manifestações, o que pensa?
Penso que há um descontentamento mais que justo nos professores e outros setores e que se estão a manifestar, e fazem muito bem.

Isso diz alguma coisa do envelhecimento da Fenprof?
Não, não me parece. Acho que a Fenprof, e outros sindicatos, tem demonstrado uma importante e decisiva capacidade de mobilização e de luta. A questão é que os professores, ou os enfermeiros, etc., não se manifestam porque o sindicato é bonito ou feio, manifestam-se porque têm razões para o fazer.

Não sente uma perturbação por sentir que a Fenprof está a perder força no contacto e mobilização dos professores?
Não. Para já, não tenho nenhum dado que comprove isso que me está a dizer e, depois, acho que a questão não é essa. Os professores manifestam-se porque têm razões para isso, caso contrário, por mais bonitos que fossem os olhos dos dirigentes sindicais, isso, por si só, não resolvia nada.

E é preciso uma CGTP mais nova e mais ativa?
De certeza, isso é uma evidência. Até para fazer face aos problemas sociais que enfrentamos e esse é um desígnio da CGTP. Mais forte, mais ativa, mais interventiva.

Sente que os sindicatos que a compõem têm vindo a perder força?
Por aquilo que vejo, sinceramente, tenho a ideia contrária. Acho que há uma ação muito mais forte e muito mais dirigida, até do ponto de vista de ação das empresas no local de trabalho em concreto, e isso está a traduzir-se num conjunto muito amplo de lutas que estão em curso.

Não vê uma menor capacidade de intervenção?
Não, vejo uma maior vontade de ação. Mas há um aspeto que não é de pouca importância nisso, que é qual é o impacto da caducidade da contratação coletiva?

A greve deixou de ser um instrumento?
Sabe que a greve é um problema para os trabalhadores, cada vez que faz greve perde um dia de salário.

Mas não é só isso. Para pessoas que têm contratos semanais ou mensais como é que se reinventa o sindicalismo?
Acho que o sindicalismo é motivo de estudo, porque se não se tivesse reinventado no sentido de se adaptar a cada momento de organização, então já tinha acabado ou tinha sido transformado noutra coisa qualquer. Mas essas questões que coloca são desafios muito grandes. Primeiro, para cada um dos trabalhadores, porque quem tem contratos semanais ou mesmo diários, ou de trabalho temporário, está numa situação de fragilidade e também tem contas diárias para pagar. Vou dar-lhe um exemplo concreto de uma ação recente: os trabalhadores das plataformas TVDE fizeram há pouco tempo uma ação até com grande impacto no Porto. Situação mais precária que essa não há.

Mas acabam por ser movimentos laterais aos sindicatos.
Não, não tenho nada essa ideia.

A CGTP, por exemplo, não tem hoje menos sindicalizados do que tinha há cinco ou dez anos?
Os dados que conheço são os do último congresso, que mostravam que tinham tido, durante o mandato de quatro anos, mais 120 mil sindicalizações. Os sindicatos vivem e desenvolvem-se em função dos seus associados, não é indiferente ter mais ou menos. Mas, no fundo, o que quero dizer é o seguinte: acho que há uma ideia que está criada e que acho que não corresponde à realidade.

Como é que explica a perda de influência eleitoral do PCP desde 2015?
São factos e há culpas próprias, sem dúvida. Mas ainda sou do tempo em que também vínhamos de uma situação dessas e depois recuperámos nas Legislativas, nas autárquicas e até no Parlamento Europeu. Teremos as nossas culpas, naturalmente. Por exemplo, há pouco falei-lhe do papel decisivo que tivemos entre 2015 e 2019 num conjunto de medidas, e agora já podemos falar disso à vontade porque já não há quem as queira reivindicar.

Está a falar do Bloco?
Não, não, e da minha parte vou fazer um esforço para não mandar indiretas sobre nada, porque quando tem de se dizer alguma coisa, diz-se. Mas tivemos o nosso papel determinante nesse processo todo. O PS fez o seu papel, criou uma forma, um discurso, em que na prática assumia todo o protagonismo dessas conquistas. E nós tivemos a capacidade de chegar tão longe quanto possível para dizer que certas medidas eram nossas e, portanto, que tivessem atenção ao que faziam.

Os erros cometidos foram só esses? Dificuldades em passar a mensagem?
Não, não, esse é um exemplo, certamente teremos outros. Mas acho que os resultados eleitorais nesse ciclo que identificou, não acho que estejam fora da conjuntura geral.

Um exemplo concreto?
Sim, vou dar-lhe um exemplo concreto. Uma das autarquias que perdemos, entre outras, foi a Câmara Municipal de Almada. E perdemos num quadro em que, de umas eleições para as outras, descemos 500 votos. E a conjuntura levou a que o PS tivesse tido uma subida extraordinária e, como se diz na gíria, limpou-nos a Câmara. Nas eleições seguintes, a CDU subiu face às anteriores só que o PSD praticamente desaparece, o Bloco desaparece, e o PS volta a ganhar a Câmara.

Isso justifica?
Claro que não justifica tudo, mas não podemos deixar de o ter em conta. Nós também cometemos erros. No PCP não há a pretensão de fazer sempre tudo bem.

Lendo os textos do PCP, os textos da conferência, os comunicados do Comité Central, a resolução do último congresso, etc... lê-se sempre que o PCP perdeu influência por via do ataque sistemático a que está sujeito pelas forças representantes do capitalismo, e não há nunca referência a uma subavaliação do partido.
Nós fazemos muita autocrítica. Aliás, se quer um exemplo, é ler o documento da Conferência Nacional. Quando apontamos 20 linhas de trabalho no plano político, orgânico, de movimento de massas social, significa que há pelo menos vinte coisas que achamos que devemos mudar. E não são coisas quaisquer. Se dizemos que precisamos de aumentar a nossa influência social nas empresas, nas organizações locais, assumir um papel de protagonistas na mobilização pelos problemas concretos, rejuvenescer, recrutar mais, recuperar, intervir do ponto de vista do aumento dos salários. Quando se coloca isto como necessidade é porque alguma coisa não está bem. Outra questão é se não enquadrarmos os resultados eleitorais no quadro em que eles se realizam, se não enquadrarmos a partir da visão que temos do mundo e da evolução ninguém o fará por nós.

Lê-se no programa do partido que a sua tarefa histórica só é possível realizar com uma revolução socialista, sendo a sua base teórica o Marxismo-Leninismo realista, dialético e, necessariamente, criativo. Isto não é tudo e o seu contrário? Como é possível ser na prática revolucionário e institucional?
Percebo a aparente contradição, mas há um ponto de partida que não podemos esquecer. É que o regime democrático em Portugal e o regime institucional, não menosprezando outros contributos fundamentais, quase o levamos às costas. E não é há 50 anos, mas praticamente há 100 anos. Somos construtores do regime democrático e pagámo-lo com sangue, suor e lágrimas. Não há nenhuma contradição, mas isso não nos retira o objetivo fundamental e estratégico de ter uma sociedade socialista no nosso país, à luz da nossa realidade, cultura, forma de estar. Acho que não há nenhuma contradição nessa afirmação.

A perda global de influência dos partidos comunistas, e a perda nacional também, não o leva às vezes a admitir a hipótese de que a ideia comunista pode ter-se tornado uma espécie de anacronismo sem remédio?
Não. Deixe-me dizer duas coisas sobre isso. A primeira é que essa ideia comunista é muito nova. No quadro da Humanidade é uma coisa recentíssima, 100 anos. É muito mais recente que o capitalismo. E depois, olhando para a realidade da Humanidade e para a realidade social nacional, não só não é um anacronismo, como é cada vez mais urgente esta perspetiva de transformação social ligada às coisas concretas e a resolução dos problemas concretos das pessoas. O que leva a uma questão fundamental. Temos uma política e uma opção política que é dirigida à maioria, mas que não tem em conta as necessidades da maioria.

Por que é que houve uma necessidade de Jerónimo de Sousa ou do partido de revelar que não houve uma unanimidade na sua escolha, houve antes uma ampla convergência?
Ao contrário do que talvez se possa pensar, nós falamos a verdade. Houve um processo, que é conhecido, junto do Comité Central do meu partido que antecede o ato formal da votação e eleição do novo secretário-geral. É nesse processo de auscultação que há, claro, opiniões diferentes. E é nesse enquadramento de que opiniões diferentes se manifestaram que surge essa afirmação que é verdadeira. Da mesma forma que na votação, no dia 12 de novembro, o Comité Central reúne e vota, a escolha do secretário-geral é feita por unanimidade. E podia não ter sido. E a minha camarada Margarida Botelho, quando veio cá fora apresentar os resultados da votação, se tivesse havido dois votos contra ou abstenções teria dito isso.

Deu a si mesmo tempo para ficar na liderança do PCP?
Os exemplos anteriores assustam um bocadinho. Acho que isso não se coloca dessa forma. Não tenho objetivo pessoal.

A sua permanência pode estar dependente de resultados eleitorais?
Penso que não. Não é uma prática nossa. Não fazemos a avaliação do trabalho da direção do partido em função de resultados eleitorais. Temos as conclusões do congresso último e da conferência e é a partir da concretização ou não das condições de concretizar essas conclusões, e não o que é feito a partir daí. O resultado não é indiferente, é muito importante, aliás as condições que temos hoje para interferir do ponto de vista social e institucional são menores do que anteriormente, e bem que o nosso povo precisava que tivéssemos mais.

Isso é o que o pode levar a sair? A não concretização?
​​​​​​​Se o contributo que o secretário-geral está a dar a determinada altura não corresponder às necessidades que o partido tem, com naturalidade elege outro camarada. Da minha parte, quero dizer-vos com toda a franqueza que trabalharei para isso com humildade.

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