Paulo Raimundo:  "Ação militar" da Rússia na Ucrânia "é condenável"

Na sua primeira entrevista a um órgão de comunicação social escrito, a Lusa, o novo líder clarifica a posição do partido sobre a guerra.
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Sendo certo que o novo secretário-geral do PCP continua, como o anterior, a não falar em "invasão" da Ucrânia pela Rússia, o certo é que já é capaz de claramente condenar a "ação militar" levada a cabo pelo regime de Putin.

Esta quarta-feira, entrevistado pela Lusa - a sua primeira entrevista a um órgão de comunicação social escrito - Paulo Raimundo consolidou o discurso oficial do partido sobre a guerra na Ucrânia. "Aquela ação militar [da Rússia] é condenável, desde logo à luz do direito internacional" - ou seja, "não há dúvida de que há uma intervenção militar russa na Ucrânia", que "nós não menosprezamos, nem relativizamos". Contudo, há que perceber o contexto: "Isto não começou agora, não há aqui uns muito bons e uns muito maus, há responsabilidades partilhadas".

Prosseguindo na argumentação que sublinha atenuantes na Rússia, Paulo Raimundo contou uma história de infância sobre uma brincadeira "completamente absurda" com amigos seus. "Tenho um amigo de infância e a determinada altura - miúdos de seis, sete anos - ele tinha um cachorrinho. Então a brincadeira que se montou - que era uma coisa completamente absurda - era três crianças que à vez atiçavam o cão. Atiçavam o cão, quando o cão vinha para morder gritavam e o cão, coitado, baixava... A brincadeira era assim. Esse meu amigo, que era o dono do cão, quando foi a vez dele de fazer esse movimento de atiçar o cão, o cão deu-lhe 20 e tal dentadas. Ao dono! E a pergunta é: a culpa é do cão? O cão é culpado desse ato?"

Seja como for, acrescentou, é escusado estar-se a comparar o alinhamento de agora do PCP com Moscovo com aquele que existia no tempo da União Soviética: o PCP "não tem nada a ver com o governo russo", "não há nada que nos relacione com o Governo russo, nem de longe, nem de perto", "não temos nada a ver com as opções de classe do Governo russo" e "estamos no dia-a-dia no combate a essas opções".

Na entrevista, o sucessor de Jerónimo de Sousa no cargo de secretário-geral, assumiu que as suas experiências profissionais como padeiro e carpinteiro antes de se tornar funcionário comunista (aos 19 anos, tendo agora 46) foram "curtas": nove meses na carpintaria e seis meses como padeiro.

Citaçãocitacao"Costumo dizer que para mim não há economista melhor do mundo que a minha mãe, nós trabalhávamos, eu, o meu irmão, o meu pai, e, no fim do mês entregávamos à minha mãe para ela fazer a gestão."

Foram no entanto experiências "muito intensas" e que, "aliadas a uma realidade concreta", o levaram a ser classificado de "operário" pelo PCP : "Se eu tivesse estudado a vida inteira não seria um operário", sintetizou. Para logo acrescentar: "E há um outro elemento que é o ambiente onde cresci. Nesse enquadramento, não quero ser injusto, mas quase de certeza que todos os meus amigos de infância e com quem cresci, nenhum deles teve a possibilidade de ir para a faculdade. A maior parte deles nem o 9º ano tirou". Ele próprio completou o secundário e se pudesse ter ido para o ensino superior teria escolhido Belas Artes.

Como exemplo do contexto social e económico em que viveu, na juventude, Paulo Raimundo descreve: "Eu cheguei a receber em `tickets de refeição, nem sei se ainda há. Eram uns títulos e trocava-se num restaurante ou num supermercado." Já a gestão orçamental da família era conduzida pela mãe: "Costumo dizer que para mim não há economista melhor do mundo que a minha mãe, nós trabalhávamos, eu, o meu irmão, o meu pai, e, no fim do mês entregávamos à minha mãe para ela fazer a gestão."

Citaçãocitacao"É olhar para os problemas das pessoas e abrir caminhos a um projeto alternativo. E para isso é preciso estar no poder, não andamos aqui, desculpem a expressão, a encher chouriços."

Reconhecendo que, ao contrário de Jerónimo de Sousa, não é especialista em ditados populares, reconheceu no entanto uma tendência para expressões "popularuchas". Por exemplo, quando explica o que o motiva na política: "É olhar para os problemas das pessoas e abrir caminhos a um projeto alternativo. E para isso é preciso estar no poder, não andamos aqui, desculpem a expressão, a encher chouriços".

Citaçãocitacao"De que vale uma comissão de freguesia, que tem as quotas em dia, "Avantes!" vendidos, mas depois passa ao lado dos problemas que as pessoas vivem naquela freguesia?"

Na entrevista, Raimundo reconheceu "insuficiências" na organização do PCP. "Nós não podemos continuar a ficar à espera que nos batam à porta", disse, dando depois um exemplo: "Temos organizações do partido que tem tudo muito organizadinho, com as quotas em dia, tudo organizado, mas com uma desligação ao meio de onde estão. Ou, por exemplo, de que vale uma comissão de freguesia, que tem as quotas em dia, "Avantes!" vendidos, mas depois passa ao lado dos problemas que as pessoas vivem naquela freguesia?"

E assim "é preciso ir mais longe nas organizações do partido nos locais de trabalho". Com uma franqueza autocrítica rara no PCP, concluiu: "Constatamos que não estamos a cumprir, a fazer o que precisamos de fazer no que, para nós, é uma coisa estratégica, que é a ligação aos trabalhadores."

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