Passos Coelho. Quo vadis? A gestão do silêncio gera ruído
O futuro de Pedro Passos Coelho só ele conhece, mas entre o que faz e já fez e pode vir a fazer há todo um mundo de possibilidades. O DN coloca cinco cenários.
(Probabilidade elevada)
"Pode falar com 100 pessoas que ninguém lhe vai saber dizer o que Passos pensa fazer". A frase é de alguém que conhece bem o antigo líder do PSD e primeiro-ministro. E é dita com a mesma certeza com que assegura: "A todos fala com entusiasmo das aulas e é nesse cenário que se coloca, no presente e não no futuro". Substituído pela "geringonça" de António Costa no governo, em 2015, após a coligação PSD/CDS ter ganho as eleições, Pedro Passos Coelho largou a política e dedicou-se ao ensino. Está a dar aulas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP, da Universidade de Lisboa, tendo alunos de mestrado e doutoramento), onde tem um vínculo com a categoria de professor catedrático convidado. O mesmo que lhe foi conferido na Universidade Lusíada, onde se licenciou em Economia.
A amiga e antiga assessora de Passos Coelho Eva Cabral, num artigo publicado esta semana no semanário O Diabo, em que se insurge contra as tentativas de "pressão" sobre Passos, escreve: "Do ponto de vista profissional - tem mesmo de trabalhar para pagar as contas, pois não pertence ao cortejo dos que se serviram do Estado - está a ensinar Políticas Públicas a alunos de licenciatura, de mestrados e de doutoramento. Nos doutoramentos tem vários alunos africanos o que o deixa visivelmente feliz. Nasceu, por acaso, em Coimbra, mas a sua juventude foi em Angola".
Os que privam com ele sublinham esta ideia de que está encantado com a veste de professor e que não dá sinais de que esteja a prazo nas duas universidades. Passos passou mesmo ao lado da polémica que se instalou no ISCSP em 2018, depois de lhe ter sido conferido o estatuto de "professor catedrático convidado", sem que tenha doutoramento, pelos cargos que desempenhou no país e que a universidade considerou à altura do grau conferido. Em abaixo-assinado, professores universitários e investigadores contestavam a nomeação, mas de lá para cá não se levantou mais nenhuma onda contra a contratação do ex-primeiro-ministro social-democrata.
Se não regressar à política, é muitíssimo provável que ensinar seja a estrada que continuará a trilhar. E o facto de só falar dessa rota limita as futurologias.
(Probabilidade muito reduzida)
Todos consideram muito improvável, senão impossível, que Passos Coelho volte ao setor privado, às empresas, como acontecia antes de ter sido candidato pela primeira vez à liderança do PSD em 2008. "O facto de não ter enveredado por esse caminho é um sinal claríssimo que ainda não desistiu da política", diz ao DN alguém que lhe é próximo.
"É normal que não tenha querido fazer essa passagem logo após ter liderado o governo, ainda para mais numa conjuntura de aperto financeiro do país, mas se tivesse vontade de voltar ao mundo empresarial teria todas as condições", assegura outra fonte do PSD.
Isto porque Passos passou por várias empresas e desempenhou cargos como consultor e gestor, tendo trabalhado na Quimibro, que se dedica ao trading nos mercados de metais, de José Bento dos Santos, entre 1987 e 1989, e iniciado a sua atividade de consultor na Tecnoforma, em 2000.
Em 2001, tornou-se colaborador da LDN Consultores, até 2004. Dirigiu o Departamento de Formação da URBE - Núcleos Urbanos de Pesquisa e Intervenção, entre 2003 e 2004. Em 2004, o antigo ministro Ângelo Correia convida-o para ingressar no Grupo Fomentinvest, onde será diretor financeiro, até 2006, e administrador executivo, entre 2007 e 2009. Foi também presidente do Conselho de Administração das participadas Ribtejo e da HLC Tejo, a partir de 2005 e 2007.
A passagem de Passos pela Tecnoforma, empresa de formação e consultadoria, valeu-lhe algumas dores de cabeça anos mais tarde. Só em 2017, já depois de ter deixado de ser primeiro-ministro, é que o Ministério Público arquivou um processo que o envolvia e ao ex-secretário de Estado Miguel Relvas por suspeitas de corrupção através daquela empresa.
Esta má experiência e as consequências de desgaste político durante a governação levam os próximos de Passos Coelho a considerar que a melhor forma de manter a sua "credibilidade intacta, para o que der e vier no seu eventual futuro político, é manter-se afastado de toda e qualquer potencial polémica que possa nascer na atividade empresarial. "Basta perceber o que está agora acontecer com as incompatibilidades dos governantes", assinala um social-democrata.
(Probabilidade reduzida)
"Não se pode excluir". Esta é a resposta à pergunta: "Passos poderá vir a ser considerado para um cargo internacional?" E o patamar é colocado lá no alto quando se fala de possibilidades, por exemplo a presidência da Comissão Europeia (à semelhança do que aconteceu com Durão Barroso, mas que estava no ativo quando se candidatou).
"O país deve, num período muito difícil de crise na troika, ao primeiro-ministro Passos Coelho uma resistência que ainda há dois dias pude ouvir ser elogiada pela boca da então chanceler Angela Merkel. Portanto, é reconhecida cá dentro e reconhecida lá fora, é um facto", disse o Presidente da República sobre a imagem do antigo primeiro-ministro fora de portas.
Quem o conhece bem coloca novamente um "mas" nesta equação. "Passos é um homem de família e ser-lhe-ia difícil ir para fora e ter de se afastar dela. Não é muito dado a isso", diz um dos seus companheiros de partido de longa data, que vaticina, em mero jeito retórico: "Mais depressa ia a administrador da Gulbenkian do que para voos no estrangeiro".
O que se conjuga com a imagem que também a agora jornalista Eva Cabral dele traça e do apego que tem às coisas da terra. "Sim. Gosta de política desde miúdo, mas foi-se apaixonando por outras coisas. De verão costuma tomar banho de mar e comer grelhados e ostras. Dizem-me que também tem mais tempo para falar com as filhas e com os amigos. Aproveita a pausa estival para carregar baterias na praia que escolheu há muitos anos. E para fazer festas ao cachorro, que entrou na família há escassos meses, mas já faz das suas."
Sobre a eventual hipótese de Passos planear a médio prazo uma carreira internacional, o professor universitário Viriato Soromenho-Marques chama a atenção para o "facto de o sistema internacional estar a mudar completamente" e com ele os atores políticos, num grau de imprevisibilidade enorme. Além disso, considera que Passos "não deu mostras de ter grande interesse pelos assuntos internacionais (ao contrário de Paulo Portas)", até porque apanhou a governação do país numa altura em que "essa política não foi grata para Portugal".
(Probabilidade elevada)
Uma candidatura a Belém é vista como aquele cargo que melhor assenta a Pedro Passos Coelho e até já no pós-marcelismo, em 2026. Se, e se, voltar ao palco político - "conhecendo o seu perfil, o que pensa fazer está perfeitamente determinado, tal como o quadro que tem de existir para o fazer, mas não vai dizer nada a ninguém", diz um amigo - é este o fato que todos lhe veem a vestir a e cair bem.
"Há outras figuras de centro-direita que querem correr para a presidência, como Marques Mendes ou Paulo Portas, mas se Passos quiser tem logo quem o apoie e será muito difícil qualquer dos outros avançar", afirma a mesma fonte. A mesma ideia é partilhada pelo politólogo José Adelino Maltez: "Se ele entender que tem condições e que o país estará com ele quer, avançará, senão fará o que está a fazer". Mas, Maltez adverte que o campo de centro direita, que era decidido entre o PSD e o CDS, nomeadamente no apoio aos candidatos presidenciais, agora depende de um novo espaço político, em que entram forças como a IL e o Chega. O politólogo admite, no entanto, que "Passos tem um percurso que lhe permite a soberania pessoal de escolher o caminho que quer seguir".
Paradoxalmente, uma das qualidades de Passos Coelho, a gestão do silêncio, pode ajudá-lo a ser o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa. "A opinião pública é que escolhe e o silêncio pode resultar no pós-marcelismo, que é o oposto de Passos Coelho", afirma Adelino Maltez.
O antigo ministro dos Negócios Estrangeiros Martins da Cruz sublinha essa característica política de Passos, a habilidade em gerir os silêncios, "que falta a Marcelo", diz, e que o faz também concluir sobre a eventualidade de uma candidatura do antigo primeiro-ministro à Presidência da República. "Ou não quer ou tem um timing. Se não quer estão a desrespeitá-lo, se tem um timing estão a tentar forçá-lo". E lança a questão: "Alguém perguntou ao professor Marcelo ou ao dr. Montenegro se já lhe perguntaram se estava disposto a regressar, se quer fazer política? As referências que foram feitas sobre o que tem a dar ao país aconselhavam a que falassem com ele primeiro".
(Probabilidade média)
Os quatro anos de maioria absoluta do PS e uma atual liderança do PSD, a de Luís Montenegro, com fôlego para aguentar a travessia no deserto dos sociais-democratas levam alguns a considerar improvável que Pedro Passos Coelho volte a liderar o partido e, por consequência, seja novamente candidato a primeiro-ministro. Dúvidas ninguém tem que se o quiser fazer terá o partido a seus pés.
O professor Viriato Soromenho-Marques destaca esse "perfil de referência" de Passos, que considera um "político diferente da maior parte dos políticos", para admitir que para o partido continuará a ser o desejado.
"Passos Coelho é o político que no PSD tem mais prestígio. Podia ter sido candidato a líder e unificava o PSD, mas sabia que ganhava o partido mas não o país. E ele tem a ambição de ser um vencedor político e social, por isso não avançou", afirma José Adelino Maltez. O politólogo frisa que nesta conjuntura de forte instabilidade, gerada pela guerra da Ucrânia, é impossível saber se haverá espaço para que volte ao combate partidário.
Mas, admite José Adelino Maltez, "se tiver condições, penso que estará disponível para a desforra e não dirá desta água não beberei". Isto porque Passos demorou algum tempo a digerir o facto de em 2015, após as medidas draconianas do plano de ajustamento, que fizeram sofrer os portugueses, ter ganho as eleições legislativas coligado com o CDS de Paulo Portas e ter visto, depois, o PS de Costa aliar-se ao PCP e BE para formar uma maioria governativa.
O embaixador Martins da Cruz não quer especular sobre a possibilidade de Passos Coelho voltar ao combate na primeira linha do PSD, mas sublinha que o facto de se estar de novo a falar do seu nome "prova duas coisas": "Prova o valor que ele teve quando dirigiu o país; e prova que no panorama deserto em que se apresenta no centro-direita têm de o ir buscar como uma referência do passado e não como um "game changer" com uma perspetiva de futuro. É a ideia de que com o deserto que está em volta de nós talvez um regresso ao passado seja a melhor coisa", afirma o antigo ministro.
paulasa@dn.pt